Investigação

Justiça pede que MP anexe nova denúncia contra Cândido em processo

Para evitar tumulto processual, juiz pediu para que MP anexe todos os casos contra o ex-número 1 da PCDF em um processo só

O juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel pediu para que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) consolide todas as acusações contra o ex-delegado-chefe da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) Robson Cândido, em uma só denúncia, para que não haja tumulto processual.

A nova denúncia oferecida pelo MP em desfavor de Cândido e ex-chefe da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), Thiago Peralva, foi anexada em uma nova petição no sistema do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) na última sexta-feira (24/11).

O juiz chegou a analisar o teor da nova denúncia do MP e salientou que, com o grande número de condutas, documentos e testemunhas contra a dupla, além da complexidade do caso, a separação das duas denúncias oferecidas, em processos distintos, causará “enorme tumulto processual e dificulta sobremaneira o exercício da ampla defesa e do contraditório”.

Dessa maneira, Frederico Ernesto intimou o MP para que, no prazo de 15 dias, consolide todas as acusações e apresente a peça na ação penal que já corre na Justiça contra a dupla. Nesse novo processo, os promotores querem que Cândido responda criminalmente por uso indevido da máquina pública, como a utilização do sistema OCR — sigla em inglês para "registro ótico de caracteres" — do Detran para monitorar a ex-namorada, além da utilização do sistema VIGIA por 58 vezes. Contra Peralva, o MP imputa o mesmo crime, mas citando apenas a utilização ilegal do sistema VIGIA. Os dois já são réus, no escopo do processo da primeira denúncia do MP.

Denúncia

No documento, ao qual o Correio teve acesso, os promotores citam que ambos utilizaram de maneira ilegal o software, chamado de VIGIA — que levou o nome da operação. Os investigadores apontam que a dupla “causou irreparável dano à Administração Pública, em especial à Polícia Civil do Distrito Federal”. O software, de valor R$ 1.356.328,39, segundo os promotores, “teve sua utilização usurpada para fins pessoais e criminosos”.

“Além do prejuízo econômico que o uso indevido do recurso público reflete, a violação do sigilo funcional de que aqui está se tratando acarretou inestimável dano para credibilidade e imagem da PCDF, do Poder Judiciário e do Ministério Público, fazendo despertar na coletividade sentimento de desconfiança justamente contra os órgãos incumbidos de velar por um dos mais caros direitos fundamentais, que é a segurança pública”, escreveram os promotores, na denúncia.

Em um documento de 39 páginas, os investigadores elencam uma série de violações cometidas pela dupla, na implacável perseguição a ex-namorada do principal nome da corporação. Nos novos elementos, os promotores conseguiram constatar que Cândido utilizou indevidamente sistema interno do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) e do Departamento de Estrada e Rodagem (DER-DF), chamados de OCR — sigla em inglês para "registro ótico de caracteres", para obter a localização do veículo da ex-namorada.

Entre o período de 6 a 22 de setembro, Cândido utilizou indevidamente o sistema OCR administrado pelo DER-DF, por meio de demandas dirigidas à Divisão de Inteligência Policial (DIPO) da corporação, para localizar a placa da vítima. 

Apesar de estar municiado de informações, o ex-delegado-chefe da corporação, em 18 de setembro, no propósito de descobrir onde a ex-namorada se deslocava por estradas, utilizou o sistema interno do Detran para perseguir a vítima. A única diferença entre os dois sistemas é de que, no caso do Detran, a PCDF não obtinha acesso.

Para isso, segundo os promotores, Robson Cândido determinou que subordinados entrassem em contato com servidores do Detran para obter informações sobre onde o veículo da vítima estava transitando entre o período de 13 a 18 de setembro, já que a corporação havia perdido o acesso ao sistema. Em uma troca de mensagens entre a DIPO e o departamento em 18 de setembro, apresentadas pelo MP na denúncia, os servidores do Detran informaram aos subordinados de Cândido de que o OCR estava com alguns problemas.

Sem acesso, Robson Cândido reclamou e fez chegar ao diretor-geral do Detran, Takane Kiyotsuka do Nascimento, uma demanda informal de pesquisa do veículo da vítima. Ao justificar o porquê do acesso, o ex-delegado-geral apresentou uma falsa versão, dizendo que o carro da ex-namorada estaria envolvido em uma ocorrência de desaparecimento.

