DESAFIOS

Elas vão à luta todos os dias ganhando a vida como motoristas de apps

Mulheres driblam o preconceito e encaram ruas do DF diariamente como motoristas de aplicativo. Muitas vezes, encaram jornada dupla de trabalho

Local de trabalho: engarrafamentos estão entre os problemas enfrentados pelas motoristas -  (crédito: Pedro Marra/CB/D.A. Press)
Local de trabalho: engarrafamentos estão entre os problemas enfrentados pelas motoristas - (crédito: Pedro Marra/CB/D.A. Press)

"Preciso rodar no mínimo 10 horas por dia para garantir o sustento", desabafa a motorista de aplicativo Sulamita Diolina Moreira, de 31 anos, que diariamente enfrenta as ruas do Distrito Federal para conseguir pagar as contas. A ideia de transportar pessoas veio da falta de um lugar no emprego formal. Assim como ela, diversas mulheres vivem essa realidade. O presidente do Sindicato dos Motoristas Autônomos de Transportes Privado Individual por Aplicativos no Distrito Federal (Sindmaap-DF), Marcelo Chaves, estima que atualmente 30% dos motoristas sejam do sexo feminino na capital do país. "É uma profissão perigosa e eu admiro muito essas mulheres e as considero muito guerreiras e corajosas", destaca. As entrevistadas pelo Correio preferiam não ser fotografadas por questão de segurança.

A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) informou que não há um recorte por gênero específico para motoristas de aplicativo. Mas que atualmente no DF existem 41.893 mil motoristas com cadastro ativo para atuar com transporte individual de passageiros. Com o percentual apresentado pelo presidente do sindicato, estima-se que a capital tenha 12.567 mulheres trabalhando nesse tipo de emprego. 

Durante as 6 mil viagens que fez em três anos trabalhando como motorista, Sulamita presenciou diversas cenas que a marcaram. "No começo a minha chave do Pix era meu número de celular, mas tive que mudar, porque muitos clientes entravaram em contato depois e começavam a me assediar, mas sempre tento levar na brincadeira e sair da melhor forma", conta. "Às vezes, por eu ser educada, a pessoa pede meu número no fim da corrida, mas com o tempo fui aprendendo a me impor", ressalta.

Para Sulamita, o preconceito com o gênero feminino ainda é uma realidade. "Geralmente os homens querem controlar como dirigimos", relata. Sobre os desafios diários, ela se mostra firme ao dizer que está  preparada para lidar com diversos tipos de situações, até as inusitadas. "Eu presenciei inúmeros acidentes, fui xingada no trânsito, e a maioria dos motoristas de aplicativo que conheci desenvolveram ansiedade e depressão. É preciso ter leveza para enfrentar o trânsito", aponta.

Ela dá dicas para mulheres que pensam em usar os aplicativos como forma de renda. "Não tenha medo de se impor, use o mesmo tom que o passageiro, sendo mulher precisa se de demonstrar força, perspicácia e coragem. Não demonstre medo, seja firme", aconselha Sulamita.

Doutora em transportes da Universidade de Brasília (UnB), Adriana Modesto comenta que os motoristas profissionais experimentam uma dupla carga de vulnerabilidade, inerente ao ofício e à maior exposição aos riscos do trânsito. Para ela, a leitura de que a profissão deve ser restritiva a um gênero precisa ser desconstruída. "Há caminhoneiras, motoristas de transporte de passageiros e motoristas vinculadas às plataformas que desempenham sua atividade com qualidade, não se trata de predisposição de gênero, e sim de fatores culturais residuais, fruto de uma visão patriarcal", destaca a especialista.

Segundo ela, esse olhar sobre o gênero é restritivo, defasado e pode contribuir para outras modalidades de discriminação, como assédio, por exemplo. "Essas trabalhadoras precisam contar com condições laborais favoráveis à sua proteção. Vale lembrar que, ainda aludindo às questões culturais, pessoas do gênero feminino enfrentam dupla jornada de trabalho; e se a prestação de serviço for precarizada, pode tornar ainda mais penosa a jornada dessa trabalhadora", afirma.

Mãe de duas crianças, uma de 4 anos e outra de 10, a motorista Abias Vieira, 33, não dirige no período noturno porque precisa ficar com os filhos. "De noite é mais difícil achar quem cuide", relata. Ela trabalha há três anos. "Decidi encarar a profissão depois da pandemia, pois não tinha outra opção, aí gostei e estou até hoje", disse Abias. Entre as maiores dificuldades, ela aponta a insegurança. "Por mais que nunca tenha acontecido nada comigo, já perdemos vários colegas vítima de violência."

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PRI-1201-UBER_MULHERES (foto: Maurenilson Freire)

Determinação

Tachadas muitas vezes como o sexo frágil, elas estão distantes desse estereótipo, pois garra e determinação para enfrentar as dificuldades diárias não faltam. Outra mulher que enfrenta as ruas do DF é Cleia Araújo, que optou por ser motorista de um aplicativo voltado para mulheres. "Decidi ser motorista de aplicativo, porque vi uma oportunidade de ter uma renda extra, ajudando outras mulheres a chegarem aos seus destinos com segurança", detalha.

Entre as situações que presenciou, ela conta que uma delas foi socorrer uma mulher que tinha sido largada no meio de uma via perigosa e escura, porque a pessoas tinha se negado a ir para a casa de um homem que  tinha conhecido. "Ela chegou a implorar para não cancelar, informando que estava com medo", relata.

Cleia Araújo aponta que diariamente é preciso vencer o medo, a insegurança e evitar acidentes de trânsito. "Mesmo trabalhando só com mulheres não sabemos quem realmente entra no nosso carro, não conhecemos a pessoa. Têm os desafios do trânsito também. Presenciamos muitos acidentes, pois dirigimos com muita frequência", diz Cleia.

Há seis anos, Aline de Assis, 33, começou a trabalhar para ganhar um dinheiro, enquanto ainda estava no fim da faculdade, por conta da flexibilidade de horários que essa modalidade de trabalho permite. "Depois que me formei, não encontrei trabalho na minha área, então sigo dirigindo."

Entre as inúmeras situações que acontecem todos os dias, ela elenca desde briga de passageiros até itens inusitados deixados dentro do carro. "Tive passageiro me contando a vida toda deles, passageiro que me chamou para almoçar... Esta semana, por exemplo, uma passageira estava brigando com o namorado no telefone enquanto dava beijos em outro cara dentro do carro", conta aos risos.

Aline acredita que ainda existe preconceito com mulheres ao volante. "Infelizmente é algo que temos que ignorar para continuar trabalhando", disse. Para ter mais segurança, ela conta que é importante rodar por onde conhece e trabalhar em horários mais movimentados. "É a nossa profissão", diz.

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postado em 12/01/2024 06:00
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