Não é novidade que as relações de trabalho acompanharam os avanços tecnológicos e se modificaram consideravelmente. Porém, em muitos casos, a garantia dos direitos trabalhistas ficou estagnada, resultando em condições precarizadas e desvalorizadas. Esse foi o plano de fundo da pesquisa "Para onde vai o trabalho humano na era digital?", produzida pelo grupo de pesquisa Mundo do Trabalho e Teoria Social, da Universidade de Brasília (UnB).
O estudo começou em 2020 e ouviu entregadores e motoristas de aplicativos do DF e do Entorno. O objetivo foi compreender as percepções desse grupo em relação ao debate sobre a regulação do trabalho em plataformas digitais. Os resultados revelaram contradições entre o desejo de ter direitos trabalhistas, ao mesmo tempo que se rejeita o contrato de trabalho e se valoriza a autonomia e a flexibilidade.
Nas atuais condições, os trabalhadores preferem atuar, em média, 16 horas por dia, para obter uma renda líquida que não teriam como celetistas — aqueles com direitos determinados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo Ricardo Festi, professor de sociologia da UnB e um dos pesquisadores, apesar da ótima recepção dos entrevistados, ficando evidente a vontade de contar suas histórias, a natureza da atividade dificultou entrevistas de longa duração.
"Esse é um dos desafios: escutar uma categoria que necessita contar a sua realidade, mas que não tem tempo a perder, pois está totalmente submetida aos mandos do algoritmo", explicou o especialista. A etapa da entrevista em profundidade teve início recentemente e visa compreender as dimensões mais políticas, subjetivas e de trajetória de vida desses profissionais.
Necessidades dos entrevistados
57,49% — adicional de periculosidade
55,06% — auxílio-doença e auxílio-acidente
45,75% — auxílio alimentação
16,19% — necessidade de contrato de trabalho
12,55% — limite da jornada diária e semanal de trabalho
Perfil
Para Ricardo Festi, evidenciou-se, até o momento, que o perfil dos trabalhadores contempla homens e mulheres, majoritariamente negros e negras, que vivenciaram a informalidade ou empregos com contratos de trabalho precários.
"Há uma associação entre subordinação a um patrão à ideia de baixo salário, assédio moral, discriminação e precariedade. Eles têm consciência das péssimas condições de trabalho nas plataformas digitais. Então, demandam a garantia de direitos, ao mesmo tempo que desejam manter o que entendem por liberdade, isto é, não ter um superior diretamente vinculado e nem uma jornada diária ou semanal limitando-os", completou o pesquisador.
As consequências da "uberização" são as altas jornadas de trabalho, os baixos rendimentos, os altos riscos, que incluem assaltos, acidentes e conflitos; o adoecimento mental, os conflitos familiares, entre outros. Ronaldo Tolentino, advogado trabalhista, lembra que, atualmente, não há norma trabalhista que ampare essa categoria e que a conquista de direitos passa necessariamente por uma questão legislativa, não judiciária.
Além da regulação da categoria, a pesquisa aponta que é preciso que haja a normalização da atividade econômica, na qual as empresas paguem os direitos trabalhistas, como previdência social e seguro-saúde, e os impostos sobre sua atuação comercial. Do contrário, segundo o estudo, haverá um aumento da desigualdade social e o avanço da precarização do trabalho.
Reinaldo Tavares, 49, trabalha como motorista de aplicativo há mais de cinco anos, cumprindo cerca de 60 horas semanais. A oportunidade de atuar por conta própria, sem patrão e com flexibilidade de horários o motivaram a ingressar na profissão. "É uma jornada puxada, exige determinação, mas gosto do que faço, dirigir e lidar com o público", comentou.
Flexibilidade
Questionado sobre as melhorias que almeja no trabalho, o profissional citou o aumento dos ganhos por hora — hoje, em torno dos R$ 35 —, em vista dos gastos excessivos com combustível e manutenção do veículo. Tornar-se celetista, porém, não é uma opção. "Queremos ser donos do nosso próprio negócio, fazer o nosso tempo e ganhar um dinheiro melhor do que ganharíamos se fôssemos fichados", ressaltou.
Para o futuro, Reinaldo considera trabalhar em mais um emprego, para não depender totalmente das plataformas digitais. O motorista de app relatou se sentir desgastado pela profissão. "Apesar de rejeitarmos um regime CLT, sonhamos com benefícios, como a regulação de direitos, visto que somos reféns dos aplicativos", desabafou.
Em concordância, o entregador Luan Firmino, 35, pontua que, além da desvalorização, com baixa remuneração, longas jornadas e alta competitividade, trata-se de uma profissão arriscada, na qual fica à mercê de assaltos e acidentes de trânsito. "A gente se sujeita a isso porque precisa. Tem que trabalhar muito para conquistar um salário razoável", revelou.
O motoboy, que atua nas plataformas digitais há três anos, não tem confiança de que o regime CLT melhoraria as condições de trabalho. "Acho que, dessa forma, estipulariam muitas regras, nos limitando", disse. Nesse contexto, a facilidade em obter lucros, visto que os ganhos são semanais, está entre as vantagens da profissão.
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