Investigação

MP pede que seja cassada aposentadoria de ex-delegado Robson Cândido

Pedido ainda não foi deliberado pela Justiça. Robson Cândido responderá por sete crimes, enquanto o delegado Thiago Peralva, três

Robson Cândido e Thiago Peralva: acusados de grampo ilegal -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Robson Cândido e Thiago Peralva: acusados de grampo ilegal - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
postado em 17/11/2023 23:21 / atualizado em 21/11/2023 21:51

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pediu que seja cassada a aposentadoria do ex-delegado-chefe da Polícia Civil do Distrito (PCDF) Robson Cândido, réu por sete crimes em um escândalo envolvendo o uso de viaturas descaracterizadas para fins pessoais, com o objetivo de perseguir a ex-namorada.

A informação consta na denúncia oferecida pelo MP à Justiça. O ex-chefe da corporação teve a aposentadoria homologada em 17 de outubro, em portaria publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF). A aposentadoria saiu 15 dias após ele ter deixado o cargo, em meio às acusações de stalking cometido por ele contra uma ex-namorada.

Os promotores solicitaram, ainda, que o delegado Thiago Peralva, alvo da operação, suspeito de ter inserido ilegalmente o número de telefone de uma ex-namorada de Cândido em interceptação telefônica, perca a função pública como delegado. Ao aceitar a denúncia, o juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Águas Claras, não deliberou sobre o caso.

Réus

Cândido responderá por uma série de crimes cometidos contra a ex-namorada, como stalking (perseguição); violência psicológica; descumprimento de medida protetiva de urgência; interceptação telefônica ilegal; peculato, por três vezes; corrupção passiva; e violação de sigilo funcional. Já Peralva é réu por stalking, corrupção passiva e interceptação telemática ilegal.

O ex-delegado-chefe e a vítima iniciaram o relacionamento em janeiro de 2022. De acordo com a vítima, ao MP, nos primeiros meses do namoro, Cândido solicitava frequentemente para que ela conectasse o WhatsApp dela no celular dele, para que ele pudesse ter acesso a mensagens. O delegado aposentado chegou a presentear a vítima com um "celular espião" para ter acesso a localização da vítima em tempo real.

A vítima decidiu dar um basta no relacionamento em abril deste ano. A partir desse momento, segundo a própria contou aos promotores, Cândido começou a procurá-la insistentemente, além de perturbá-la. Entre 15 de abril e 7 de agosto, o ex-delegado começou a utilizar outros números de celular, tendo em vista que a própria vítima bloqueou o então chefe da PCDF em todas as redes sociais.

O policial aposentado não se preocupava em atrapalhar a vida da ex-namorada, e ligava insistentemente por vários números de telefone, inclusive utilizando números da própria corporação — alguns de números desconhecidos e sem identificação. Robson chegou a usar o aparelho celular do atual delegado-chefe da corporação, José Werick, para perturbar a vida da ex.

Angústia e ansiedade

A denúncia apresentada pelo MP elenca um diálogo entre Cândido e a vítima, em 23 de junho, em que a moça pede que o então delegado-chefe da corporação a deixasse em paz, porque estava ficando depressiva, angustiada e com ansiedade. “Então me dá sossego! Me dá sossego! Aproveita que você vai ficar solteiro e dê em cima de todo mundo que você quer… Mas me dá sossego!”, disse a vítima, na conversa telefônica que gravou com o ex-delegado.

Em resposta, Cândido teria dito que, se ele ficasse solteiro, iria atrás da jovem para uma nova etapa no relacionamento. O ex-delegado-chefe é casado com outra mulher. “Eu não quero mais isso! Eu acho muito injusto eu ter que ir embora de Brasília por culpa sua… Porque você só fez coisa ruim pra mim… Você não me deu sossego, você atrapalha a minha vida toda! Eu não estou bem, eu só queria ficar em paz”, disse a jovem no áudio. “Eu te amo, meu amor… Não fique assim não…”, respondeu Cândido, ao longo da conversa.

