Em meio a um cenário político conturbado no Distrito Federal, por conta dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, o nome da vice-governadora Celina Leão (PP) se destacou durante o período de substituição ao governador Ibaneis Rocha (MDB).
Em entrevista exclusiva ao Correio, Celina Leão falou sobre as dificuldades enfrentadas e as lições aprendidas durante os 66 dias em que ficou à frente do Palácio do Buriti. Além disso, opinou sobre assuntos como a batalha pelo Fundo Constitucional, seu futuro na política, violência contra a mulher e relação com o governo federal.
Vivemos um período bastante complicado no início do ano, por conta dos atos golpistas. Como foi substituir o governador Ibaneis Rocha em um momento tão conturbado?
Foi muito complicado porque você não se prepara para um momento como aquele. Mas a vida te prepara para algumas situações que você venha a passar. Os três mandatos que eu tive, com esse é o quarto, me prepararam para conseguir superar aquele momento de dificuldade. Naquela época, precisávamos trazer estabilidade política para nossa cidade de manter o nosso grupo, que é o mesmo do governador Ibaneis, unido, sem dificuldade e sem nenhum tipo de movimentação que fosse contrária ao nosso governador. E conseguimos. Mantivemos o governo caminhando, a lealdade ao nosso governador e trouxemos a normalidade à cidade.
Quais lições a senhora tirou durante esse período?
A primeira é que foi preciso ter muito pé no chão e cabeça tranquila. Tem que seguir, realmente, o princípio de caráter que você tem e acho que se revela muito nesses momentos de dificuldade. Além disso, exercitei muito o diálogo institucional republicano, como governadora. Isso foi muito importante para várias vitórias que tivemos, não só sobre o retorno do governador Ibaneis, mas o encaminhamento do projeto das forças de segurança, que foi negociado nesse período.
Sempre falo que não precisa levantar as mesmas bandeiras, e as nossas são diferentes. Isso é claro e visível para a população do Distrito Federal. Somos um governo de centro-direita e temos um governo federal de esquerda eleito, e a democracia é a convivência desses poderes com respeito. Assim como queremos o respeito ao nosso governo, respeitamos o governo federal, que foi eleito democraticamente. Acho que esse diálogo institucional republicano respeitoso beneficiou a população do Distrito Federal.
Outro grande destaque deste ano foi a luta pelo Fundo Constitucional do DF. Como foi essa longa batalha?
Foi uma construção histórica, em que também precisamos dialogar com o governo federal. A perda do Fundo Constitucional seria algo irreparável, a curto, médio e longo prazos. Brasília não sobreviveria. Começamos esse debate no Senado, onde teve uma participação muito atuante do senador Omar Aziz (PSD-AM), que foi o relator e puxou para si a responsabilidade e discutiu muito com os pares.
Acho que até por conta da minha trajetória política, de estar vivendo no Congresso Nacional, o governador incumbiu a mim essa missão, até porque o presidente da Câmara (Arthur Lira) e o relator (Cláudio Cajado) são do meu partido. Conseguimos resolver essa situação com êxito, mas não posso deixar de agradecer a todas as pessoas que foram importantes, a nossa bancada federal e os nossos senadores, que nos ajudaram. Além disso, alguns senadores de outros estados — que adotaram o DF como sua casa — também colocaram todo o empenho na questão do Fundo Constitucional.
Alguns políticos e parte da população ficaram incomodados com a ausência do governador nas negociações do FCDF. Por que ele preferiu ficar de fora das articulações?
Foi uma questão estratégica. O governador Ibaneis tem um jeito muito peculiar de governar, por isso ele é muito respeitado. Ele sabia que eu tinha uma condição, por ser do partido, e por se sentir representado, na minha presença. Foi um conforto que ele teve. Mas todas as vezes que era necessário, pedia para ele ligar e conversar com as autoridades. Ele sempre esteve junto, apesar de não estar aparecendo, nos bastidores, o governador Ibaneis estava ativo.
Em relação ao seu futuro político, a senhora tem uma ideia do cargo que pretende se candidatar nas próximas eleições?
Temos que pensar muito no nosso trabalho, que é o atual governo, fazendo uma boa gestão. É claro que há uma perspectiva de uma continuidade do nosso projeto político, mas eu acho muito cedo para a gente falar sobre eleição, propriamente dita. Tenho falado, com os nossos secretários e com os nossos grupos políticos, sobre trabalho, porque se você semear você vai colher o fruto daquilo que você fez de positivo para a cidade, a população reconhece aquilo que você faz. Estou mais preocupada com a nossa gestão, nas áreas que a gente tem mais fragilidade e no que eu posso ajudar mais o governador Ibaneis. Estou bem focada nisso. Sem contar que, um processo eleitoral antecipado, pode criar um pouco de mal-estar, um sentimento de arrogância. É claro que temos um projeto político de continuidade, mas isso vai ser construído em 2026.
Acha que a participação na briga pelo Fundo Constitucional foi positiva para a sua imagem?
Claro. Foi uma vitória da cidade, mas também foi uma vitória pessoal. Até porque, com a resistência que existia do (Cláudio) Cajado, os políticos adversários me criticaram e disseram que, se a gente perdesse, a culpa seria minha. Mas como ganhamos, também tenho que colher os frutos disso. Tenho certeza de que isso pesará em 2026, até porque foi uma batalha muito difícil.
A senhora chegou a saber sobre o fato do José Humberto Pires ter se lançado como candidato ao GDF? Qual é a sua opinião?
