Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram um fertilizante sustentável a partir do tratamento do lodo de esgoto, chamado biocarvão ou biochar-k. O produto tem como característica ser muito mais rico em nutrientes e ainda reduz a emissão de gases de efeito estufa, como óxido nitroso. Além dessas qualidades, ele tem a capacidade de reter água, que para as condições tropicais é essencial, especialmente no período de estiagem, fazendo com que a planta sobreviva melhor durante o estresse hídrico.
As pesquisas começaram há mais de 10 anos, a partir da pirólise do lodo de esgoto (é um processo de queima sem a presença de oxigênio). Após essa queima, é obtido o biocarvão de lodo de esgoto. Com algumas pesquisas foi possível observar que esse material era pobre em um dos nutrientes primários que as plantas necessitam o potássio (k), isso porque ele é extraído após a lavagem no tratamento do esgoto. Depois desta constatação surgiu a ideia da criação de um novo fertilizante, enriquecendo o biocarvão com potássio.
Segundo o professor e coordenador do projeto, Cícero Célio de Figueiredo, 50 anos, a pesquisa levou muito tempo, pois desenvolver um produto novo exige diferentes etapas. "Primeiro o sistema de produção em si. Após isso, vem a etapa de caracterização do material para saber se ele realmente contém aquilo que é necessário para chegar no objetivo", explica. Depois do processo de estudos na teoria, a tese é colocada em prática.
Ele explica que, basicamente, são duas partes: uma dentro do laboratório, onde são feitos vários testes para ver a liberação dos nutrientes no solo, e a outra é quando os pesquisadores levam a pesquisa para o campo, onde observam se funciona na prática. "Sem contar com os empecilhos que a produção impõe, pois não era algo que já havia sido testado aqui em Brasília. Nós não tínhamos as coisas básicas, como um forno adequado de pirólise, não sabíamos caracterizar os métodos para constatar que ele realmente tinha as propriedades que a literatura dizia", comenta Figueiredo.
Para superar esses obstáculos, o professor conta que todo o processo foi repetido várias vezes. Durante esse tempo, os métodos foram sendo adaptados até chegar ao resultado final, considerado um sucesso. Cícero espera que o produto tenha uma boa aceitação no mercado. "Nós já temos a patente dele. Agora só precisamos ver fertilizante em ação com uma produção em larga escala. Nessa produção de larga escala nós teríamos um custo final, e uma divulgação maior por parte da empresa e nós conseguiríamos de fato avaliar a aceitação por parte do produtor. Mas tecnicamente ele tem excelentes perspectivas de uso", salienta.
Comercialização
Cícero de Figueiredo explica que o fato da matéria-prima ser o lodo de esgoto (que é de graça), o valor do produto pode girar em torno de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil a tonelada. "Nós só gastamos com a energia no aquecimento durante a pirólise, para o transformar no biocarvão. Mas isso é muito variável, pois depende da temperatura que nós estipulamos e do tempo que ele fica lá. Mas os testes mostram que vai girar em torno disso mesmo", conclui.
Joisman Fachini, 28, fez seu doutorado no âmbito do projeto e explica como foram as etapas na produção do Biochar-K. "Foram quatro anos de estudos, período em que fizemos toda a caracterização do material. Fizemos testes para descobrir como era a liberação do potássio, e, por fim, foi testado para fins agronômicos", descreve.
A doutora conta que alguns ensaios com rabanetes aconteceram por meio de uma parceria com a Embrapa Hortaliça."Foi onde nós avaliamos o desenvolvimento da cultura e o efeito desse fertilizante para o fornecimento de nutrientes para a planta. O trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, nós abrangemos toda a parte de caracterização dos fertilizantes. No segundo, fizemos a avaliação da liberação de potássio, e no terceiro capítulo, avaliamos o efeito do Biochar-K de lodo de esgoto para a cultura. Constatamos que ele serve para qualquer cultura desde que seja utilizado na dose correta", completa.
"Durante esses testes foi possível constatar que o potássio era liberado de forma lenta, o que é muito importante para a produção, pois grande parte dos fertilizantes perdem esse nutriente com as primeiras chuvas e irrigações. Nas pesquisas, nós descobrimos que nosso fertilizante em 30 dias de incubação, só perde 50% do material, isso mostra que a planta vai absorvendo com mais efetividade. O que é muito importante para o produtor em viés econômico, e também ambientalmente ", explica.
Joisman conta que hoje em dia, boa parte dos custos de produção da lavoura está ligada com as despesas com fertilizantes. "Com essa criação, nós conseguimos diminuir as doses de fertilizantes aplicadas a cada safra", relata.
Em relação às plantas em que o produto pode ser usado, o professor explica que diferente do lodo de esgoto, em que existem muitas restrições para o uso, principalmente em hortaliças, o biofertilizante após a pirólise não tem proibições de uso, e pode ser usado em qualquer cultura, desde as frutíferas até as hortaliças. "Nós já testamos em culturas graníferas, como milho e soja. Já usamos em hortaliças, como o rabanete e o tomate e, por fim, utilizamos na plantação de mudas de espécies florestais. Em todas elas o efeito é sensacional, ele pode ser usado em uma gama enorme", destaca.
Aprimoramento
O fertilizante está sob desenvolvimento de novas formulações das fontes solúveis com uso de fontes naturais com o objetivo de ser ainda mais ecológico. Essa é a tese do doutorado em agronomia da engenheira ambiental Marcela Granato, 32. "Agora buscamos atender as normas da agricultura orgânica. Estamos no primeiro ano de pesquisa, e buscamos usar pós de rocha. Contudo, esses remineralizadores são de baixa solubilidade, e sua liberação é lenta, estamos buscando alternativas para aumentar essa velocidade da liberação", descreve.
"A aplicação do fertilizante nas plantas ainda não começou, se tudo ocorrer como o esperado, começa no ano que vem", informa Marcela.
*Estagiário sob a supervisão de Adriana Bernardes