A tradicional Feira da Troca, realizada sempre no primeiro fim de semana dos meses de junho e dezembro, na área central de Olhos d'Água, em Alexânia de Goiás — a 105 quilômetros de Brasília — pode estar de mudança da Praça Santo Antônio, em frente à Igreja Matriz. Essa é a primeira vez, desde a criação do evento que reúne artesãos da região e de outras partes do país, que o local não será utilizado para troca e venda de peças artesanais, neste sábado (2/12) e domingo (3/12).
A decisão partiu da própria paróquia, em junho deste ano, na última edição ocorrida da Feira do Troca, o que dividiu opiniões entre os artesãos e a comunidade. A Diocese de Anápolis, proprietária do espaço, afirma que o local passará por obras de revitalização.
A artesã ceramista Hilda Freire, 46 anos, moradora do vilarejo e participante assídua do evento, vê a mudança como uma descaracterização da tradição. "A feira sempre foi ali. É um lugar central, o mais bonito do vilarejo. Foi onde começou a história de Olhos d'Água, além de ser o único lugar que comporta um evento desse tamanho", observa. O temor é de que a substituição acabe de vez com a feira, que é garantia de renda extra para muitos artesãos. "Foi nessa feira que expus minhas primeiras peças. Além de ajudar no sustento de famílias, também é um espaço que revela novos talentos do artesanato", destaca Hilda.
Um dos argumentos em defesa da medida é o de que a feira não preserva mais a principal característica de sua origem: o escambo. Mas Hilda garante que, em todas as edições, guarda peças da sua produção destinadas especificamente para essa finalidade. "Quero que a tradição continue", enfatiza. Neste fim de semana, a feira vai ocorrer em uma rua residencial, com área bem menor do que a que dispunha na Praça Santo Antônio.
Djalma Valois Filho, presidente da Associação de Artesãos Ceramistas de Olhos d'Água, vê a mudança como "extremamente prejudicial" para a comunidade. "A feira ocorrer na praça tem tudo a ver com o crescimento da cidade. É um desrespeito à cultura local. A igreja não está se abrindo para toda a comunidade, apenas para os fiéis. A feira pode até ser em outro lugar, mas desde que a comunidade seja ouvida", aponta. Segundo ele, a feira atrai cerca de 10 mil visitantes a cada edição.
O espaço é cercado de casas construídas em meados do século passado. A derrubada de quatro árvores que ficavam na praça também é alvo de reclamações de parte dos moradores.
Meio-termo
O comerciante Fabrício Nakamura, 46, defende um meio-termo como solução para o dilema entre a comunidade e a Paróquia de Santo Antônio. Ele defende uma reunião entre a comunidade e a igreja, como forma de achar uma solução para os dois lados. "O espaço não suporta mais o evento pela quantidade de gente que vem e artesãos que nada têm a ver com a feira", avalia Nakamura, que também defende que os artesãos locais sejam priorizados na ocupação do espaço durante o evento. "Nunca vi a praça do jeito que está: suja e descuidada. A igreja tem culpa? Claro. Mas o poder público também", reclama Fabrício, que denuncia uma suposta ausência da Prefeitura de Alexânia na resolução do impasse.
A moradora do distrito Maria Nonata, 38 anos, é a favor da mudança. "Porque a feira já não está sendo bem organizada. As barracas e os banheiros têm sido insuficientes nas últimas edições. Na última vez, o lixo ficou espalhado na praça por mais de uma semana", lembra.
Jandira Queiroz, 47, moradora há 40 anos de Olhos d'Água, avalia a mudança como um retrocesso nos ganhos sociais, históricos, econômicos e culturais que o vilarejo adquiriu em função da Feira da Troca. "Os visitantes trazem progresso para Alexânia, que passou a ser mais conhecida por conta do vilarejo. A feira traz desenvolvimento econômico ao longo do ano, não só nas datas da feira", diz. Queiroz também destaca toda a movimentação que a Feira do Troca proporciona ao comércio da localidade, gerando renda extra para restaurantes, hospedagens e artesãos.
Diocese e Prefeitura
Em nota, a Prefeitura de Alexânia lembra que o espaço conhecido como Praça Santo Antônio é um imóvel particular pertencente à Diocese de Anápolis, que cedia o espaço voluntariamente para a Feira do Troca.
Sobre o corte das árvores, o Executivo municipal disse que a retirada foi feita mediante requerimento da Diocese e que, após avaliação técnica da Secretaria de Meio Ambiente local, foi constatado que três dessas árvores apresentavam troncos brocados e que nenhuma delas estava classificada como espécie em risco de extinção. Como contrapartida, a Diocese firmou o compromisso de plantar 30 árvores típicas do Cerrado nas proximidades do local onde as árvores foram derrubadas. A nota destaca, ainda, que o serviço foi feito pela proprietária do imóvel e não pela Prefeitura.
A Diocese de Anápolis, também em nota, divulgada ontem, destaca que a revitalização da área que se encontra em andamento foi decidida com a anuência dos fiéis católicos, com o intuito de proporcionar um maior bem-estar para as famílias que residem em Olhos D'Água e confirma o plantio de dezenas de espécies de árvores nativas do cerrado.
A organização religiosa ainda diz que não fez o comunicado de que a Feira da Troca não mais aconteceria no referido imóvel, sem, contudo, descartar o diálogo com o poder público municipal para a continuidade do referido evento em outro local situado no distrito de Olhos d'Água.