A Justiça do Distrito Federal aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e tornou réu o ex-delegado-chefe Robson Cândido, ex-diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Além dele, o ex-chefe da 19ª Delegacia de Polícia (P Norte), Thiago Peralva, também irá responder criminalmente no processo. Ambos foram alvos da Operação Vigia.
Cândido responderá por uma série de crimes cometidos contra a ex-namorada, como stalking (perseguição); violência psicológica; descumprimento de medida protetiva de urgência; interceptação telefônica ilegal; peculato, por três vezes; corrupção passiva; e violação de sigilo funcional. Já Peralva é réu por stalking, corrupção passiva e interceptação telemática ilegal.
A investigação foi iniciada a partir do pedido de exoneração de Robson Cândido. De acordo com os promotores, Peralva, a pedido do chefe da corporação, inseriu ilegalmente o número de telefone de uma ex-namorada de Cândido em interceptação telefônica em curso na 2ª Vara de Entorpecentes que apurava tráfico de drogas — ato que prosseguiu mesmo após ele ter deixado o cargo máximo da corporação.
As ligações telefônicas da vítima, de 25 anos, eram monitoradas pelo ex-delegado-geral como se ela fosse criminosa ou interlocutora de traficantes. O grande objetivo, segundo as investigações, era monitorar os passos da jovem, além de saber com quem ela falava e os lugares que frequentava.
Além disso, uma versão dada pela vítima e corroborada pelos promotores ao decorrer das investigações é de que Cândido aparecia nos lugares em que ela estava, a seguia e a abordava, principalmente em Águas Claras, onde ela reside. Por determinação de Cândido, delegados utilizaram a estrutura da própria corporação, como viaturas descaracterizadas, celulares corporativos e carros oficiais, para monitorá-la.
Vigia
Conforme revelado pela reportagem do Correio, os promotores começaram a suspeitar de que o caso envolvendo o ex-delegado-chefe era mais grave, a partir de e-mails apócrifos recebidos no painel de denúncias do MP. Os delegados investigados utilizaram o sistema VIGIA para praticarem stalking (perseguição) e violência psicológica com a ex-namorada de Cândido.
O que levou o ex-delegado-chefe a deixar o cargo deu-se quando a ex-namorada dele procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) e denunciou que estava sendo perseguida pelo chefe da Polícia Civil. Na época, a esposa de Robson também registrou ocorrência mas, posteriormente, retirou a queixa.
Ao deflagrar a operação, foram colhidos elementos que apontam para a existência dos crimes de interceptação telefônica ilegal, corrupção passiva, violação de sigilo funcional, invasão de dispositivo de informática e descumprimento de medida protetiva de urgência. Os promotores, além de terem pedido a prisão de Cândido — detido na carceragem da PCDF —, também solicitaram a prisão de Peralva. O juiz Ernesto Cardoso Maciel, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Águas Claras, no entanto, decidiu pelo afastamento do chefe da 19ª DP das funções, além do uso de tornozeleira eletrônica.
Por estar solto, Peralva está proibido de entrar em contato com a vítima e com testemunhas do processo de violência doméstica, por qualquer meio de comunicação. O magistrado também deferiu que há restrição de contato de Peralva com qualquer servidor, estagiário, detentor de cargo comissionado, policial ou delegado lotado na 19ª DP ou com qualquer servidor ou promotor do Gaeco e do NCap.
A reportagem procurou as defesas dos dois réus. Em nota, a defesa de Peralva afirmou que reafirma o compromisso em esclarecer os fatos e contribuir integralmente para "uma compreensão abrangente da acusação" (veja nota completa abaixo). O Correio não conseguiu resposta da defesa do ex-delegado-geral. A matéria será atualizada assim que houver resposta.
Novas suspeitas
Outra linha de investigação do MP é sobre Cândido ter utilizado a influência dele dentro de órgãos de trânsito para vigiar a ex-namorada. Para isso, os promotores pediram informações ao diretor-geral do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), Takane Kiyotsuka do Nascimento, sobre a possibilidade de policiais civis terem pedido para que servidores do departamento consultassem a placa da vítima.
Ao Correio, o diretor do Detran explicou que identificou que um servidor consultou a placa da ex-namorada de Cândido no sistema OCR — sigla em inglês para "registro ótico de caracteres". A ferramenta é utilizada para ler com mais clareza placas dos veículos e ajudar a monitorar motoristas que estão em situação irregular. Takane explicou que o pedido foi acatado porque é algo natural entre as forças de segurança.
“O MP pediu informações e encaminhamos oficialmente para eles sobre quem utilizou. Sempre existiu essa pesquisa, porque sempre nos solicitam. Nós fomos vítimas. Outros policiais foram vítimas, porque deveriam utilizar o sistema para algo sério, como uma operação”, disse.
“Identificamos apenas uma consulta do tipo. O sistema funciona quando você pega uma placa e, após a busca, mostra onde o carro esteve por último, seja por meio de pardais ou barricadas. Fomos usados para vigiar essa moça, pena que não para fins corretos como investigação deveria ser. Foi pedido a informação e ela foi dada”, completou o diretor.
É esperado que o diretor-geral do Detran, que é policial civil aposentado, preste depoimento ao Ministério Público sobre o caso que envolve o ex-delegado-chefe.
Defesa
Thiago Peralva reafirma seu compromisso em esclarecer os fatos e contribuir integralmente para uma compreensão abrangente da acusação. Com urbanidade, solicita respeitosamente a preservação do sigilo da operação e de seus dados pessoais, expressando preocupação com o vazamento em grupos de WhatsApp.
Vale destacar a elogiada atuação de Thiago como Delegado de Polícia no combate ao crime no Distrito Federal. Sublinha a importância da responsabilidade no processo, pede serenidade e assegura estar à disposição para colaborar plenamente, visando à completa elucidação dos fatos no momento oportuno.
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