LUTA POR TERRITÓRIO

Indígenas Guajajara protestam contra retirada do Santuário dos Pajés

Decisão do MPF diz que aldeia Teko Haw, onde vive a comunidade, é irregular e recomenda que as mais de 50 famílias da etnia sejam retiradas da reserva

Indígenas Guajajara protestam contra decisão do MPF -  (crédito: André Vinícius Pereira / CB)
Indígenas Guajajara protestam contra decisão do MPF - (crédito: André Vinícius Pereira / CB)
postado em 10/11/2023 19:33

Em resistência a uma decisão do Ministério Público Federal (MPF), indígenas da etnia Guajajara cercaram terras à beira da Via W9 Norte com cercas de arame farpado na última terça-feira (7/11). O local, de propriedade da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), fica entre os limites da Terra Indígena Bananal (TI Bananal), também conhecida como Santuário dos Pajés, e de uma pista de asfalto. Futuramente, o local sem construções pode se transformar em uma faixa de prédios residenciais das quadras 700 do Setor Noroeste. Ali, a alguns metros da aldeia onde vivem e de frente para o vai e vem de carros, a comunidade protesta contra uma medida que ameaça a ocupação do território. 

 

 

A recomendação do dia 11 de outubro, feita pelo procurador da República Felipe Fritz, solicita o desmonte da aldeia Teko Haw, onde vivem cerca de 50 famílias. O território, segundo a decisão, é ocupado pelos Guajajara desde 2010, quando a comunidade veio do Maranhão para mobilizações em Brasília e montou o Acampamento Indígena Revolucionário (AIR). Os residentes, no entanto, dizem que a etnia já residia no DF antes disso.

Por meio da advogada representante Lisa Chao, a comunidade solicitou uma reunião presencial com o MPF para tratar do assunto. Em resposta, o órgão solicitou uma justificativa para que o diálogo não aconteça por escrito. “É de considerável relevância a oralidade para os povos indígenas, o que faz imprescindível a sua viabilização nos procedimentos que os envolvam, sob pena de serem desconsideradas as necessidades e diferenças culturais”, destaca o pedido de Chao.

Segundo a decisão, a ocupação está situada de forma indevida dentro da TI. Isso porque a etnia não é reconhecida como uma das integrantes do Santuário, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e não foi contemplada em acordo feito com a Terracap em 2019.

O acordo de 2019 foi celebrado entre a Terracap, Funai, MPF, Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e dois representantes do Santuário. Com o consentimento entre as partes, foram delimitados 32,5 hectares para os grupos indígenas, em vez dos 50 hectares pleiteados, o que permitiu a construção da Via W9. A Cacica da Teko Haw, Deusdete Lopes Guajajara, descreveu o acordo como “feito embaixo dos panos”. “Na época que os parentes negociaram, os Guajajara já estavam aqui, mas negociaram sem a gente ficar sabendo”, declarou.

A decisão do MPF ainda afirma que a presença do povo no Santuário é “causa de situação de insegurança e conflito constante”.

Os Guajajara, no entanto, afirmam que não foram notificados da ordem de retirada e souberam da decisão por uma notícia veiculada na internet. Desde então, as famílias vivem uma insegurança por não saberem como ou quando a recomendação será cumprida. “Nós não somos animais para sermos removidos, os indígenas não são removíveis”, declara Arão Guajajara. “Se é terra indígena, para retirar algum indígena nós deveríamos ser consultados”.

Segundo Arão, a Funai não visitou a ocupação ou teve diálogo com eles. Procurada, a autarquia não se manifestou até o momento desta publicação.

O que diz o GDF

Responsável pelas demandas referentes a lotes públicos do Distrito Federal, o DF Legal afirmou que esteve no local na quarta-feira (8/11) para fazer relatório e coletou reivindicações dos manifestantes. A terra indígena (em lilás na imagem abaixo), fica separada por uma faixa dos territórios da Terracap (lotes menores em lilás, como mostra a imagem).

Visão aérea do mapa, indicando terra indígena à esquerda, seguido de lotes da Terracap e a Via W9
Território indígena fica ao lado de lotes da Terracap, que corresponde às quadras 700 do Noroeste (foto: Geoportal Mapa Dinâmico do DF)

O órgão afirmou que vai solicitar à Terracap a elaboração de um Protocolo de Ações Integradas (PAI) para resolução do conflito. O DF Legal também afirma que vai sugerir à Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-DF) a elaboração de um plano específico para outro lote (circulado em laranja), referente a uma área pública não licitada, que também está cercado.

“Nós só queremos paz”

Residente na Teko Haw, Ana Rosa Guajajara está acampada com os parentes próximo à cerca e relata ter ouvido uma série de ofensas e comentários preconceituosos de pessoas que passaram pelo local. “Não xinguem a gente porque a gente não está para guerra, só estamos preservando nosso pedacinho de terra”, declara.

“A gente quer sobreviver, manter nossos netos e nossa família, a gente quer viver em paz”, afirma. Eles ainda acusam empreiteiras de jogar entulhos de construção dentro do território Bananal e de escavar locais dentro da reserva. “Tem que ter respeito por nós porque tem cemitério aqui também”, pede Ana Rosa.

Dentro da área, é possível observar resíduos de construção descartados. A fiscalização do descarte é de responsabilidade da Subsecretaria de Fiscalização de Resíduos (Sufir), do DF Legal. Em resposta, a pasta afirmou que vai tomar “as medidas previstas em lei para identificar e responsabilizar o autor da infração”.

Antecedentes

Antes do cercamento do território na terça-feira (7/11), uma série de acontecimentos havia deixado os indígenas em estado de alerta.

Em 16 de outubro, uma audiência na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) mediada pelo deputado distrital Fábio Felix (PSOL) contou com lideranças indígenas e chegou a discutir o assunto. A advogada dos Guajajara, Lisa Chao, no entanto, afirmou que não “houve muita movimentação” a favor da etnia. 

Moradores da aldeia afirmam ter visto funcionários da Terracap, no dia 1º de novembro, fazendo um mapeamento no local. Famílias da etnia também haviam informado sobre “visitas invasivas” de viaturas policiais no último dia 21. Em nota, a Terracap informou que faz o monitoramento da área periodicamente e pediu a remoção das cercas. 

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
-->