JUDICIÁRIO

'A democracia resistiu, mas é preciso ficar atento', afirma Cruz Macedo

Responsável por conduzir 1.403 audiências de custódia com os presos do 8 de janeiro, presidente do TJDFT elogia a reação das instituições ante os ataques antidemocráticos. Magistrado comenta as ações para ampliar atendimento ao cidadão

O Poder Judiciário entrou em recesso na última quarta-feira, mas, no dia seguinte, o desembargador José Cruz Macedo ainda dava expediente na presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Esse é um pequeno exemplo do ritmo de trabalho do tribunal, premiado pelo Conselho Nacional de Justiça pela eficiência. Os números apresentados pelo TJDFT falam por si. Com 48 desembargadores e aproximadamente 400 juízes, o tribunal diminuiu o estoque de processos: julgou 436 mil peças processuais, número superior às 401 mil encaminhadas para a instituição. Nesta entrevista ao Correio, o magistrado afirma que o TJDFT está fortemente empenhado em ampliar o atendimento à população. Esse trabalho inclui ações de enfrentamento a problemas graves no Distrito Federal, como o feminicídio. Sobre o 8 de janeiro, Cruz Macedo considera os ataques antidemocráticos uma “mancha” na história de Brasília. Mas elogia a reação das instituições. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Estamos perto de completar um ano do 8 de janeiro. O que o senhor sentiu quando viu aquelas cenas?
O 8 de janeiro marcou a nossa sociedade. É uma mancha que vai ficar na história. Mas houve uma boa reação das instituições e da sociedade. Eu estava me deslocando para Brasília. Assisti às primeiras cenas em uma televisão, próximo da estrada. Eu fiquei impressionado. Disse a mim mesmo: ‘Não é possível que esteja acontecendo isso’. Estou há 43 anos em Brasília, e as nossas forças de segurança estão acostumadas a lidar com manifestações.

Qual foi sua reação?
Fiquei profundamente preocupado. Principalmente após o que aconteceu em 1º de janeiro, na posse do presidente da República. Tudo funcionou bem. Todas as instituições se articularam, nós mesmos participamos de reuniões, ajudando o Supremo Tribunal Federal, que nos pediu apoio. Fiquei perplexo. Foi uma mancha que ficou na nossa democracia. É um episódio que a gente não pode esquecer, para a gente ficar atento e atuar preventivamente. Uma atuação firme da própria Polícia Militar teria evitado o ataque. Bastava conter a praça ali na Catedral, e certamente não haveria aquela invasão.

O ataque tem um simbolismo também muito forte. Foi direcionado à instância máxima da Justiça. A própria estátua da Justiça foi vítima de agressões. A que o senhor atribui tamanha violência?
O Poder Judiciário foi escolhido para ser criticado. Houve uma ação direcionada para criticar o Poder Judiciário, e isso potencializou as pessoas que criticam e têm desconforto com as ações judiciais, sobretudo com a atuação do Supremo Tribunal Federal na defesa da democracia — porque foi o Supremo, principalmente, quem garantiu essa democracia. E o Judiciário é um poder que, nos seus julgamentos, geralmente não atende ao interesse pelo mérito de uma pessoa uma das partes. Às vezes não atende a todas as partes.

O presidente Barroso mencionou isso na última semana.
O Judiciário é passível de críticas? Sem dúvida. Mas é um poder que desagrada. O ministro Barroso tem razão ao dizer que não pode ser um Poder que agrada a todos. Esses conflitos são submetidos exatamente para serem resolvidos. É preciso aplicar a Lei e a Constituição, que está acima de qualquer coisa.

Quase um ano depois desse episódio, o que o senhor guarda dessa reação?
O que eu achei mais importante foi a reação das instituições. Nós vimos ali uma cena que não vimos há algum tempo. Todos os chefes de Poderes unidos, e com um só pensamento: a defesa da democracia. Porque isso realmente foi um atentado. Pode-se ter divergências ideológicas ou políticas, mas é preciso que todos estejam comprometidos com a defesa da democracia. A principal regra constitucional é a sustentação do país por meio de um regime Democrático de Direito. Isso é o que nossa Constituição estabelece. Penso que todos têm que pensar nessa mesma direção.

