O juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Águas Claras, negou o pedido de liberdade apresentado pela defesa do ex-delegado-chefe da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) Robson Cândido. O ex-número 1 da corporação está preso desde 4 de novembro, após ser alvo de uma operação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por descumprir medida protetiva e perseguição contra a namorada.
Na decisão, publicada na manhã desta segunda-feira (27/11), o magistrado reiterou que a defesa de Cândido não apresentou qualquer prova capaz de alterar a prisão do ex-delegado-chefe da corporação. Frederico Ernesto ainda ressaltou que há um acervo probatório que sinaliza envolver violência contra mulher, cometido por Cândido.
“O fato de uma pessoa insistir em tentar contato com outra, ou insistência em reatar relacionamentos, a depender das circunstâncias do caso concreto, consiste não somente em possíveis práticas de crimes, como perseguição e/ou descumprimento de medidas protetivas de urgência, como também em formas de violência contra a mulher, em especial a psicológica, nos termos do art. 7º da lei n.º 11.340/06”, escreveu o juiz.
“Apesar de já constar na decisão que decretou a prisão preventiva, neste ponto merece reforçar que o acusado Robson, em tese, perseguiu a vítima de forma insistente e destemida, e ainda descumpriu medida protetiva de urgência, o que convence sobremaneira que somente a prisão preventiva serve para garantir a ordem pública, a execução das medidas protetivas de urgência e a integridade físico-psíquica da ofendida”, argumentou Frederico.
Thiago Peralva
Além do pedido da defesa de Robson Cândido, o magistrado analisou o pedido da defesa do ex-chefe da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), delegado Thiago Peralva, que solicitava a revogação das medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Ao analisar o caso, o juiz acolheu parcialmente a solicitação da defesa de Peralva. O magistrado determinou que o delegado ainda continue com a tornozeleira eletrônica, mas que ele não poderá se aproximar a 3km da delegacia que chefiava, além da residência e local de trabalho da vítima.
“Em relação ao monitoramento eletrônico, verifica-se que não subsiste razão para que a área de inclusão seja a afirmada, pois delimita sobremaneira o direito de liberdade do requerente e a adoção de outras áreas de exclusão se mostram mais adequadas a garantir a ordem pública”, escreveu o juiz.
Frederico ainda reforçou a decisão anterior, como a proibição de Peralva de se aproximar de membros e servidores públicos, inclusive estagiários, do MPDFT e servidores lotados no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e Controle Externo da Atividade Policial (NCap), salvo se convocado pelo MP para depoimentos, diligências, etc. e por ocasião de realização de audiência de instrução e julgamento ou outro ato judicial que acarrete a presença das partes.
MP no encalço de Cândido
O MPDFT redistribuiu um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) contra Robson Cândido e outros agentes da PCDF. O caso agora é investigado pelo NCap, que mira outros possíveis crimes cometidos pelo ex-delegado geral da corporação.
O Correio apurou que o PIC instaurado é antigo, mas foi redistribuído dentro do Ministério Público apenas na semana passada. Entre os investigados pelo NCap, estão outros integrantes da PCDF que já foram alvos do Ministério Público Federal (MPF) no âmbito de uma investigação que mirou o doleiro Fayed Antoine Traboulsi.
Há citação de que o delegado Anderson Espíndola, chefe da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), é uma das vítimas da trama orquestrada por Cândido. Nesse procedimento do MP, não se sabe o teor dessa investigação.
O procedimento, agora conduzido pelo NCap, ocorre após o escândalo envolvendo o ex-delegado-chefe da PCDF, preso desde 4 de novembro por monitorar e perseguir uma ex-namorada. Além dele, a operação, deflagrada pelo MP no mês passado mirou o também delegado-chefe da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte) Thiago Peralva — afastado das funções por determinação da Justiça por incluir o número de telefone da vítima em um grampo ilegal, a pedido do chefe.
Violência
No boletim de ocorrência que provocou a exoneração de Robson Cândido do cargo, a vítima contou que se relacionava com o então delegado-geral da PCDF, mas quando decidiu se separar, ele ameaçava prejudicá-la no trabalho — ele era uma pessoa influente dentro da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF), tendo sido ele quem conseguiu o emprego para ela. O caso foi revelado pelo Correio e pela TV Brasília.
A vítima ainda contou aos delegados plantonistas que estava bastante abalada com o histórico de perseguição sofrida. No formulário de avaliação de risco, ela preencheu os campos onde já sofreu violências físicas, como apertos no braço, além de ter sido forçada a ter relações sexuais contra sua vontade com o ex-delegado chefe. A jovem também sinalizou que teria sido proibida de visitar os familiares ou amigos, além de comportamentos de ciúme excessivo cometidos pelo ex-delegado da PCDF. Ela também contou aos delegados que Cândido faz uso de bebida alcoólica e medicamentos, além de ter relatado que as agressões começaram a se intensificar quando ela já não demonstrava sentimento por Cândido.
Ocorre que, antes de registrar esse boletim, a vítima chegou a procurar a 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas), em 29 de setembro, para registrar B.O contra o ex-diretor da corporação. Nesse caso, a vítima afirmou aos promotores que foi surpreendida por Cândido na unidade policial.
A jovem relatou que compareceu à delegacia decidida a formalizar ocorrência contra Cândido, mas que o encontrou no local. Aos promotores, ela explicou que o então chefe da PCDF gritou e tentou agarrá-la à força. A partir daquele momento, ela passou a suspeitar que estava sendo monitorada em tempo real, especialmente porque sempre encontrava Cândido pelas ruas de Águas Claras.
Denúncia
Cândido responderá por uma série de crimes cometidos contra a ex-namorada, como stalking (perseguição); violência psicológica; descumprimento de medida protetiva de urgência; interceptação telefônica ilegal; peculato, por três vezes; corrupção passiva; e violação de sigilo funcional. Já o delegado Thiago Peralva, afastado da 19ª DP e que cumpre medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, é réu por stalking, corrupção passiva e interceptação telemática ilegal.
De acordo com a vítima, ao MP, nos primeiros meses do namoro, Cândido solicitava frequentemente que ela conectasse o WhatsApp dela no celular dele, para que ele pudesse ter acesso a mensagens. O delegado aposentado chegou a presentear a vítima com um "celular espião" para ter acesso à localização da vítima em tempo real.
Para os promotores, a partir de 26 de setembro até a operação deflagrada, a participação do delegado ajudante de Cândido na trama corroborou para que Peralva tenha sido denunciado por stalking, isso porque prestou auxílio material e moral a Robson, ao compartilhar com ele dados da localização da vítima.
Os investigadores acusam Peralva de incluir o telefone da ex-namorada do chefe em uma interceptação telefônica em curso na 2ª Vara de Entorpecentes que apurava tráfico de drogas — ato que prosseguiu mesmo após Cândido ter deixado o cargo máximo da corporação. Todo o ato ocorreu em um sistema interno da PCDF chamado de "Vigia", o que levou o nome da operação.