Sincretismo

No DF, intolerância religiosa aumentou 55% no ano passado em relação a 2022

Advogado criminalista explica como a lei pode punir os agressores, e sacerdotes contam suas experiências com agressões

Mãe Luzia Tremendani comanda um terreiro localizado no Cruzeiro Velho  -  (crédito: Acervo pessoal )
Mãe Luzia Tremendani comanda um terreiro localizado no Cruzeiro Velho - (crédito: Acervo pessoal )

Pode parecer assunto de séculos passados, mas a intolerância religiosa continua sendo uma das formas mais graves de opressão social da atualidade. No Distrito Federal, em 2023 foram registradas 42 ocorrências de discriminação religiosa pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), um aumento de 55% em relação a 2022, quando foram 27 ocorrências do tipo, segundo levantamento obtido pelo Correio.

O advogado criminalista Oberdan Costa explica que a intolerância religiosa está prevista na Lei 7716, sobre os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, desde 1997. "Em 2023, foi adicionado um parágrafo à legislação, estabelecendo que a violência contra manifestações religiosas (destruição de terreiros, islamofobia, etc) será considerada discriminação racial. Será adicionada à pena o meio pelo qual a discriminação ocorreu. Se a obstrução do culto ocorreu por meio de agressão física, pune-se tanto a discriminação quanto a lesão corporal", detalha o advogado.

De acordo com Oberdan, diversas condutas são criminalizadas na lei em questão, com penas que vão de um a cinco anos de reclusão. Impedir o acesso ou o uso de transportes públicos e privados, negar e colocar obstáculo de emprego em empresa privada, negar o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões e clubes sociais abertos ao público são alguns dos exemplos de condutas que, quando praticadas por motivo de discriminação religiosa, são criminalizadas pela lei.

"Quem presencia ou sofre discriminação deste tipo pode, no Distrito Federal, procurar a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual, Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) ou o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), e levar o máximo de informações possíveis para instruir a denúncia. Assim, a responsabilização penal será mais efetiva.

Respeito

Mãe Luzia Tremendani, 43 anos, acompanhou frequentadores da casa que comanda ao Decrin para formalizar denúncias de discriminação religiosa. O terreiro dela é no Cruzeiro Velho. Luzia conta que nunca passou por episódios de intolerância em relação a sua religião, mas que essa foi a realidade da sua filha, hoje com 20 anos. "Ela sofreu em todas as escolas que estudou na região, tanto pelo fato de estar usando adereços quanto por se manifestar como adepta de uma religião de matriz africana. Sempre orientei a minha filha a não esconder a religião. Quando o opressor vê que estamos com medo, ele se sente mais forte", reflete a sacerdotisa.

Ela lembra que a Decrin é um suporte a mais que o DF tem contra os crimes de intolerância, além da legislação federal. No entanto, ela observa que, mesmo com esse suporte, não tem diminuído os casos de discriminação. Na visão de muitos, o candomblé, a umbanda e outras religiões de influência africana cultuam aquilo que no cristianismo é chamado de diabo. "Nas tradições de terreiro, não há cultos ao diabo, que é uma figura criada pelo cristianismo. Não temos como cultuar aquilo que não acreditamos. E Exu não tem nada a ver com isso também. Exu é caminho, resposta, verdade, movimento e aquilo que é certo", esclarece Mão Luzia.

No Setor Sul do Gama, Pai André Luiz ti Ólògunédé Asogun do ilé À Ayrá Intilé é dirigente da Tenda Espírita Vovó Cambinda. "Vivemos harmoniosamente com todo mundo, eles que têm problema conosco", lamenta o sacerdote, que revela que há, inclusive, pastores evangélicos que frequentam a sua casa para se consultar com exus e pombagiras.

Além do templo que dirige, André toca uma copiadora em uma faculdade do Gama, onde, com frequência, as pessoas o abordam, instigadas pelos adereços que costuma usar, perguntando se ele conhece Deus. "E dizem que o Deus deles é que é o verdadeiro, mas eu não permito que interfiram na minha religiosidade", diz. 

Praça 

A Praça dos Orixás, no Setor de Clubes Sul, próximo à beira do Lago Paranoá no trecho que é conhecido como Prainha é um dos locais de encontro de adeptos das religiões de matriz africana do DF. São 12 estátuas simbolizando divindades cultuadas nas religiões. Ser um dos pontos turísticos da capital não a blinda de ser alvo de vândalos que frequentemente depredam as imagens dos orixás. 

Com o intuito de discutir a preservação do local, o Instituto Rosas dos Ventos vai promover a quinta edição da Festa das Águas que ocorre tradicionalmente do dia de Iemanjá, 2 de fevereiro, a partir das 14h. Também haverá programação no dia seguinte, a partir das 16h. No primeiro dia de festa, às 15h30, o instituto convoca a sociedade civil a discutir a reconstrução da Praça dos Orixás, após os diversos ataques sofridos. 

 

 

  • Mãe Luzia Tremendani comanda um terreiro localizado no Cruzeiro Velho
    Mãe Luzia Tremendani comanda um terreiro localizado no Cruzeiro Velho Foto: Acervo pessoal
  • Pai André Luiz:
    Pai André Luiz: "Vivemos harmoniosamente com todo mundo, eles que têm problema conosco" Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  • Praça dos Orixás, no Setor de Clubes Sul, já foi alvo de depredadores, mas resiste e é palco de grandes celebrações
    Praça dos Orixás, no Setor de Clubes Sul, já foi alvo de depredadores, mas resiste e é palco de grandes celebrações Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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postado em 25/01/2024 06:06
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