Como o TJDFT atuou nas audiências com os acusados do 8 de janeiro?
Nós ficamos incumbidos de realizar todas as audiências. Foram 1.403 audiências de custódia com as pessoas presas no 8 de janeiro. Foi um trabalho muito penoso para o tribunal. Não estávamos organizados para essa tarefa. Não era um trabalho ordinário. O ministro Alexandre de Moraes pediu que fizéssemos, com a ajuda de juízes federais. Foi uma mobilização, tivemos que fazer um regime de plantões. Nós fazemos em torno de 30 Audiências de Custódia por dia. Imagine fazer 1.406 em uma semana. Tivemos que criar várias salas e pedimos autorização para fazer todas as audiências por videoconferência. Não seria possível de outra maneira trazer aquelas pessoas todas presas do sistema carcerário para nossas audiências. Ficaria inviável. Então, nós conseguimos fazer com quase 30 salas de audiência no presídio da Papuda e no presídio feminino.

E como foi a participação dos juízes?
Nós pedimos aos juízes que se voluntariassem para fazer essas audiências. Esse foi o segredo de fazermos em curto prazo. Os juízes se dispuseram a realizar as audiências. O primeiro convidei evidente que se não houvesse aceitar todo dia convocar. Tivemos diversos juízes e servidores voluntários, trabalhando em três turnos, e conseguimos realizar todas essas audiências, que foram encaminhadas para o Supremo Tribunal Federal. Foi um um desafio que conseguimos vencer. Penso que fizemos um bom trabalho.

O presidente e o relator da CPI da Câmara Legislativa entregaram o relatório final ao senhor na quinta-feira. O que eles disseram?
Eles trouxeram o relatório da comissão e explicaram a forma como investigaram. Tanto o presidente quanto o relator disseram que fizeram uma investigação ampla. Ouviram várias autoridades. Afirmam que identificaram como ocorreu e como foi gestado este movimento. Apontaram pessoas a serem indiciadas. E eu afirmei que, com relação ao tribunal, tudo que for da nossa competência, nós vamos processar e julgar, com a celeridade que nos é própria. Vamos remeter também ao Ministério Público e aguardar os pedidos.

Quase um ano depois do 8 de janeiro, a democracia está fortalecida ou ainda existem ameaças?
A democracia resistiu. E resistiu bem. Esse período da nossa Constituição (Cruz Macedo põe a mão sobre o livro) é o maior período de vida democrática da nossa nação. É um período curto, mas são 35 anos. Eu nunca tinha vivido um período tão longo como esse, sem ruptura. Eu vim votar para o presidente da República nos anos 1990. Nós sequer tínhamos eleições. A democracia realmente resistiu, mas é preciso ficar atento. Temos que manter uma atuação segura na defesa da democracia. Isso depende da conscientização das pessoas, do cidadão e do acompanhamento das instituições. Podemos dizer que ela sobreviveu a um ataque fortíssimo.

Outro tema importante foi a manutenção do Fundo Constitucional do DF. O senhor também teve uma atuação firme em defesa desse fundo. Foi um desafio?
Nós observamos que Brasília estava correndo risco com a mudança no Fundo Constitucional. Esse foi um outro ponto no qual os Poderes do Distrito Federal se uniram — nesse caso, os Poderes locais — e fizeram a articulação junto à Câmara e ao Senado para a manutenção do Fundo Constitucional, que é uma necessidade para Brasília. Brasília é uma cidade diferente.

Por quê?
A Segurança Pública é mantida e organizada pelo governo federal; a Saúde, parte é mantida pelo governo federal, assim como a Educação. Tudo isso se justifica por conta da centralidade dos Poderes na capital da República, além das instituições estrangeiras. Então, esse fundo precisava ser mantido. O que parece é que, com o 8 de janeiro, despertou uma uma crítica dos parlamentares com relação ao Fundo Constitucional para Brasília, embora não se possa atribuir a uma só instituição a responsabilidade por aqueles fatos, que ainda serão muito investigados e apurados. A história ainda vai trazer muitos fatos do que ocorreu no dia 8 de janeiro. O certo é que não se justificava alterar o Fundo Constitucional por causa daquela agressão, daquela violência contra os Poderes.

Corremos o risco de sofrer uma segunda violência.
Brasília sairia perdendo mais ainda. Porque a cidade já ficou marcada por isso. É como se fosse culpa de Brasília. Muitas coisas são atribuídas a Brasília, e não é responsabilidade de Brasília. Às vezes, as pessoas fazem críticas e colocam na conta de Brasília. Mas essa é uma responsabilidade federativa, de toda a nação.

