Depois de fechar 2023 com com o maior número de feminicídios da história — 34 casos, sendo 30 confirmados e quatro em investigação —, o Distrito Federal registrou o primeiro assassinato de uma mulher motivada pelo gênero de 2024. Taynara Kellen, 26 anos, foi morta com ao menos nove tiros em frente ao salão onde trabalhava, na Quadra 29 do Setor Leste do Gama, na tarde de ontem. O autor é o ex-marido dela, o motorista de transporte por aplicativo Wesly Denny da Silva Melo, 29, filho de um ex-policial militar e registrado como colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC). Até o fechamento desta edição, ele não havia sido preso.
Há pelo menos cinco anos Taynara entrou para o ramo da beleza e se dedicou à especialidade de alongamento de cílios. Há dois, deixou de atender em casa e começou a trabalhar em um salão de beleza do Gama. Os resultados da lash designer eram sempre divulgados no perfil do Instagram, que contava com mais de 1 mil seguidores.
Em mais um dia de serviço, Taynara recebeu uma mensagem de uma suposta cliente interessada no alongamento. Pelo WhatsApp, ela marcou o horário das 14h de ontem. No entanto, se tratava de Wesly se passando por outra pessoa, revelaram as investigações. No horário agendado, Wesly enviou uma mensagem para Taynara dizendo estar perdido na região e sem conseguir encontrar o endereço do salão. "Ela saiu uma vez, não encontrou. Saiu a segunda vez e nada. Na terceira, ele fez ela dar a volta no quarteirão. Em todas essas vezes, ela saiu ao lado da filha dela", contou ao Correio uma das clientes que estava no estabelecimento e pediu para não ser identificada.
A mulher e também amiga pessoal de Taynara relata que ela parecia sentir que havia algo de errado. "Na quarta vez que ela saiu para procurar essa tal cliente, ela trancou o salão. Parecia sentir algo." Em questão de segundos, as funcionárias, clientes e a filha de Taynara, de 5 anos, ouviram um rojão de tiros. A cliente descreve o ocorrido como pavoroso. "Foram muitos, mais de 10, sem pausa. A única coisa que fiz foi correr com a criança (filha da vítima) para o banheiro e me trancar", desabafou.
O assassinato de Taynara foi presenciado pela filha do casal. Mesmo trancada no banheiro, a criança disse: "Tia, eu vi meu pai. Ele deu 'pou pou' na minha mãe". Taynara recebeu ao menos nove disparos de arma de fogo. De acordo com as informações preliminares, Wesly chegou no local em um carro branco.
Relacionamento
Taynara e Wesley mantiveram um casamento de mais de 10 anos, mas estavam separados havia uma semana, após os inúmeros episódios de violência sofridos pela jovem. Segundo a amiga da vítima, Taynara era vítima de agressão física constantemente. "Hoje (quarta) mesmo, eu pedi para que ela registrasse um boletim de ocorrência contra ele, mas ela disse que não valeria a pena, pois o sogro era policial militar aposentado", disse.
As funcionárias do salão também contaram que o agressor esteve no estabelecimento no sábado em busca do paradeiro de Taynara, mas a mulher não havia trabalhado no dia. "Parece difícil acreditar. Hoje (quarta) mesmo nós fomos almoçar. Estávamos tão felizes, porque ela ia fazer meus cílios para tirar fotos e divulgar o trabalho", detalhou a cliente.
Delegado à frente do caso, William Ricardo, da 14ª Delegacia de Polícia (Gama), divulgou a foto de Wesly oficialmente e pede a ajuda da população. "Ele responderá por feminicídio", confirmou. A PCDF pede para que, caso alguém tenha informações sobre o paradeiro do acusado, ligue para o número 197, da Polícia Civil.
Saiba Mais
Propostas
A nova comandante da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a coronel Ana Paula Barros Habka, comentou sobre o primeiro feminicídio do ano e garante que o problema será um dos focos da nova gestão. "É uma pauta muito lamentável para nós, ainda é uma questão que envolve a educação. Fizemos reuniões na semana passada para trabalhar a educação dos nossos policiais e de quem atende a essas ocorrências inicialmente. O planejamento primeiro é descobrir o que está causando tantos feminicídios, mas isso é uma questão ainda sigilosa para que possamos descobrir e trabalhar em cima disso. O meu olhar vai ser direto para a causa da violência doméstica."
Eduardo Felype Moraes, advogado especializado em questões de violência de gênero, atribui o aumento dos casos de feminicídio às questões socioculturais. "O sentimento de posse dos homens em relação às mulheres e à misoginia (ódio ou aversão a mulher) contribuem de forma significativa para o crescimento no número de casos de feminicídio. Além disso, a falta de informação (falta de conhecimento acerca dos meios de denúncia, de como sair de um relacionamento abusivo, do amparo legal) e de uma rede protetiva efetiva também podem afetar", explica.
O especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna defende maior divulgação em casos de feminicídio para conscientizar e alertar a população. "Deve haver, também, um investimento para que essas mulheres que passam por diversos tipos de violência entendam que podem contar com o Estado e que tem um local de acomodação, como a Casa da Mulher Brasileira, espaço que elas podem levar os filhos."
O assassino
Wesley Denny tem o registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) e é filho de um policial militar aposentado. Na Justiça, acumula processos por ameaça, desacato, porte ilegal de arma, vias de fato e, inclusive, de violência doméstica praticada com outras mulheres. O homem trabalha como motorista de transporte por aplicativo e era de conhecimento de pessoas próximas que ele guardava armas em casa. “Meu filho chegou a ver as armas dele e ficava fascinado. Dizia que era o ‘pou pou’, disse uma colega de Taynara.
Número do feminicídio
183 casos no total
2015: 7
2016: 20
2017: 11
2018: 25
2019: 28
2020: 16
2021: 25
2022: 17
2023: 34*
*Quatro ocorrências ainda aguardam o termino das investigações para caracterizar feminicídio.
Saiba Mais
O assassino
Wesley Denny tem o registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) e é filho de um policial militar aposentado. Na Justiça, acumula processos por ameaça, desacato, porte ilegal de arma, vias de fato e, inclusive, de violência doméstica praticada com outras mulheres. O homem trabalha como motorista de transporte por aplicativo e era de conhecimento de pessoas próximas que ele guardava armas em casa. “Meu filho chegou a ver as armas dele e ficava fascinado. Dizia que era o ‘pou pou’, disse uma colega de Taynara.
Casos de feminicídio do DF de 2015 a 2023
183 casos no total
2015: 7
2016: 20
2017: 11
2018: 25
2019: 28
2020: 16
2021: 25
2022: 17
2023: 34*
*Quatro ocorrências ainda aguardam o termino das investigações para caracterizar feminicídio.
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