Comércio popular /

Mudança de Feira da Troca, em Alexânia, causa polêmica entre artesãos

Projeto de revitalização da praça, onde Feira da Troca se reúne sempre no primeiro fim de semana de junho e dezembro, tira artesãos de ponto tradicional de venda e escambo de produtos em Olhos d'Água

Registro da última edição da Feira do Troca, em Olho d'Água, em junho  -  (crédito: Azelma Rodrigues )
Registro da última edição da Feira do Troca, em Olho d'Água, em junho - (crédito: Azelma Rodrigues )
postado em 01/12/2023 04:00 / atualizado em 01/12/2023 17:23

A tradicional Feira da Troca, realizada sempre no primeiro fim de semana dos meses de junho e dezembro, na área central de Olhos d'Água, em Alexânia de Goiás — a 105 quilômetros de Brasília — pode estar de mudança da Praça Santo Antônio, em frente à Igreja Matriz. Essa é a primeira vez, desde a criação do evento que reúne artesãos da região e de outras partes do país, que o local não será utilizado para troca e venda de peças artesanais, neste sábado (2/12) e domingo (3/12). 

A decisão partiu da própria paróquia, em junho deste ano, na última edição ocorrida da Feira do Troca, o que dividiu opiniões entre os artesãos e a comunidade.  A Diocese de Anápolis, proprietária do espaço, afirma que o local passará por obras de revitalização. 

A artesã ceramista Hilda Freire, 46 anos, moradora do vilarejo e participante assídua do evento, vê a mudança como uma descaracterização da tradição. "A feira sempre foi ali. É um lugar central, o mais bonito do vilarejo. Foi onde começou a história de Olhos d'Água, além de ser o único lugar que comporta um evento desse tamanho", observa. O temor é de que a substituição acabe de vez com a feira, que é garantia de renda extra para muitos artesãos. "Foi nessa feira que expus minhas primeiras peças. Além de ajudar no sustento de famílias, também é um espaço que revela novos talentos do artesanato", destaca Hilda.

Um dos argumentos em defesa da medida é o de que a feira não preserva mais a principal característica de sua origem: o escambo. Mas Hilda garante que, em todas as edições, guarda peças da sua produção destinadas especificamente para essa finalidade. "Quero que a tradição continue", enfatiza. Neste fim de semana, a feira vai ocorrer em uma rua residencial, com área bem menor do que a que dispunha na Praça Santo Antônio.

Djalma Valois Filho, presidente da Associação de Artesãos Ceramistas de Olhos d'Água, vê a mudança como "extremamente prejudicial" para a comunidade. "A feira ocorrer na praça tem tudo a ver com o crescimento da cidade. É um desrespeito à cultura local. A igreja não está se abrindo para toda a comunidade, apenas para os fiéis. A feira pode até ser em outro lugar, mas desde que a comunidade seja ouvida", aponta. Segundo ele, a feira atrai cerca de 10 mil visitantes a cada edição.

O espaço é cercado de casas construídas em meados do século passado. A derrubada de quatro árvores que ficavam na praça também é alvo de reclamações de parte dos moradores.

Meio-termo

O comerciante Fabrício Nakamura, 46, defende um meio-termo como solução para o dilema entre a comunidade e a Paróquia de Santo Antônio. Ele defende uma reunião entre a comunidade e a igreja, como forma de achar uma solução para os dois lados. "O espaço não suporta mais o evento pela quantidade de gente que vem e artesãos que nada têm a ver com a feira", avalia Nakamura, que também defende que os artesãos locais sejam priorizados na ocupação do espaço durante o evento. "Nunca vi a praça do jeito que está: suja e descuidada. A igreja tem culpa? Claro. Mas o poder público também", reclama Fabrício, que denuncia uma suposta ausência da Prefeitura de Alexânia na resolução do impasse.

A moradora do distrito Maria Nonata, 38 anos, é a favor da mudança. "Porque a feira já não está sendo bem organizada. As barracas e os banheiros têm sido insuficientes nas últimas edições. Na última vez, o lixo ficou espalhado na praça por mais de uma semana", lembra.

Jandira Queiroz, 47, moradora há 40 anos de Olhos d'Água, avalia a mudança como um retrocesso nos ganhos sociais, históricos, econômicos e culturais que o vilarejo adquiriu em função da Feira da Troca. "Os visitantes trazem progresso para Alexânia, que passou a ser mais conhecida por conta do vilarejo. A feira traz desenvolvimento econômico ao longo do ano, não só nas datas da feira", diz. Queiroz também destaca toda a movimentação que a Feira do Troca proporciona ao comércio da localidade, gerando renda extra para restaurantes, hospedagens e artesãos.

  • Jandira Queiroz vê a retirada do ponto comercial da região como um retrocesso
    Jandira Queiroz vê a retirada do ponto comercial da região como um retrocesso Naum Giló
  • Trabalhadores reclamam de novo ponto menos centralizado
    Trabalhadores reclamam de novo ponto menos centralizado Naum Giló
  • Sujeira e falta de estrutura são alguns dos motivos para a mudança
    Sujeira e falta de estrutura são alguns dos motivos para a mudança Naum Giló
  • Hilda Freire expôs as primeiras peças de cerâmicas na feira e teme pela perda de clientes
    Hilda Freire expôs as primeiras peças de cerâmicas na feira e teme pela perda de clientes Naum Giló
  • Comunidade e paróquia criticam mudanças na forma de comércio
    Comunidade e paróquia criticam mudanças na forma de comércio Naum Giló

Diocese e Prefeitura

Em nota, a Prefeitura de Alexânia lembra que o espaço conhecido como Praça Santo Antônio é um imóvel particular pertencente à Diocese de Anápolis, que cedia o espaço voluntariamente para a Feira do Troca.

Sobre o corte das árvores, o Executivo municipal disse que a retirada foi feita mediante requerimento da Diocese e que, após avaliação técnica da Secretaria de Meio Ambiente local, foi constatado que três dessas árvores apresentavam troncos brocados e que nenhuma delas estava classificada como espécie em risco de extinção. Como contrapartida, a Diocese firmou o compromisso de plantar 30 árvores típicas do Cerrado nas proximidades do local onde as árvores foram derrubadas. A nota destaca, ainda, que o serviço foi feito pela proprietária do imóvel e não pela Prefeitura.

A Diocese de Anápolis, também em nota, divulgada ontem, destaca que a revitalização da área que se encontra em andamento foi decidida com a anuência dos fiéis católicos, com o intuito de proporcionar um maior bem-estar para as famílias que residem em Olhos D'Água e confirma o plantio de dezenas de espécies de árvores nativas do cerrado.

A organização religiosa ainda diz que não fez o comunicado de que a Feira da Troca não mais aconteceria no referido imóvel, sem, contudo, descartar o diálogo com o poder público municipal para a continuidade do referido evento em outro local situado no distrito de Olhos d'Água.

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
-->