A tragédia, no domingo (15/1), dentro de um viatura da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), quando um sargento matou um soldado e em seguida se tirou a própria vida, reacende umas das questões mais delicadas nas forças de segurança: a saúde mental. Especialistas ouvidos pelo Correio explicam que o trabalho excessivo de policiais e bombeiros, somado ao fato de muitos desses profissionais evitarem buscar ajuda para relatar e cuidar de problemas psicológicos, são fatores que desencadeiam o adoecimento mental e a instabilidade emocional dos integrantes das corporações.
O último Anuário Brasileiro de 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta que a questão é preocupante e merece mais atenção do Poder Público. O documento, com dados obtidos nos unidades da federação, indica a falta da clareza sobre as mortes de policiais em decorrência de lesão autoprovocada ou autoextermínio. O problema não se limita aos agentes. Ele compromete os rumos das políticas de preservação da lei e da ordem pelo país.
O anuário indica que as informações recolhidas junto às secretarias de segurança e cúpulas policiais não são tratadas de forma precisa. Segundo o documento, com base pelos relatos recolhidos, conclui-se equivocadamente que os problemas não existem e, consequentemente, não haveria necessidade de qualquer intervenção do Poder Público.
Além disso, o relatório ressalta os motivos que contribuem para a piora psicológica dos policiais e bombeiros. Entre elas estão: o assédio moral; a cobrança pelo cumprimento de metas; o endividamento financeiro; a insegurança jurídica; e o desgaste físico e mental de situações rotineiras que os colocam em situações de risco, entre outras causas. Para o psiquiatra e professor de medicina do Centro Universitário de Brasília (Ceub) Lucas Benevides, essas situações podem desencadear vulnerabilidade nos agentes de segurança.
"Isso se manifesta com uma maior incidência de erros, diminuição da capacidade de tomar decisões, aumento do absenteísmo, dificuldades em manter relações interpessoais saudáveis no trabalho e, até mesmo, um aumento nos comportamentos agressivos ou de risco", explica.
Ajuda
Ele acrescenta que os problemas de saúde, principalmente psicológicos colocam em risco colegas e os próprios militares. Para ele, existe uma cultura dentro das forças de segurança em deixar essa situação "de lado". "Os profissionais de segurança diferem de outros trabalhadores devido à natureza única e muitas vezes perigosa do seu trabalho. Eles são regularmente expostos a situações que tendem a ser psicologicamente traumáticas, ao contrário de muitas outras profissões. Além disso, a cultura dentro de muitas forças de segurança desencoraja uma discussão aberta sobre saúde mental", completa.
Por sua vez, a psicóloga Jhanda Siqueira — que concorda com o professor do Ceub — defende que os profissionais de segurança pública têm de buscar ajuda para tratamento, ao invés de se automedicar ou rejeitar ajuda médica. "É necessário falar mais sobre saúde mental. É muito estimulado entre as forças, principalmente a polícia, ter um corpo físico muito preparado para embate e dor, mas não há estímulo para saúde mental", explica.
Jhanda defende que quando não há cuidado com saúde mental, o policial nitidamente piora. Com isso , ele começa a se sentir envergonhado e frágil. E, de acordo com ela, o indivíduo acaba não querendo que os outros saibam. Daí, evita procurar ajuda especializada, pois acha que não resolverá seu problema. "Não é o correto. É preciso que o tratamento à saúde mental seja mais naturalizado. Caso não, deixa uma população instabilizada, além da própria tropa", ressalta.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), a pasta está trabalhando em conjunto com a PMDF sobre o desenvolvimento de novas medidas voltadas à saúde física e mental dos policiais. "Entre as ações em andamento destacamos a construção de um Centro de Apoio Biopsicosssocial (CAB) e medidas que reforçam o combate ao assédio no serviço policial", informou uma nota a SSP-DF. Do seu lado, a PMDF diz contar com redes credenciadas no sistema de saúde da corporação, além de assistência psicológica 24 horas por dia. O comando da corporação acrescentou que, para o próximo concurso de médicos que realizará, existe a previsão de cinco vagas para psiquiatras, sendo que três deverão começar a atuar imediatamente e dois irão ao cadastro reserva. A força não detalhou quantos psiquiatras estão à disposição da corporação, atualmente.
Velório
O corpo do soldado da PMDF Yago Monteiro Fidelis foi velado, ontem, na Capela São Francisco de Assis, em Santa Maria. O sepultamento do oficial está marcado para hoje, no cemitério do Gama, às 10h. Ele foi alvejado na cabeça, dentro de um carro da corporação, no Recanto das Emas, pelo sargento Paulo Pereira de Souza, que em seguida tirou a própria vida.
Igor Ribeiro, recorda que seu amigo de infância Yago, semanas atrás, estava na casa dele, em Goiânia. Emocionado com o ocorrido, cobra explicações da PMDF: "A polícia nos deve uma satisfação, pelas notícias que saíram sobre o sargento, que já vinha com problemas psiquiátricos. É algo sério e parece que não estão dando uma importância para isso".
Um print de uma conversa em um grupo com outros PM mostra que Yago estava desconfiado do sargento Paulo Pereira. Na mensagem que compartilhou, revelou temer que algo ruim pudesse ocorrer. Ele dizia saber que seu colega de guarnição estava aparentemente com transtornos.
"Na rádio patrulha tinha que ter só policiais bons que querem trabalhar. Sem contar o risco de você colocar sua vida na mão e um 'piorado', e na hora do vamos ver você tá sozinho (...) Mas só vai mudar, stive (sic), quando der uma m... muito grande", escreveu Yago no grupo.
O sepultamento do sargento está marcado para essa terça-feira (16/1), às 11h, em Palmas, no Tocantins.
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