O feminicídio marcou muito o DF este ano, com 32 vítimas. Como o tribunal tem atuado neste sentido?
Esse tema tem sido pauta diurna no nosso tribunal. Na minha gestão, temos uma dedicação permanente no combate à violência doméstica contra a mulher e contra a criança. É uma crueldade o que se faz com as mulheres, de menosprezo à condição de gênero. Infelizmente, esses números são elevados. Temos acompanhado esses processos todos os dias. Posso assegurar que todos os autores de feminicídio em Brasília estão presos ou mortos. Presos em flagrante ou por prisão preventiva; mortos em razão de suicídio; ou por enfrentamento com a polícia. Todos eles presos, a maioria já condenados com penas elevadas, que vão de 12 a 30 anos. Há outra parte respondendo a processo preso, e em breve serão julgados. Em nosso Tribunal de Júri, cada circunscrição tem dado prioridade no julgamento desses crimes.

Isso é suficiente?
Nosso grande desconforto, que nos causa revolta, é que apenas essa condenação, essa atuação efetiva do Poder Judiciário não tem feito o indispensável: evitar a morte das mulheres. O nosso drama é ver a morte da mulher; então, temos que atuar em outros campos. No âmbito do Judiciário, digamos que estamos fazendo a nossa parte. A polícia está prendendo, o Ministério Público denunciando, o Judiciário condenando e eles estão presos. Ocorre que um crime como esse, em primeiro lugar, tira a vida de uma mulher. Em segundo lugar, os filhos ficam abandonados. É uma tragédia geral. Então o que fazer além da condenação é o que nós temos que descobrir.

O que vocês têm feito nesse sentido?
Nós temos estudado muito esse tema. Temos trabalhado, procurado convênios para responder de que maneira vamos atuar para evitar a morte da mulher. Nós já temos alguns diagnósticos. A violência começa com agressão; depois passa à agressão psicológica; depois uma lesão; depois de uma agressão mais intensa; e posteriormente, a morte. Há outro aspecto sobre o qual nós temos que agir rápido: 64% das mulheres que foram mortas no curso do ano sofreram violência anterior e não fizeram a denúncia. É um índice muito elevado, e se nós separarmos para Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, esse número vai para mais de 74%. Ou seja, precisamos convencer as mulheres de que é preciso denunciar a violência, de qualquer tipo. Não pode deixar de fazer a denúncia porque isso significa a vida ou morte para mulher.

Especialistas defendem que é preciso combater as agressões no primeiro momento, a fim de evitar uma escalada. O senhor acredita que o Judiciário está chegando nesse ponto de impedir que a violência nasça?
Há dois importantes sobre o feminicídio. O primeiro é a escalada. O segundo é que ele está presente em todas as classes sociais. As estatísticas mostram que qualquer classe tem esse tipo de crime, que vai desde o primeiro ato de menor potencial ofensivo até a morte. E o tribunal tem atuado para impedir isso, com programas, inclusive. Outra característica que precisamos destacar: mais de 90% dos autores de feminicídio têm mais de 35 anos de idade. Então, nós já temos um público-alvo. Significa que, entre os mais jovens, o programa tem funcionado. O tribunal tem o programa Maria da Penha Vai à Escola e tem incentivado muito as denúncias. Nós temos a Delegacia da Mulher. Temos 20 Varas de Violência contra a Mulher. Esse é um aspecto que nós temos incentivado, mas não tem sido suficiente.

O que mais é possível fazer?
Penso que nós temos que trabalhar com outros modos de atuação. Talvez uma campanha que mostre a situação real desses crimes. Homens presos e condenados; a mulher, morta. E os filhos, abandonados. É preciso que a mídia mostre essa realidade e as consequências desse crime, de modo a incutir na cabeça dos homens que eles não podem fazer isso. Nós precisamos acabar com essa violência contra a mulher. É uma chaga. Nós também temos um programa com as forças de segurança, chamado Diálogos, no qual as pessoas que praticaram violência doméstica conversam com psicólogo. É uma tentativa de conscientizá-los e de, sobretudo, evitar a escalada, que esse fato prossiga.

O que é dito a essas pessoas?
Nós precisamos mostrar que ninguém é dono do sentimento de outra pessoa. Isso é fundamental. A mulher não é propriedade do homem. Não se pode querer controlar o sentimento do outro. Nosso desafio é convencer os homens dessa condição. Então, temos pensado muito sobre isso. Temos aqui o Núcleo Judicial da Mulher. Temos feito muitas parcerias para diagnosticar essa situação e tomar ações para evitar evitar a morte das mulheres. Porque depois, a tragédia é gigantesca.

