Acordar cedo e pegar o caminho até o shopping, cuidar da barba com cosméticos e ouvir os diversos pedidos das crianças e até adultos, desde ganhar uma boneca Barbie até a cura de um câncer, é uma rotina que começa no fim de novembro para vários homens que vestem a fantasia de Papai Noel. Para mostrar o dia a dia do trabalho desses bons velhinhos, a reportagem entrevistou as pessoas por trás da roupa vermelha e branca, que cumprem com orgulho o emprego temporário nesta época.
Há mais de 10 anos como Papai Noel do Taguatinga Shopping, a convite de uma amiga que o via com barba branca, o servidor público aposentado Pedro Marcos Villas Boas, 59 anos, sai de casa às 8h15, na Ponte Alta Norte do Gama, e percorre cerca de 30 quilômetros de carro ou de moto até o centro comercial, onde trabalha das 10h às 22h. Ele conta que, antes de ir para a rua, lava a barba com um shampoo para ela ficar macia. Quando chega no local de trabalho, entre 9h e 9h30, Pedro passa um hidratante e um perfume para clarear um pouco mais os pelos da barba. "São cuidados importantes porque ela tem que ficar macia e ser verdadeira. Quanto mais original, melhor", diz.
Antes de fazer a tradicional foto com as crianças, Pedro percebe a reação do pai ou da mãe antes de dizer o que vai dar de presente de Natal. "Quando vejo o pai dizer que é muito difícil dar um presente específico, como uma boneca da Barbie muito cara para uma menina, ele dá o sinal de que não vai conseguir comprar e digo à criança que tem muito pedido. Mas falo 'se eu tiver outro presente, você vai ficar triste?' Aí ela entende", relata. O aposentado fica emocionado ao ouvir alguns pedidos incomuns, como uma cesta básica ou caderno e lápis para estudos. "Tem muitas histórias que me tiram lágrimas dos olhos com muita facilidade", emociona-se.
Edcleid Figueiredo, 47, se apresenta como Papai Noel no Terraço Shopping desde de 2019, e conta que sai de casa às 5h30 e retorna às 23h30, pois mora em uma zona rural de Luziânia (GO), no Entorno do DF. "É cansativo, mas tudo é recompensado pois gosto de fazer isso. É prazeroso para mim", descreve. A montagem do figurino, segundo ele, era mais trabalhosa. "O crescimento da barba ajudou, porque era o item mais difícil de montar. Para virar o herói da criançada ficou mais fácil. Devo levar uns 20 minutos para ficar pronto", explica.
O funcionário conta que tem ficado impressionado com os pedidos de paz vindo das crianças. "É incrível como pessoas tão pequenas começam a sentir a tensão e as coisas horríveis que acontecem no mundo. Recebo entre 10 e 20 pedidos como esses todos os dias. Elas só querem um dia mais tranquilo e um futuro melhor. Tem sido menor a busca por bolas e bonecas, como antigamente", afirma.
Por mais que grande parte dos visitantes sejam pequenos, adultos também vão ao shopping fazer um registro com ele. Durante uma dessas visitas, ele ouviu um dos desejos mais o emocionou. "Há alguns anos me pediram a cura de um câncer. Hoje recebi o pedido da cura de uma depressão", conta. Edcleid diz que várias crianças pedem a volta do pai para casa. "Pego o endereço e o número da família, faço uma visita e levo um presente. É uma ação social que realizo quando possível", conclui.
De corpo e alma
Incorporar o velhinho vai muito além do que vestir a roupa vermelha e uma barba branca, como é o caso de Jessé Alves, 41, Papai Noel do Pátio Brasil. Ele diz que faz uma preparação psicológica, espiritual e física para atuar como o personagem. "Faço sempre uma oração para que o cara lá de cima faça das minhas palavras o que as pessoas ao lado querem ouvir", detalha. Ele também conta que estuda a forma como o Papai Noel se comportaria.
Emocionado, Jessé lembra que o pedido que mais tocou o coração foi o de uma mãe. "A moça chegou com o filho respirando através de aparelhos. A única coisa que ela queria era seu filho respirando normalmente. Sinto isso até hoje", emociona-se. O Papai Noel conta que, outro dia, uma menina pediu para que ele trouxesse o avô dela de volta à Terra. "Nesses casos, a preparação é importante. Conto que não sabemos os planos de Deus. Falei que o ente querido não morreu, pois estava presente no coração dela", recorda.
O morador de Unaí (MG) Clecio Pereira, 43, leva os filhos para tirar foto com o Papai Noel, o que o pai dele não fez durante a infância. "Quando era criança, minha família não tinha condições de ir ao shopping ou em lugares que ele (Papai Noel) ficava. A nossa condição melhorou e, hoje, faço isso com meus filhos. Isso significa muito para mim, pois é importante para eles", explica. A mulher dele, Ana Lúcia de Oliveira, 38, e os dois filhos, Ana Clara de Oliveira, 12, e Francisco de Oliveira, 5, começaram a visita ao velhinho às 9h. O clima de animação era tão grande que as crianças não queriam retornar para casa tão cedo.
Por mais que a viagem seja demorada, Clecio faz isso todo fim de ano com os pequenos. "Vale muito a pena tirar um dia para se divertir com a família, trazer a criançada para conversar e tirar foto com o personagem, que mexe tanto com eles. Não tem dinheiro que pague por esses momentos", destaca.
*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida