Amantes de objetos vintage e de antiguidades têm, em Brasília, variadas opções de espaços onde é possível encontrar aquela peça de roupa e acessórios de estilos que marcaram gerações, discos de vinil, móveis e utensilhos domésticos que dão um toque retrô à decoração da casa. Apesar de ainda não existirem dados específicos sobre o crescimento do setor, no Distrito Federal, a procura por artigos e festas temáticas de outras épocas tem sido cada vez maior, segundo comerciantes e consumidores.
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A figurinista, costureira e microempreendedora Rachel Smidt, 40 anos, acompanha o crescimento desse mercado. Conhecida como Tia Lixo, em referência ao seu antiquário de roupas Lixomania Vintage, ela conta que o perfil da loja no Instagram acumula mais de 15 mil seguidores. "Muitas das coisas que temos aqui são consideradas descarte por outras pessoas", explicou, referindo-se ao nome do empreendimento.
Desde criança apreciadora de história, figurinos e estilo, Rachel brincava com roupas antigas da avó, colecionava objetos, ficava vidrada em filmes do passado e tinha certeza que vinha de "outros tempos". No momento, está mais apegada à moda dos anos 1980.
"Adoro aquele exagero surreal nos cabelos, tecidos e modelagem. Mas também já houve épocas em que só garimpei coisas dos anos 1960 e 1970, 'pirei' nas estampas. A era vitoriana, por sua vez, também tem um lugar especial no meu coração", comentou a figurinista, que considera uma honra vestir algo produzido e usado há tanto tempo.
A graça, para ela, está em valorizar todo o processo de confecção e trajeto da peça até suas mãos. "Também tenho muito apreço pela estética. Acho que os produtos, arquitetura e design atuais são muito voltados para a função e pouco para a beleza. Acredito que podemos aliar os dois", concluiu.
Na Lixomania, para uma peça ser considerada vintage é preciso que tenha, no mínimo, 30 anos de existência; mais do que 80 é classificada como antiguidade. Uma roupa retrô, por outro lado, é um produto atual com um design inspirado em itens antigos. Nos critérios de avaliação da loja, a qualidade da peça e a sua importância histórica também são levadas em conta.
A grande procura por peças de outras épocas motivou Raquel a idealizar a feira Vintage Mania na Infinu Comunidade Criativa, na 506 Sul. Com frequência, por meio das redes sociais, a empreendedora convoca expositores de roupas, acessórios e colecionáveis a participar do evento que atrai um público fiel e apaixonado por vintage e antiguidades.
"Garimparia"
Há quem não se contente apenas com o look. É preciso estar imerso no universo vintage, com uma casa decorada a caráter e passatempos que façam jus ao passado. A administradora Sandra Campos, 51, por exemplo, aprecia o estilo e tem em seu escritório móveis e artigos de decoração produzidos há tempos. "As coisas modernas são mais funcionais, mas as antigas têm uma beleza singular, me encantam", comentou.
No mercado de antiguidades Bom e Velho, localizado no Guará, ela estava à procura de uma geladeira modelo anos 1950, colorida e com personalidade. Sem dificuldade, encontrou. Afinal, no antiquário, inaugurado há três anos, são mais de 26 mil itens, desde peças de avião até broches. Entre os objetos mais emblemáticos, está um telefone fabricado em 1884, pelo próprio Alexander Graham Bell.
Foi observando o apelo por esse tipo de mercado, no DF, que Afonso Lopes, 54, e Alice Lopes, 26 — pai e filha —, colocaram a ideia do mercado de antiguidades em prática, herança, também, do apreço dele por carros antigos e dela, por história da moda, área na qual é especializada. Assim, a dupla começou a garimpar peças com colecionadores e vendedores autônomos, de forma direta e em grupos nas redes sociais.
Ter valor comercial e histórico são requisitos para a aquisição dos itens, que chamam atenção de arquitetos, cinegrafistas, colecionadores e donos de estabelecimentos temáticos. Os jovens, aliás, contemplam boa parte dos clientes, "curiosidade com o passado", acredita Afonso.