Falta uma reação maior da sociedade contra o feminicídio?
Acredito que precisamos da ajuda de todos — do Poder Judiciário, das forças de segurança e do cidadão. A família precisa conversar muito sobre esse assunto. Os pais, as mães, na formação dos filhos. É preciso incutir a ideia de boa convivência, de tolerância, de respeito à mulher, de não fazer essa distinção ou menosprezo com relação a gênero. Me parece que falta isso também, um diálogo na família. E é importante informar as consequências. Nesse ponto, a imprensa pode nos ajudar, mostrando que os autores estão sendo presos e punidos. Nós precisamos agora é de um trabalho de conscientização, porque não é possível que continue assim.

Os agressores costumam naturalizar a violência contra a mulher, como se fosse normal tratá-la como propriedade. Como o senhor vê isso?
A naturalização da violência realmente acontece, sobretudo por causa do machismo por trás dessa ideia. O grande responsável por isso é o machismo. Veja o que ocorre, por exemplo, nos presídios. Todos sabem que administração de presídio é uma situação complexa. Para alguns tipos de crimes, por exemplo de natureza sexual, os presos têm uma forma diferente de lidar. Eles agridem os autores de crimes sexuais, que precisam ficar separados. Eles não podem ficar no conjunto das células. Mas os presos não dão esse mesmo tratamento com feminicídio, o que revela uma posição machista É como se eles tratassem o feminicídio como um crime comum. Porque outro, de natureza sexual, eles não toleram. Mas com feminicídio há, de fato, uma tolerância uma concordância, como se fosse natural tirar a vida de uma mulher.

É uma demonstração de que o machismo está em todos os lugares.
Sim. É por isso que insisto no trabalho de conscientização, de educação, de discussão, de campanha. Eu lembro das campanhas fortes, como de combate ao fumo, ou de acidentes e trânsito. Temos que fazer campanhas mostrando a crueldade, a realidade dessas tragédias familiares.

Um dos temas muito debatidos ao longo do ano no Judiciário foi a questão da paridade de gênero. O que o senhor pensa da resolução do Conselho Nacional de Justiça?
Em relação à ampliação da presença de mulheres no segundo grau (do tribunal), será muito fácil alcançar. Porque nós temos muitas mulheres que chegam a essas posições pelo mérito. Veja que interessante: na última segunda-feira, demos posse a 22 juízes substitutos do segundo grau. Onze homens e 11 mulheres. É um percentual maior do que o estabelecido pelo CNJ, porque na véspera eu havia dado posse a uma juíza. Então, na verdade, passou a ser 12 a 11. Muito em breve a gente vai alcançar esse percentual. Isso não vai ser um trabalho tormentoso porque temos muitas mulheres chegando ao tribunal de justiça.

Já houve uma presidente no TJDFT?
Tivemos três vice-presidentes (Carmelita Brasil, Sandra de Santis e Ana Maria Amarante Brito), em ocasiões diferentes. Mas tivemos presidente no Tribunal Regional Eleitoral, em 1986, com a desembargadora Maria Thereza de Andrade Braga. Aqui ainda não chegou, mas vai chegar (risos). Está na hora.

O senhor tem uma relação especial com o futebol e a música, não?
Gosto muito dos dois (risos).

Como é manter a rotina do tribunal com essas atividades?
Agora, infelizmente, não tenho tempo. Mas é preciso ter essas válvulas de escape, porque a vida do juiz é assim. É todo dia decidindo, e todo dia examinando conflitos.Nesse aspecto, precisamos avançar. Precisamos muito da colaboração da cidadania. Para a gente reduzir os processos, precisamos que o cidadão diminua o recurso ao Poder Judiciário. Na nossa gestão, nós trabalhamos muito a ideia de evitar a demanda.

Como é feito isso?
Com conciliação, com mediação, com mutirão. Nós temos o programa Conciliar. Temos um espaço enorme na Asa Norte, ali depois da Casa do Ceará, que funciona todos os dias. Qualquer pessoa vulnerável pode chegar e trazer a sua história. É chamada a outra parte e feita uma proposta de reconciliação. Nós temos alcançado um índice de conciliação acima de 70%. Isso deixa de ingressar como processo judicial. Nós recebemos, este ano, 401 mil processos no tribunal. E tivemos um êxito muito grande porque julgamos 436 mil processos. Isso é um avanço muito importante, porque reduzimos o estoque de processo. Não há acúmulo. Por isso, temos recebido do CNJ o maior prêmio — diamante — por conta dessa atuação do tribunal, de todos os magistrados e servidores. É um desempenho que faz de Brasília um dos tribunais mais céleres.

