Bilhetes de amor, fotos esquecidas, selos, folhas ressecadas e até dinheiro. Na entrada do Porão, Livro & Café, um mural exibe lembranças encontradas em livros usados vendidos no espaço. Os exemplares, compartilhados por tantos leitores, carregam histórias à parte. Daí a magia dos sebos. "Os livros podem circular e transformar outras pessoas", comenta Luana Pessoa, 35 anos, proprietária do local, na véspera do Dia Nacional do Livro, celebrado em 29 de outubro.
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O projeto, iniciado em 2016, começou on-line e com o desejo de comercializar livros do próprio acervo, "sem grandes pretensões", destaca Luana. Aos poucos, porém, foi ganhando forma e, em 2020, veio a primeira loja física. No ano seguinte, a surpresa do isolamento social, em vista da pandemia, fez o empreendimento retornar ao formato virtual e as vendas explodiram. "Acredito que o ócio e o desejo de distrair a mente motivou mais gente a se dedicar à leitura", analisa a dona.
Em 2021, o Porão abriu as portas da loja física novamente, agora, com um café e cadeiras ao ar livre. As vendas, no entanto, estagnaram. "O volume de consumidores é bom, mas poderia ser melhor. É complicado competir com grandes empresas que vendem por preços mais atrativos, além da popularidade dos e-books", avalia. Para ela, quem se arrisca nesse negócio tende a apresentar ao público um serviço a mais, como ambientes confortáveis e cafés, para que a experiência com os livros possa ser mais atraente do que nas redes.
Lugar de encontros
Leitora assídua, Luana conta que ela própria tentou se adaptar aos e-readers — leitores de livros digitais —, mas não conseguiu. "Trabalho o dia inteiro na frente das telas. No meu momento de descanso, em que preciso me desligar desse universo, não quero mais uma tela na minha frente."
Os exemplares físicos, segundo ela, têm o fascínio do toque, do cheiro e do apreço pelo cuidado gráfico. Os sebos, por sua vez, não são locais de procura, mas de encontros, "onde nos deixamos levar por uma obra e, para nossa surpresa, nos conectamos", completa.
Ricardo Wagner, 38, gerente da Livraria Pindorama, também lamenta a queda do movimento nos sebos, em comparação a grandes sites, mas lembra que foi o universo virtual o responsável por manter o negócio, inaugurado há 32 anos, de pé durante a pandemia. "Se não fossem as vendas on-line, teríamos fechado as portas", ressalva.
O lugar foi criado em 1989 por três amigos aposentados que eram colecionadores de livros. Assim como o Porão, começou com exemplares dos próprios acervos e, aos poucos, foi recebendo doações. Hoje, conta com mais de 100 mil obras na loja física, das quais 13 mil estão disponíveis no catálogo on-line.
Entre as publicações mais procuradas estão exemplares de filosofia, história e autoajuda. "Temos clientes fiéis que sempre vêm procurar essas obras da área de humanas". Sobre a manutenção dos sebos, conclui: "certamente esses espaços e os livros físicos continuarão perdendo destaque, mas acredito que não acabarão. Há obras esgotadas em livrarias tradicionais e outras que sequer são reeditadas, sendo encontradas somente em sebos".
Desafios
Segundo o professor do curso de letras da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em literatura brasileira Robson Coelho Tinoco, é inegável que a quantidade de leitores das versões digitais cresce exponencialmente, de forma que aqueles que leem por audiolivros já o fazem em velocidade dobrada, isto é, aceleram os áudios das obras para lerem mais rapidamente.
"É uma nova realidade, da qual não podemos, e nem devemos, nos afastar. Assim, é papel dos professores e até dos animadores deste ramo, sobretudo no âmbito escolar, aprender a reinserir a prática da leitura literária. Não cabe mais imaginar ou propor a alunos, em especial da geração Z, que façam leituras da forma como se fazia há cinco, dez anos", pondera o especialista.
Questionado sobre o que os livros físicos têm de especial, o professor cita o valor sentimental que carregam, muito presente em leitores de média e avançada idade. As livrarias e os sebos presenciais, por sua vez, são classificados como os últimos espaços - e, por isso, a sua importância - a preservarem objetos que guardam em si ideias, argumentos, imagens, histórias e metáforas. "Não há nem haverá uma caminhada mais reveladora de informações, que devem ser transformadas em conhecimento, do que a leitura", reforça.
"A menina que adora livros"
O passatempo? Ler. O sonho? Tornar-se escritora. Foi essa a temática da reportagem A menina que adora livros, publicada pelo Correio há 15 anos, que contava o apreço da pequena Amanda Cavalcante pela leitura. Ela cresceu, graduou-se em letras e, hoje, aos 24 anos, é pesquisadora e, ainda, apaixonada por histórias. O desejo de trabalhar com a sua escrita também permanece.
"Meus pais são professores. Então, desde criança, os livros estiveram ao meu alcance em estantes do meu tamanho, ocupando um espaço muito significativo em casa", conta a jovem. Para ela, a literatura mostra outros modos de viver e de enxergar a vida, possibilitando o contato com outras realidades e abrindo espaço para a imaginação.
Poesia e romances da literatura brasileira contemporânea estão entre suas expressões literárias preferidas, tanto que, atualmente, está lendo Não fossem as sílabas do sábado, de Mariana Salomão Carrara. O livro favorito - que não pensou duas vezes antes de responder - é Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, cuja primeira frase da obra virou tatuagem em sua pele. "Me encanta como ela (a autora) consegue construir uma narrativa tão bonita e intensa a partir do cotidiano. É um ode à vida, com tudo que existe de mais terrível e mágico em estar vivo", enfatiza.
Sobre gostar mais de livros digitais ou físicos, também é enfática: "prefiro os físicos e não tenho pena de marcá-los. Risco, levo dentro da bolsa e escrevo. Quanto mais 'cicatrizes' o livro tem, mais ele viveu na minha mão. O virtual não tem esse charme", compara. Nas redes, porém, gosta de usar o aplicativo Goodreads, para organizar as leituras, cuja frequência é de duas obras por mês.
Gosto compartilhado
Quem nunca se deparou com blogs, vídeos e posts sobre literatura na internet? Os criadores de conteúdo desse ramo têm conquistado cada vez mais o seu espaço nas redes. Mayara Reis, 26, que o diga. Conhecida apenas por May Reis, a psicóloga infantil tem um perfil no Instagram chamado A albina dos livros, no qual compartilha resenhas de leituras e informações sobre albinismo e psicologia.
“Eu já falava no Instagram sobre albinismo e, durante a pandemia, perdi a minha mãe para a covid-19. A forma que me ajudou a lidar com isso foi ler um livro atrás do outro, freneticamente. Comecei a postar resenhas, vi que a galera estava curtindo e continuei a movimentar o perfil”, relembra a jovem, que acumula mais de três mil seguidores.
Assim como Amanda, o estímulo para ler veio dos pais, que a incentivaram nesse hábito. Hoje, sua frequência de leitura tem ficado na média de três a quatro livros por mês. Ela lê mais de uma obra ao mesmo tempo e, no momento, as obras são Percy Jackson e o Cálice dos Deuses, de Rick Riordan, e O mar me levou a você, de Pedro Rhuas.
Por ter baixa visão, a maioria dos livros que lê são em formato digital, em book ou em audiobook. Sobre o apreço pela literatura, comenta: “é sempre bom poder dividir o fardo da vida cansativa com algo diferente, sair da própria realidade, e os livros são uma excelente forma de fazer isso”.
Panorama
» A pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, mostra que as livrarias virtuais venderam mais do que as físicas, em 2022. Representaram 35,2% dos canais de distribuição, em comparação aos 26,6% das lojas físicas. O estudo aponta que, nos últimos quatro anos, o faturamento das editoras com conteúdo digital cresceu 95%.
» Entre as temáticas mais procuradas de 2022, conforme levantamento da Amazon, estão romance e autoajuda, seguidos de ficção científica, suspense e obras religiosas. No mesmo ano, o romance É Assim Que Acaba, de Colleen Hoover, foi o mais vendido no Brasil. Entre autores nacionais, os destaques foram Thiago Nigro, com Do Mil ao Milhão. Sem Cortar o Cafezinho, e Itamar Vieira Jr., com Torto Arado.
» O estudo Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, revela que 50% dos brasilienses (1,4 milhão de pessoas) são leitores. Significa que eles leram, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. A média nacional é de 52%. Os dados, de 2019 e publicados em 2020, são os mais recentes.
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