Dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) mostram que as ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha estão em alta. Somente em 2023, até setembro, a média foi de 50 casos por dia — um total de 13.519 registros. O aumento em relação ao mesmo período do ano passado foi de 6,3%, quando foram 12.722 ocorrências. O levantamento aponta que, entre os diferentes tipos de incidência da violência, a moral/psicológica foi a que mais se repetiu este ano.
Presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Cristina Tubino acredita que, da mesma forma que a violência doméstica é multifatorial, o crescimento do número de ocorrências e de registros também é. "Se, por um lado, temos mais vítimas denunciando seus agressores e buscando as autoridades policiais, do outro, temos o crescimento da violência", ressalta.
De acordo com a advogada, isso se dá por uma série de questões. "Por exemplo, 2022 foi o ano em que o governo federal, na gestão anterior, menos investiu em termos de políticas públicas e diversas para o combate da violência contra mulher e para políticas de promoção de igualdade de gênero. A ausência de políticas públicas e do investimento do Estado para o combate dessa violência, faz, claramente, com que o machismo estrutural e uma cultura de violência arraigada na sociedade, acabem prevalecendo", acrescenta Cristina.
Cultura machista
Segundo a SSP-DF, 91,7% dos autores de violência doméstica são homens. Para Tubino, esse número traz a confirmação da cultura machista. "Ela está arraigada na sociedade brasileira, onde a mulher não era vista, no passado, como uma igual pelos homens. E o que a gente tem visto é que continua do mesmo jeito. Infelizmente, uma cultura passada em que a questão de gênero influencia na criação e na educação de crianças e adolescentes", argumenta.
Para tentar mudar essa situação, a presidente da comissão avalia que é preciso alterar a forma de ver a mulher. "Isso ocorre com educação e com o cuidado e a promoção da igualdade, por meio de políticas públicas e campanhas de divulgação de direitos das mulheres, sejam elas de necessidade de respeito à mulher ou sobre os direitos que a mulher tem, que vêm com a Lei Maria da Penha", discorre.
Ana Hickmann, um gatilho positivo
Cristina Tubino acredita que o caso da apresentadora de tevê Ana Hickmann pode ser um gatilho positivo, para que outras mulheres também criem coragem para denunciar. "O fato de ela procurar a polícia mostra que qualquer mulher pode ser vítima de violência doméstica e faz com que outras vejam que não estão sozinhas. Essa é uma das razões pelas quais as vítimas não denunciam. Elas acreditam, muitas vezes, que estão isoladas, quando essa não é a realidade", reforça.
Rita (nome fictício), 42 anos, ficou casada por 20 anos e conta que, nesse período, parou de trabalhar por vontade do ex-marido. "Pouco tempo depois, ele começou a fazer comentários depreciativos a meu respeito, mas sempre me beijava ou fazia um carinho depois", relata. Como o marido nunca bateu na mulher, ela nunca achou que o comportamento dele fosse um tipo de violência.
"Me senti cada vez menor, encurralada, entrei em depressão. Não sabia o motivo. Afinal, eu tinha um marido trabalhador, honesto, bom pai", argumenta. Até que, no ano passado, por meio de uma matéria no jornal, ela viu que o que o homem fazia era uma violência. "Fui para terapia, me fortaleci e pedi o divórcio. Ainda não estou com a autoestima boa. Mas me sinto muito mais mulher que antes da separação", conclui.
Ambiente seguro
Para o professor de direito penal do Centro Universitário de Brasília (CEUB) Victor Quintiere, denunciar um caso de violência doméstica não só aciona medidas protetivas legais, como conecta as vítimas a uma rede de apoio que oferece suporte emocional, jurídico e social. "Casos envolvendo famosos só reforçam que as políticas públicas de proteção à mulher criam um ambiente mais seguro e propício à reconstrução da vida das vítimas, representando um necessário passo na luta contra a violência doméstica", avalia.
Quintiere explica que a denúncia é fundamental para romper o ciclo de agressões. Além da questão moral, social e psicológica para a vítima e pessoas próximas, há vantagens legais e práticas que podem resguardar a vítima e proporcionar um ambiente mais seguro. "Ao denunciar a violência doméstica, a mulher tem acesso a medidas protetivas previstas em lei, incluindo a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, afastamento imediato do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, e proibição de determinadas condutas, como aproximação da vítima, seus familiares e testemunhas", pontua o especialista.
Tais medidas visam garantir a integridade física e psicológica da vítima, estabelecendo limites mínimos de distância entre ela e o agressor, além de restringir qualquer contato por meio de comunicação. Sobre os filhos ou dependentes, Quintiere afirma que a lei permite a restrição ou suspensão de visitas aos herdeiros menores, com base na avaliação de equipes multidisciplinares. Para os agressores, além das penas previstas nos respectivos crimes, a denúncia pode acarretar reflexos negativos em questões como a guarda de filhos.
O especialista também cita outro aspecto da legislação vigente: a concessão de alimentos provisionais ou provisórios, proporcionando um suporte financeiro à vítima de agressão durante todo o curso do processo judicial. "Adicionalmente, a Lei nº 13.984/2020 introduziu novas medidas, como a obrigação do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e de acompanhamento psicossocial por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio", esclarece.
Fortalecimento
Ao Correio, o secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, disse que o enfrentamento a todo tipo de violência contra a mulher é prioridade para o governo e para a segurança pública do DF. "Em nosso novo programa, DF Mais Seguro — Segurança Integral, temos um eixo específico para essa temática, o Mulher Mais Segura, que reúne uma série de ações e projetos que buscam fortalecer o trabalho entre órgãos de governo e sociedade civil na proteção da mulher", destaca.
De acordo com o gestor da SSP-DF, o incentivo à denúncia é de extrema importância para interromper o ciclo da violência, pois permite que a rede de apoio possa atuar pela vítima. "Nesse sentido, os registros desses casos podem estar relacionados às diversas campanhas de incentivo à denúncia e, ainda, à ampliação dos canais de denúncia, como o Maria da Penha Online, por exemplo, que facilita esse tipo de registro", ressalta Avelar.
Colaborou Adriana Bernardes
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