A tragédia que ocorreu no domingo, envolvendo policiais, e como a saúde mental dos militares está abalada, foi debatida pela comandante-geral da Polícia Militar (PMDF), coronel Ana Paula Barros, no CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília — de ontem. Às jornalistas Ana Maria Campos e Mila Ferreira, a oficial destacou que o 8 de janeiro abalou a moral de membros da corporação. Ela também fala sobre a importância das mulheres nas forças de segurança, devido ao lado acolhedor e mais humanizado.
A senhora assumiu o cargo com um drama envolvendo a morte de dois policiais militares no Recanto das Emas. Como você lidou com a situação e como foi a reação da corporação?
Gostaria de aproveitar esse espaço para falar sobre meu plano de comando e toda vontade da minha chegada. No entanto, estamos lidando com essa tragédia, acontecida domingo. Isso é um motivo para repensar os nossos atos e dias dentro da corporação. Na semana passada, quando assumi o cargo, informei que nosso primeiro plano e meta é cuidar do nosso policial. Às vezes dá aquela frustração de pensar que não deu tempo de resolver essa situação. Nossa corporação está atenta, inclusive, já existia uma reunião marcada para tratar sobre a saúde mental do nosso efetivo, pois ele está na frente e faz a entrega para sociedade.
Como é feito esse apoio psicológico aos policiais? Como está o quadro médico e como é feito o acompanhamento psicológico?
Nosso efetivo teve um decréscimo muito grande nos últimos anos, mas o governo está empenhado. Nós teremos um incremento de 1.200 policiais este ano, que estarão formados em 2025. Isso pode sim ser uma causa para o nível de estresse dos nossos policiais. Temos um acompanhamento inicial, uma investigação social e psicotécnico durante o concurso. Depois existe todo um suporte psiquiátrico. Como foi bem dito e é real, só tem um psiquiatra na corporação, na área médica, mas estamos com concurso em andamento e com a entrada de cinco psiquiatras. Acoplado a isso, temos a rede credenciada que atende no nosso departamento de saúde.
A senhora sente que a questão de saúde mental, depressão, estresse e síndrome do pânico evoluiu nos últimos tempos?
Posso fazer uma avaliação como um ser humano normal, mãe, esposa e como quem vive na sociedade. Isso pode acontecer com qualquer pessoa. O nível de estresse mundial é muito grande, imagina em uma profissão em que a gente lida diretamente com muitas coisas e o mais comum são as ruins. Nós lidamos com a criminalidade e vivemos nesse enfrentamento. Isso potencializa o nível de estresse do nosso policial.
Você acredita que o episódio do 8 de janeiro, onde a polícia foi muito cobrada, abalou a tropa e mexeu com a autoestima?
Isso abalou sim. Foi bastante traumático e algo inédito. Um ano extremamente atípico e o policial se sentiu inseguro. Após esse momento, veio sempre em minha mente junto com o comando, que precisávamos dessa atenção especial para retomar e fortalecer a nossa polícia, que não deixou de ser uma das melhores do Brasil.
O coronel Fábio Augusto, era o comandante da Polícia Militar na ocasião é muito querido na corporação, né? Imagino que isso também abalou bastante a tropa.
Sim, o coronel Fábio Augusto, era muito presente e próximo a tropa. Isso mexe com cada um que estava sob o comando dele.
Coronel, a senhora entra no comando da corporação em um momento inédito no Governo do Distrito Federal, pois são duas mulheres no comando das duas corporações militares. No corpo de bombeiros, com a Mônica Mesquita, e a senhora à frente da Polícia Militar. De qual forma a senhora acha que isso vai refletir no combate à violência contra mulher?
Vejo a entrada da mulher com um lado mais humano. Dá aquele ar de aproximação com a sociedade, um olhar de cuidado e trazendo aquela característica de mãe. Mas, independentemente de ser mulher, nós temos a visão geral da corporação, não precisamos dar mais cuidado e olhar para a mulher, e sim, para o todo. O feminicídio é uma situação lamentável e, nós temos que dar uma atenção especial. Acho que eu sendo mulher e sabendo o que ela pode passar, talvez seja inspiração para essas que são submetidas a covardes agressores. A mulher que inspira e diz que consegue estar onde quiser. Tem que tomar atitudes para não passar por isso. Sabemos que essa é uma situação que, às vezes, não temos controle, não é uma situação apenas policial, pois envolve várias searas. Quem não tem na cozinha de casa uma arma branca, que pode ser usada para um feminicídio?