Há outros destaques?
Na nossa gestão, o que mais destaco é essa prestação de boa jurisdição. Isso é importante: atender às pessoas, dar uma resposta. As pessoas que vêm ao Judiciário precisam ter uma imagem positiva do nosso serviço. A gente trabalha muito isso, inclusive, com a ideia de adotar uma linguagem simplificada. Incentivamos os juízes a se manifestarem de uma forma que as pessoas possam entender. Outro ponto é o acesso. Hoje, com o PJE (Processo Judicial Eletrônico), todos têm acesso a uma decisão do Judiciário. Não precisa mais o advogado tirar uma cópia. A parte entra e pode acompanhar.

Há uma preocupação com o cidadão, portanto.
Sem dúvida. O TJDFT é um tribunal de saída. Há uma preocupação de facilitar o acesso e de levar o tribunal às pessoas. Temos alguns programas, como o PopRuaJud, instituído pelo CNJ e que nós implantamos, no qual o tribunal reúne diversos órgãos. Nós fizemos ali no Centro de Convenções. Reunimos cartórios, Polícia Civil, INSS, Secretaria de Justiça e Cidadania, Defensoria Pública, Ministério Público… e levamos as pessoas de rua para atendimento. Muitas dessas pessoas são invisíveis, e outras inexistentes. Porque algumas não têm sequer registro, portanto não podem receber qualquer benefício.

Voltando à questão da violência. Existem ações específicas para as vítimas?
Temos um Centro de Atenção à Vítima. Esse é um projeto que considero muito relevante. Porque o processo é dirigido contra o réu, principalmente, no processo criminal. E, muitas vezes, as pessoas perguntam: e a vítima? Então nós temos um espaço para as vítimas, para que elas fiquem separadas. Damos assistência social, acompanhamento, informação dos seus direitos. Então, o tribunal tem avançado além da sua atribuição constitucional de apenas julgar os processos. Nesses eixos, de evitar as ações e de dar atenção ao aspecto social

É um tribunal que busca se aproximar do cidadão.
Temos procurado isso. Com a Constituição de 1988, o acesso ao poder judiciário é amplo. Do ponto de vista legal, o modelo está perfeito. Nós precisamos agora é ter instrumento para que as pessoas consigam alcançar esse acesso. Nós todos aprendemos — pelo menos na minha faixa etária — que o Judiciário tem de ser provocado. Mas veja, essas pessoas sem documento não têm como provocar, como chegar. Então o Judiciário está indo até essas pessoas. Por isso que eu digo que o TJDFT é um tribunal de saída. para alcançar aqueles que nós não não enxergamos.

E para 2024, quais são os planos?
O combate à violência doméstica é a pauta principal no primeiro trimestre. Cumprir as metas na realização de julgamentos e trabalhar para a obtenção de recursos, porque não falta serviço. Na semana passada, conseguimos um feito muito importante, que foi a reinauguração do “Palacinho”. Ele tinha um problema estrutural, e ficou quase cinco anos fechado. Nós estávamos nos reunindo em um espaço improvisado. E esse auditório é um símbolo do tribunal. Todos os acontecimentos importantes são lá. Essa entrega nos trouxe muita satisfação. No ano que vem, recebendo esses 22 novos juízes, teremos um reforço ao nosso trabalho.

O que pretendem para melhorar o bom desempenho?
Temos outra linha de atuação. Como o TJDFT é célere e as custas judiciais são mais baratas, as pessoas estão movendo milhares de processos aqui em Brasília, aumentando muito o nosso trabalho. Estamos pagando pela nossa eficiência. Estamos com um projeto de lei, já aprovado na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Rafael Prudente que diz que, para eleição do foro, é preciso guardar uma pertinência com a residência ou domicílio da parte ou do cumprimento da obrigação. Isso vai para o Senado e, se for aprovado, vai realmente equilibrar mais os termos. Porque nós recebemos recursos proporcionais à nossa população. Se a gente recebe pessoas de outros estados, compromete os nossos recursos.