Acho que nosso grupo político vai se manter unido. Temos muito respeito pelo comando do nosso governador Ibaneis e, nesse jogo da política, destacam-se as pessoas que têm mandatos, que estão à frente e que estão com essa capacidade (de governar). Mas nosso grupo não vai se desfazer, existem vários cenários políticos que a gente precisa exercitar e a eleição passa por partidos e mandatários políticos, além do nosso governador. Sobre essa possibilidade de o José Humberto se candidatar, ele tem desmentido isso e tenho certeza que ele está à disposição daquilo de que o governador Ibaneis decidir. Esses tipos de ruídos fazem parte da política, mas não nos abala de forma alguma.
E sobre o futuro do próprio Ibaneis?
O governador está muito tranquilo. Ele tem, bem pavimentada, uma construção de Senado, pois vai sair consagrado como um governador que fez e deixou um legado para o Distrito Federal. Isso o capacita para buscar o cargo de senador da República, acredito que esse seja o caminho natural dele e acho que seria, talvez, um dos senadores mais votados da história do Distrito Federal, por ter quebrado recordes. Seria a coroação do trabalho do governador Ibaneis.
Como ficou a relação com o governo Lula, depois do forte apoio a Jair Bolsonaro nas eleições?
É preciso ter respeito dentro da democracia. Você não vai desconstruir o seu passado para construir o seu futuro. Você vai pegar aquilo que você fez de positivo, que era absolutamente natural, o meu partido era a base do governo, inclusive, tinha o ministro da Casa Civil. Então, é absolutamente natural nosso apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Sempre fui muito respeitosa nas minhas colocações. Respeito a divergência e nunca deixei de sentar na mesma mesa de uma pessoa que pensa totalmente diferente de mim, na hora de construir alguma coisa positiva para a cidade. Esse tem que ser o caminho para que a gente possa fazer o melhor para a nação.
Se arrepende do apoio que deu a Bolsonaro?
De forma alguma. Era o nosso caminho natural, o apoio a Bolsonaro e, da mesma forma que trabalhamos para que ele vencesse, fui nas minhas redes sociais, depois do resultado, falar que acreditava na nossa democracia e que as urnas eram soberanas. Temos que saber ganhar, perder e se reconstruir para uma próxima eleição.
Acha que a senadora Damares Alves pode ser candidata ao GDF em 2026?
É claro que ela tem total liberdade e tamanho para isso. Acredito que isso é uma decisão pessoal dela, mas todas as vezes que ela me encontra, sempre enaltece — não só internamente, mas publicamente — o nosso trabalho. Acho que, se ela vier candidata, será uma coisa absolutamente natural e eu respeito essa vontade, mas acredito que existe uma grande possibilidade desse grupo todo se unir.
Os crimes de violência contra a mulher têm crescido no DF. O que tem sido feito para coibir essa realidade?
Muitas vezes, a violência contra a mulher só é enxergada quando acontece o crime do feminicídio, mas se você chegar nas nossas delegacias, temos várias ocorrências de violência física, psicológica e ameaça. A regulamentação da legislação que multa os autores dos crimes que movimentam a máquina pública vai ser muito disciplinadora. Essa lei vai ser muito educativa, porque o cidadão vai sentir no bolso aquilo que ele achava que poderia passar impune. Temos também o Viva Flor, agora sendo alcançado na própria delegacia, a lei dos órfãos do feminicídio, que regulamentamos e os órfãos começam a receber o auxílio a partir de outubro. Além disso, lançamos uma campanha no metrô, que vai percorrer todas as estações do metrô.
Falando sobre o feminicídio, especificamente, o que pode ser feito de maneira efetiva e drástica para combater esse tipo de crime?
Conseguimos identificar que o feminicídio tem algumas algumas características que fomentam para que o crime aconteça. Primeiro, é a falta da denúncia. Se pegarmos os índices da Secretaria de Segurança Pública, muitas mulheres que morreram não tinham um registro de ocorrência contra o agressor. É por isso que criamos o programa Não se Cale. A segunda situação, é a mulher voltar a conviver com agressor. Às vezes ela, na boa-fé, não acredita que o homem teria coragem de repetir a violência. Sem contar a questão da dependência emocional e financeira. A terceira é a medida protetiva. Tem vítimas que estavam pedindo 'pelo amor de Deus' para não morrer para o Estado e foram mortas.
Temos grandes obras em andamento no DF, principalmente as rodoviárias, que têm complicado o trânsito e tirado a paciência dos motoristas. Acha que realmente é viável interferir em grandes vias, ao mesmo tempo?
Precisamos resolver o problema da nossa cidade. Esse incômodo é temporário, mas as obras são permanentes. Às vezes, a população não tem dimensão do quanto o DF tem crescido e do quanto de veículos novos têm sido emplacados. Não podemos esperar e fazer uma obra agora e a outra daqui um ano. Até porque tem um processo licitatório, uma ordem de serviço e um cronograma que é natural do processo hierárquico e burocrático do governo. O que temos feito é tentar monitorar o trânsito, 24 horas por dia, para a gente ver o que pode ser feito para minimizar esses impactos. Mas rápido vai passar, algumas obras estão sendo entregues, inclusive. A gente pede desculpa à população, mas logo vai passar e vamos poder chegar em casa mais cedo e curtir a família com mais tranquilidade.
A DF Legal tem feito grandes operações de derrubada em áreas irregulares. Por que o crime de grilagem é tão recorrente na capital do país?
A Terracap, em determinado momento, não conseguiu ofertar imóveis para a classe média, ou era muito caro, ou era a Codhab que fazia a entrega de moradia popular. Isso foi percebido pelo governador Ibaneis e estamos fazendo alguns empreendimentos para a classe média comprar de forma legalizada. O que as pessoas ainda não haviam entendido, mas agora começaram a entender, é que não adianta comprar o terreno grilado, pois ela vai pagar duas vezes. Não existe nenhuma fórmula de se regularizar terra pública que não seja a cobrança da área. Até porque a legislação não nos permite e o Ministério Público acompanha de perto.