No Distrito Federal e Entorno, o Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei (PIGL), da Secretaria de Saúde, é a única opção legal disponível para garantir o acesso de meninas e mulheres a procedimentos de interrupção de gestação de forma gratuita, sigilosa e desprovida de obstáculos, quando a gravidez é resultado de um crime de violência sexual.
A equipe do programa inclui três médicas ginecologistas, uma enfermeira, uma psicóloga e uma assistente social. Além de fornecer assistência médica, o PIGL é um espaço multidisciplinar que também oferece apoio psicológico para ajudar as vítimas a enfrentarem a situação. "É um espaço de cuidado. O aborto é um cuidado, porque seguir com a gestação, para muitas dessas mulheres ou meninas, é uma outra violência", enfatizou Lígia Maria, enfermeira sanitarista que compõe a equipe do programa.
Até outubro deste ano, foram registrados 167 casos de interrupções gestacionais devido a violência sexual, uma média de aproximadamente 16 abortos por mês. Esse número representa um aumento de cerca de 48% em comparação a 2022, quando houve 113 abortos legais ao longo de todo o ano.
Antônia Carneiro, chefe do Núcleo de Assistência Jurídica de Promoção e Defesa das Mulheres da Defensoria Pública do DF, ressalta a importância de fornecer informações detalhadas sobre esse direito e os serviços disponíveis na rede pública, permitindo que as mulheres tomem decisões conscientes e seguras em relação à interrupção da gravidez. "Com o aumento, é fundamental que as mulheres estejam mais informadas sobre seu direito de realizar um aborto seguro e menos traumático. É importante promover a conscientização e o conhecimento dessas opções para garantir que elas possam exercer seu direito com segurança e tranquilidade, especialmente nos estágios iniciais da gestação", explicou.
A Defensoria Pública do DF oferece um atendimento de portas abertas, onde qualquer pessoa pode chegar e será acolhida imediatamente, sem julgamentos, com foco no seu bem-estar. "A voz da mulher é valorizada aqui. Não somos nós nem terceiros que decidem, é a própria mulher que tem autonomia sobre sua escolha", afirmou Antônia Carneiro.
A Lei nº 12.845/2013, também conhecida como Lei do Minuto Seguinte, estabelece que os hospitais devem fornecer atendimento de emergência, abrangente e multidisciplinar às vítimas de estupro, além de encaminhar para serviços especializados as gestantes que desejam interromper a gravidez resultante de violência sexual. Cabe ressaltar que nenhuma informação relacionada ao procedimento ou ao atendimento pode ser compartilhada com terceiros, incluindo autoridades policiais ou judiciárias. As informações contidas no prontuário médico são de propriedade exclusiva da paciente, e apenas ela pode autorizar a divulgação dessas informações.
No DF, o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) é a unidade de referência no Distrito Federal para a realização do procedimento nos casos previstos em lei. "Não promovemos o aborto. Nosso objetivo é abordar essa situação com respeito e oferecer apoio para que a mulher possa tomar a decisão que considerar melhor", defendeu Shyrlene Brandão, psicóloga que também faz parte da equipe responsável.
Descriminalização
Desde 1940, o aborto é considerado legal no Brasil quando a gravidez é resultado de abuso sexual ou põe em risco a saúde da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que é permitido interromper a gestação quando diagnosticado que o feto é anencéfalo, ou seja, não possui cérebro. Em outras circunstâncias, a interrupção da gestação é considerada crime em território brasileiro, com penas previstas de um a três anos de detenção para a gestante, e de um a quatro anos de reclusão para o médico ou qualquer outra pessoa que realize o procedimento de retirada do feto.
Contudo, em 22 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a análise da ação que busca a descriminalização do aborto realizado por mulheres com até 12 semanas de gestação. O processo foi suspenso a pedido do ministro Luís Roberto Barroso e a votação prosseguirá presencialmente.
Antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber, então presidente do STF, responsável pela relatoria da ação, proferiu seu voto favorável à descriminalização do aborto durante o período de 12 semanas. Caso essa decisão seja confirmada, o STF estabelecerá que as gestantes e os médicos envolvidos nos procedimentos não poderão ser alvo de processos judiciais e punições.
É importante destacar que essa medida não implica automaticamente a disponibilidade do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou a inclusão do tema na legislação. Tais mudanças requereriam ações executivas e aprovação do Congresso.
Insegurança
A antropóloga Debora Diniz, uma das coordenadoras da pesquisa e professora na Universidade de Brasília (UnB), destacou que as complicações resultantes do aborto inseguro frequentemente não recebem o tratamento adequado devido ao medo das mulheres de serem denunciadas. "A criminalização gera um grande receio nas mulheres, levando-as a evitar buscar tratamento, independentemente das razões de saúde", alertou.
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