Lisboa — O Conselho de Administração do Banco de Brasília (BRB) ignorou por completo a situação nada confortável da instituição e aprovou o pagamento de dividendos a acionistas neste ano maior do que a política recomendada em estatuto. Em regra, o arcabouço que dá as diretrizes ao banco indica que, para manter a sustentabilidade patrimonial, a repartição obrigatória deve ser de, no máximo, 40% dos resultados positivos.
Entre janeiro e junho últimos, o BRB não só transferiu 100% dos ganhos contábeis a seus acionistas, o principal deles, o Governo do Distrito Federal (GDF), como ainda pagou uma quantia além. O lucro contábil no primeiro semestre, sabe-se, foi de R$42,1 milhões, mas a fatura dos dividendos chegou a R$ 52 milhões, conforme relatório do Conselho Fiscal ao qual o Correio teve acesso.
Essa informação, por si só, levantou questionamentos. Mas se descobriu que o BRB já havia antecipado aos acionistas, no primeiro trimestre do ano, dividendos, em forma de Juros sobre Capital Próprio (JCP), no valor de R$ 16,2 milhões, apesar de, no período, a instituição ter computado prejuízos superiores a R$ 43 milhões. Não só. O lucro acumulado no primeiro semestre, de R$ 42,1 milhões, ocorreu apenas porque o BRB lançou mão de créditos tributários no valor de R$ 71,6 milhões para ficar com um saldo positivo. O negócio mesmo do banco apontou perdas de R$ 23 milhões antes desse artifício contábil.
No documento do Conselho Fiscal, há o alerta da Diretoria Financeira e de Controladoria de que a distribuição excessiva de dividendos prejudicaria os indicadores de solvência levados em consideração pelo Banco Central. O maior impacto se deu no Índice de Capital Principal (ICP), que está muito próximo do mínimo exigido de 7%. Os técnicos do BRB, inclusive, fizeram simulações sobre tal indicador com e sem o pagamento de dividendos acima do limite de 40% previsto em estatuto. Com o pagamento total dos dividendos, o ICP em junho ficou em 7,93. Sem os excessos da distribuição dos lucros, o índice subiria para 8,02. Projetado para setembro, com os dividendos totais, o IPC cravaria 7,85 e, sem os gastos extras, marcaria 7,99.
A mesma conta foi feita para o Índice de Basileia, parâmetro internacional que mede a saúde de uma instituição financeira. O mínimo exigido pelo Banco Central no Brasil é de 10,5. Com o pagamento total dos dividendos aos acionistas, o indicador fechou junho deste ano em 14,95, mas poderia ter ido a 15,04, se o Conselho de Administração tivesse seguido a política de distribuição dos lucros definida em estatuto. Nas estimativas para setembro, com a mão aberta do BRB, o Índice de Basileia ficaria em 14,62 e, num quadro sem estripulias do comando do banco, saltaria para 14,76.
Em um trecho do relatório do Conselho Fiscal, os técnicos do BRB enfatizam: "É importante assegurar o enquadramento do banco nos níveis de capital regulatórios, principalmente quando se observa que o ICP apurado está muito próximo do mínimo regulamentar". Mantida essa política de pagamento de dividendos, muito em breve, o Banco de Brasília terá de fazer um amplo processo de capitalização. A instituição cogita uma emissão de ações de até R$ 2 bilhões em 2024.
Na mira no BC
Desde o início desde ano, o Banco Central vem olhando com lupa os números do BRB. Na primeira leva de fiscalização, a autoridade monetária encontrou inconsistências no valor de R$ 322 milhões nos balanços de 2022 e 2023. Desse montante, R$ 169 milhões são referentes a uma reestruturação acionária que envolveu a BRBCard; R$ 75,8 milhões estão relacionados a dividendos do GDF que o banco lançou como seus; e R$ 77,4 milhões são ligados a uma parceria entre a instituição e a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa na área de loterias, operação que foi vetada pelo órgão regulador.
Ao ser obrigado a corrigir os números e trazer os demonstrativos financeiros para a realidade, o BRB republicou o balanço do primeiro semestre de 2022. Com os ajustes, o lucro líquido no período recuou de R$ 190,5 milhões para R$ 160,3 milhões — uma diferença, segundo o próprio banco, de R$ 30,2 milhões. Já no primeiro trimestre deste ano, depois das correções, o lucro líquido anunciado com pompas pela instituição, de R$ 69,9 milhões, se transformou em prejuízos de R$ 43,3 milhões.
Os dados do BRB mostram, ainda, que o buraco dos três primeiros meses do ano foi coberto pelo lucro líquido de R$ 85,4 milhões computado entre abril e junho. Por isso, o resultado consolidado do banco no primeiro semestre de 2023 ficou em apenas R$ 42,1 milhões. Isso quer dizer que os ajustes determinados pelo BC não só zeraram o lucro informado inicialmente pelo BRB entre janeiro e março, como ainda deixaram um saldo negativo que comeu quase a metade dos ganhos obtidos nos três meses posteriores.
É importante ressaltar que, além de recorrer a créditos tributários, o BRB apontou lucro no primeiro semestre deste ano porque reverteu R$ 20 milhões em provisões para o pagamento de dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em 2001, a instituição foi autuada quatro vezes por não recolher contribuições previdenciárias sobre participações nos lucros de seus funcionários e sobre abono salarial. Agora, 22 anos depois, os advogados do banco entenderam que vencerão o processo com o INSS mesmo não tendo sentença final. Portanto, os R$ 20 milhões poderiam sair da rubrica de despesas e pular para a coluna de receitas.
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