Além de mensagens e ligações de forma insistente à vítima, Cândido também utilizava e-mails para tentar manter contato com a vítima — mesmo que contra a sua vontade. Principalmente entre junho e julho, Cândido encaminhou e-mails solicitando para que a vítima respondesse. O ex-delegado chegou a ligar 50 vezes para a vítima em apenas um dia.

Muro e ajuda de vigilantes

A vítima relatou que em uma das ocasiões, já após ter terminado com o ex-delegado-chefe, na tentativa de manter contato, Cândido chegou a escalar o muro e a varanda da residência onde a jovem mora. O ex-número 1 da corporação tentou forçar contato pessoal na porta do quarto da mulher.

Em 31 de julho, Robson Cândido foi à residência da vítima e chegou a bater na porta, mas não obteve resposta da vítima, que estava dentro da residência. Suspeitando de que o ex-delegado estaria “rondando” a residência, ela mandou a mensagem para a equipe de vigilantes do condomínio, para sondar se o ex-delegado teria ido embora. “Um ex-namorado anda pulando o muro aqui e me perseguindo dentro de casa. Agora há pouco ele estava batendo na porta e eu avisei que ia chamar a polícia”, escreveu.

Na troca de mensagens com a equipe de segurança, os vigilantes responderam que havia um homem no local. A jovem, então, pediu informações sobre o carro do delegado, uma viatura da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), se ainda estaria estacionado nas intermediações da casa da vítima. A equipe de segurança respondeu que sim e, como forma de ajudar a vítima, repassaram o número do batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para que ela fizesse o contato. “Ele está ao lado do portão preto na garagem. Liga nesse número no Batalhão e chama a PM”, escreveu. 

Em outro momento, Cândido, poucos meses após o relacionamento ter acabado, teria socado a janela do quarto da jovem, trincando o vidro.

Espionagem

Nas diligências dos promotores, ficou constatado que Cândido utilizou a influência dele dentro de órgãos de trânsito para monitorar a ex-namorada. Com o local onde ela estava, após conseguir a informação por meio de um sistema interno, chamado de OCR — sigla em inglês para "registro ótico de caracteres", o ex-delegado-chefe começou a persegui-la no trânsito, especialmente nas ruas de Águas Claras. O diretor-geral do Departamento de Trânsito (Detran), contou ao Correio que o departamento foi uma vítima.

Na saga de perseguir a ex-namorada, em 21 de agosto, Cândido, por volta de 12h, conseguiu alcançar a vítima, em uma viatura da PCDF. De acordo com a vítima, com o semáforo fechado, o delegado aposentado desceu do veículo em direção à vítima na tentativa de abrir a porta do carro que ela dirigia. A jovem relatou que Cândido só não conseguiu tirá-la do carro porque estava filmando o delegado — o chefe da PCDF retornou ao carro logo em seguida e, segundo a jovem, não retornou mais.

O que motivou o delegado a deixar o carro foi após a ex-namorada e a esposa terem registrado ocorrência contra ele, em 1° de outubro. Ocorre que, dias antes, a ex-namorada tentou registrar B.O contra o delegado na 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas), em 29 de setembro. Nesse caso, a vítima afirmou aos promotores que foi surpreendida por Cândido na delegacia.

A jovem relatou que compareceu à delegacia decidida em formalizar ocorrência contra Cândido, mas que no local encontrou o então delegado-chefe da corporação. No distrito policial, a vítima explicou que Robson Cândido gritou e tentou agarrá-la à força. A vítima contou aos promotores que, nesse momento, suspeitava de que estava sendo monitorada em tempo real, logo que sempre encontrou Cândido no trânsito.

Para os promotores, a partir de 26 de setembro até a operação deflagrada, a participação do delegado Thiago Peralva corroborou para que ele tenha sido denunciado por stalking, isso porque prestou auxílio material e moral a Robson, ao compartilhar com ele dados da localização da vítima”.

Os investigadores acusam de que Peralva incluiu o telefone da ex-namorada do chefe em uma interceptação telefônica em curso na 2ª Vara de Entorpecentes que apurava tráfico de drogas — ato que prosseguiu mesmo após Cândido ter deixado o cargo máximo da corporação. Todo o ato ocorreu em um sistema interno da PCDF chamado de “Vigia”.

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