Há previsão de concurso?
Temos 48 desembargadores e, aproximadamente 400 juízes. Acabamos de fazer um certame. No,sso concurso é muito disputado, acabamos de fazer um agora. Tínhamos 35 vagas, só aprovamos 22, de 7 mil candidatos. O TJDFT é uma peneira muito forte. Ficaram essas vagas, novas vagas vão surgir. Há necessidade de mais juízes. Mas estamos aguardando o CNJ, que fará um exame nacional para os candidatos. É preciso aguardar. Provavelmente, em maio, já teremos candidatos.

O tribunal ganhou um selo de sustentabilidade. Como está a política de ESG?
É um aspecto que também temos cuidado. Temos feito vários trabalhos na questão da acessibilidade. Todos nossos prédios todos têm acessibilidade. Na minha gestão, em que não tinha, a gente procurou assegurar. Sobre a geração de produção de energia fotovoltaica, demos um grande salto. Contratamos usinas de placas fotovoltaicas em cima dos nossos prédios. Temos um prédio verde, onde funciona as áreas de Fazenda Pública, todo com sustentabilidade. É um destaque em nosso tribunal.

Seu nome figura sempre nas listas para o STJ. O senhor pensa nisso? Quer falar sobre isso?
(Risos) Primeiro, tem que aguardar a vaga, para articular essa ideia.

O seu mandato termina em abril. O trabalho foi maior do que o senhor imaginava?
Com certeza muito maior. Eu tinha um colega que foi presidente (Getúlio Vargas de Moraes Oliveira) e ele me incentivava muito a vir para a presidência. Eu conversava bastante com ele. Depois que eu assumi, eu disse a ele: ‘Você não falou tudo sobre a presidência’ (Risos). Ele não me contou a história toda. Todas as situações vêm para a presidência. Exigem uma decisão, todos os dias. Mas eu costumo dizer que minha vida é decidir. Decido com naturalidade, examinando a lei e a Constituição. Essa é a vida do juiz. Não é uma vida fácil, mas fica mais fácil assim.

O senhor foi advogado na Constituinte, ao lado do deputado Sigmaringa Seixas. A Carta Magna está sendo preservada?
Aquele momento da Constituinte foi muito vivo da participação das pessoas. Elas estavam interessadas numa nova Constituição. A Constituição ampliou muito os direitos, assegurou os direitos, mas sobretudo, traçou o princípio maior da garantia de uma democracia. Naquela hora, vínhamos de um período ditatorial. Não se tinha garantia dos direitos. Então, os constituintes procuraram constitucionalizar tudo. Se nós examinarmos a Constituição, nós temos disposição de todos os assuntos da vida nacional: direitos sociais, direitos coletivos, direitos individuais, direitos políticos, direitos das populações indígenas. Isso realmente acabou criando um conjunto de direitos, que precisou ir se arrumando. Mas não descaracteriza a ideia central de uma Constituição. Quanto ao seu cumprimento, temos muitas dificuldades. Veja, por exemplo, o aspecto do que o salário mínimo deve ser capaz de atender. Até hoje, não conseguimos chegar ao atendimento adequado, mas isso faz parte de uma construção. O país precisa crescer para responder a todas essas demandas.

Houve avanços?
Há vários aspectos muito positivos. Nós avançamos muito no acesso à educação. Ainda não é a educação que defendemos que fosse, mas avançou muito. Porque não havia acesso à educação. Quem nasceu nos anos 1950 para trás… pouquíssimas pessoas tinham acesso à educação. Hoje o acesso é amplo. Na Saúde, tanta gente cita o SUS. Ele não consegue atender a todos, mas atende a muitos. É preciso corrigir a aplicação de recursos, e a mídia passou a ter liberdade indispensável para apontar esses desvios. Isso tudo é a Constituição que assegurou. A liberdade de imprensa está aqui na Constituição!

O senhor diria que a Constituição é ao mesmo tempo inspiração e desafio para o Judiciário.
Certamente. E precisa ser observada. É o que eu digo. Juiz tem que cumprir a lei e a Constituição. Ele tem de dar cumprimento a essa interpretação.

E o futebol?
No futebol, a decepção foi geral. O Botafogo estava ali na linha de chegada. As pessoas estão tendo caridade até com os botafoguenses em não provocar esse assunto. Veja: 82% de aproveitamento no primeiro turno, e 32% no segundo. Mas a gente prossegue. O botafoguense resiste.

E a música?
Continuo um apaixonado. Mas só aprecio. Meu filho é que é músico. Não tenho esse talento.

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