O pedido foi atendido por Takane, conforme o mesmo também detalhou em conversa com o Correio. Em depoimento ao MP, o mesmo apresentou troca de mensagens com o subordinado dele, o diretor-adjunto Rafael Moreira Vitorino, repassando a demanda pedida por Robson Cândido. Naquele mesmo dia, o ex-delegado-geral já estava com todas as informações em mãos.

Vigia foi usado 58 vezes, no mínimo

Os promotores elencaram que, entre 26 de setembro e 31 de outubro, Peralva utilizou por, no mínimo, 58 vezes o sistema VIGIA para espionar a namorada do ex-chefe. O monitoramento ilegal de um software, que vale R$ 1,3 milhão, ocorreu antes e após o pedido de exoneração de Robson Cândido do cargo, em 4 de outubro.

Ao denunciar Cândido por violação de sigilo funcional qualificado, os promotores acusam o ex-delegado-chefe de instigar seu subordinado, Peralva, a executar o delito de vigiar a ex-namorada. Tudo isso em meio ao ex-chefe da delegacia de Ceilândia ter inserido o número da vítima em uma interceptação indevida de tráfico de drogas.

Os promotores explicaram na denúncia que a utilização do sistema VIGIA só ocorreu como forma de contornar as dificuldades de acessos aos sistemas de OCR do DER e Detran, “como forma de diminuir a dependência do denunciado Robson para obtenção de informações sigilosas de outras pessoas/órgãos, já que contando com os préstimos delitivos mais acessíveis e próximos de Thiago Peralva por meio da conspurcação do sistema utilizado para a realização de interceptações telefônica e telemáticas, Robson poderia obter, em tempo real, a localização da vítima”.

Monitorou ida à delegacia

O número da ex-namorada de Cândido foi monitorado na interceptação telefônica por 15 dias. Por não ter um pedido para prorrogação desse monitoramento, a interceptação que investigava tráfico de drogas terminou, possivelmente em decorrência da insuficiência de provas.

Um mês após, o número da jovem foi inserido no sistema VIGIA por Peralva, por ordem do ex-chefe. De acordo com os promotores, o ex-chefe da 19ª DP “plantou” o número da moça em uma operação já morta, deflagrada anteriormente pela delegacia chefiada por Peralva. O delegado, considerado novato na corporação, teria utilizado indevidamente de seu acesso no sistema para monitorar a vítima, ao menos por 58 vezes.

O monitoramento da vítima em tempo real ficou disponível para consulta de Peralva e de outros policiais civis até 31 de outubro — data fim para a referida monitorização telemática. Todos os passos dados pela ex-namorada eram repassados a Robson Cândido, para fins particulares.

Um dos exemplos ocorreu em 2 de outubro, quando por volta de 0h20, a vítima recebeu uma ligação da esposa do ex-número 1 propondo que as duas procurassem à Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM I) para registrarem ocorrência — o que motivou o desligamento de Cândido das funções como delegado-chefe. O subordinado do ex-número 1 rapidamente repassou à informação ao chefe.

Denúncia

Robson Cândido é réu por uma série de crimes cometidos contra a ex-namorada, como stalking (perseguição); violência psicológica; descumprimento de medida protetiva de urgência; interceptação telefônica ilegal; peculato, por três vezes; corrupção passiva; e violação de sigilo funcional. Já o delegado Thiago Peralva, afastado da 19ª DP e que cumpre medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, é réu por stalking, corrupção passiva e interceptação telemática ilegal.

Nessa nova denúncia, os promotores querem que Cândido responda criminalmente por uso indevido da máquina pública, como a utilização do sistema OCR do Detran para monitorar a ex-namorada, além da utilização do sistema VIGIA por 58 vezes.

No caso de Peralva, os promotores pedem que ele se torne réu pelo uso do sistema VIGIA, pelas mesmas 58 vezes. O MP recomenda que seja fixado o valor de R$ 20 mil para reparação dos danos causados pelas infrações considerando os prejuízos materiais e emocionais causados à vítima, que inclusive passou a necessitar de tratamento psiquiátrico.

Os promotores ainda reforçaram o pedido da denúncia anterior, solicitando que Peralva perca as funções como delegado, enquanto Cândido tenha cassada a aposentadoria. 

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