No DF, as armas brancas são as mais utilizadas nos casos de feminicídios.
Exatamente. Esse caso foge o controle. Temos uma modalidade de policiamento chamado Provid, voltado à violência doméstica, onde fazemos visitas. Ela tem tido muito efeito. Hoje tivemos, infelizmente, uma morte desses acompanhamentos que a gente faz. No meu comando, pretendo aumentar esses policiamentos. Nós já temos ele em todas as unidades policiais do DF. No entanto, precisamos preparar mais, não só a policial feminina para fazer esse atendimento, mas o policial. Dessa forma, ele consegue levar o aprendizado até mesmo para dentro da casa dele. Isso é muito importante.
O programa Ressignificar, lançado na semana passada, trabalhar a conduta e cabeça dos homens, para lidar com esses casos de violência doméstica. Não é isso?
Isso. O Ressignificar é de extrema importância para nós. Dessa forma, vamos preparar o nosso policial que vai estar no combate, pois somos quem recebemos essa primeira informação sobre o feminicídio. Além disso, dentro do programa existe o preparo psicológico.
Coronel, você entrou na PM muito nova, aos 19 anos. Como é ser uma mulher no meio a tantos homens, a senhora se sente mais cobrada por ser mulher?
Me sinto forte. No ano passado, fez 40 anos da primeira entrada de uma policial militar feminina na corporação, e elas deixaram legados. Uma semente que se plantou e hoje colhemos com muito mais força. Quando entrei, fazíamos o mesmo curso, mas a nossa carreira só ia até Capitão e algumas policiais foram prejudicadas na sua classificação, pois não tinha vagas, eram quadros diferentes. Quando me formei, já tínhamos tido essa conquista. A legislação mudou, concorremos normalmente. É uma corporação que me entreguei com todas as dificuldades, às vezes, até fisiológicas, né? Não podemos nos comparar, não é uma disputa entre homens e mulheres, é um objetivo em comum de servir e preservar. Fico feliz de ser inspiração para outras que virão, até mesmo para outras profissões.
Você acredita que o fato de ser mulher inspira outras a galgarem este espaço e a buscarem postos mais altos?
A ficha ainda não caiu. Digo que sou desprendida em relação a vaidade de poder, mas tenho um amor muito grande pela corporação. Vi crianças em um evento que fui outro dia, elas queriam tirar foto e as mães dizendo que eu era inspiração, foi quando eu percebi a importância de representar bem as mulheres e os homens. Sabemos que é uma profissão majoritariamente masculina, mas fico muito feliz em receber e observar os comentários dos homens, principalmente pelo respeito que eles têm comigo e com a minha carreira.
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Voltando à tragédia com os policiais: já existe uma linha de investigação, sobre o que realmente aconteceu?
Nesse primeiro momento, falar da tristeza de toda a corporação e da dor que cada policial está sentindo. Gostaria de me solidarizar com as famílias, amigos mais próximos e dizer que não entendemos ainda o que aconteceu. O fato está em apuração na nossa Corregedoria e junto com a Polícia Civil. A ideia, neste primeiro momento, é fazer uma intervenção nessas próximas 72 horas. Fiz contato com os profissionais do Samu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) e eles vão se mobilizar para identificar os problemas na unidade, para que não se crie mais problemas. Pois eles já estão abalados psicologicamente pelo ocorrido. Diante disso, nessas próximas 72 horas vamos identificar pontualmente e fazer um mapeamento para saber quais policiais precisam de um auxílio imediato. Estamos focados na saúde dos policiais do Recanto das Emas, para que não cause um trauma ainda maior.
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, no ano passado, a limitação de 10% de mulheres dentro do quadro da corporação. O que a senhora acha disso? Qual a importância dessa paridade de gênero dentro da PM?
É uma solicitação antiga. A corporação sempre manteve os 10% que estava na legislação. Foi um ganho para a polícia, porque sentíamos a falta da policial militar feminina. Como falei anteriormente, não é que ela esteja concorrendo com homem, ela está para agregar. A união do policial militar masculino com o feminino contribui muito. Além do profissionalismo e capacidade que a mulher tem como qualquer outra, ainda tem esse lado mais humano e cuidadoso.
*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida
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