"Em faturamento, o negócio cresceu cerca de 120%, desde a fundação, e nas feiras mensais, realizadas aqui, recebemos mais de 400 visitantes, o que mostra o aumento da procura por esse setor", disse o proprietário do antiquário. Com Alice, responsável pela catalogação das peças e comunicação, Afonso também dá nova vida a itens antes deteriorados. Bastaram alguns ajustes e uma simples catraca de ônibus virou apoio para uma mesa, por exemplo.
Na Feira da Marreta, promovida no espaço, outros comerciantes têm a oportunidade de vender suas antiguidades; enquanto na Feira do Filme Queimado, sucesso de público, a fotografia analógica é a protagonista - além de câmeras e filmes para venda, há oficinas e rodas de conversas. Entre as peças mais procuradas do Bom e Velho estão luminárias, vinis, câmeras analógicas e artigos do lar.
Sobre a experiência de catalogar os itens, Alice explica: "No início, eu entrei apenas para catalogar a primeira leva de peças, por duas semanas, e, para minha própria surpresa, estou aqui até hoje. É muito interessante perceber o quanto aprendi nessa atividade. Agora, sei diferenciar traços de designs, tipos de materiais, épocas diferentes e marcas".
Foto pensada
Das tantas formas de recordar o passado, a fotografia certamente ocupa um lugar de protagonismo. A partir dela, memórias são registradas e preservadas. O fotógrafo Ádon Bicalho, 34, que o diga, pois, em 2015, quando começou a revelar fotos suas e de amigos, em seu laboratório, não imaginava que o espaço se tornaria um empreendimento.
Com o aumento da procura por revelação fotográfica, que teve seu boom em 2018, além da possibilidade de fazer oficinas sobre o tema, o laboratorista fundou o Barco Estúdio, com os amigos, também fotógrafos, Bella Montiel, 26, e Vinícius Cardoso, 28. O diferencial da fotografia analógica, em comparação à digital, está no fazer fotográfico mais consciente. "Com o filme, é preciso pensar na foto, construí-la antes do clique, algo que nos ensina muito sobre a atividade", ressaltou Ádon.
Hoje, 50% do público do laboratório é composto por jovens da geração Z, que não viveram tanto o período de transição entre o analógico e o digital e agora estão tendo acesso a essa possibilidade por meio das redes sociais, como o Instagram, ou até pelo contato com uma antiga câmera dos pais, guardada no fundo da gaveta.
Para Vinícius, o setor cresceu, mas ainda não se expandiu o suficiente para que os valores, principalmente, dos filmes se tornassem mais acessíveis. "Precisamos popularizar ainda mais a fotografia analógica", destacou. Aos iniciantes no ofício, Ádon recomenda começar pelas câmeras compactas, conhecidas como saboneteiras, por serem automáticas e contribuírem para fotos mais instantâneas.
Neste mês, os laboratoristas darão um curso de imersão fotoquímica, que conta com três encontros teórico-práticos, e visa explorar aspectos como tipos de câmeras, de filmes fotográficos e o panorama da fotografia analógica atualmente. Lá, os participantes poderão aprender a revelar o próprio filme. As inscrições podem ser feitas no site do laboratório.
Opinião de especialista
Jayme Rabelo, 36, é psicólogo comportamental
Na história do desenvolvimento humano, o sentimento de nostalgia é encontrado em praticamente todas as gerações. No ápice da adolescência e no início da vida adulta, essa busca acontece de maneira habitual e mais espontânea, pois são momentos em que é possível olhar para um passado, ainda recente, e acabar acessando outros ares.
As gerações Y e Z, que passaram por uma mudança cultural muito grande, ao observarem o mundo antes e depois da superdigitalização, conseguem transitar bem entre a busca pela nostalgia como tendência de mercado, ao mesmo tempo em que se adaptam ao mundo digital.
Além disso, essa saudade pode surgir por meio de uma tendência, um movimento coletivo, espontâneo ou direcionado, que visa apresentar ou expressar uma série de comportamentos. Nesse contexto, o marketing se aproveita desse sentimento e o catalisa, ao promover a identificação das pessoas.
A idealização do passado é uma forma de buscar pertencimento e identificação, podendo ajudar na criação de uma rede de relações. Mas existem limites? Bom, será algo prejudicial apenas quando o indivíduo não conseguir se conectar com o presente e evocar o passado de forma pouco funcional.