Duas mulheres foram vítimas de tentativa de feminicídio no Distrito Federal em um intervalo de pouco mais de 24 horas. Em um dos casos, o agressor, um sargento da Aeronáutica, de 27 anos, tentou tirar a própria vida em seguida. As duas mulheres, de 35 e 23 anos, seguiam internadas em estado grave até a veiculação desta matéria. Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostram que, entre janeiro e agosto deste ano, 47 mulheres foram vítimas de tentativa de feminicídio.
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Os crimes ocorreram no Gama e em Samambaia. Na manhã de quarta-feira (11/10), um homem identificado como Tiago Nunes Santana, 33, desferiu diversos golpes de faca contra a namorada, de 35, no Setor Oeste do Gama. A Polícia Militar (PMDF) foi acionada para atender uma ocorrência de violência doméstica no local, onde os PMs se depararam com a mulher ensanguentada. As equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) conduziram a vítima, em estado grave, ao Hospital Regional do Gama (HRG).
Tiago fugiu deixando um grande rastro de sangue. O Correio apurou que o autor ostenta uma vasta ficha criminal, incluindo passagens por homicídio. Em 2015, ele foi condenado pela Justiça do DF a uma pena de 18 anos e 4 meses, em regime fechado, por assassinar um homem no Gama. Ainda na região, ele foi preso duas vezes por tráfico de drogas, em 2008 e 2010.
A 20ª Delegacia de Polícia (Gama) divulgou a foto do agressor e pediu ajuda da comunidade para localizá-lo. Quem souber informações que levem ao acusado pode ligar para o número 197, da Polícia Civil. A denúncia é anônima.
Outro caso
Por volta das 5h desta quinta-feira (12/10), mais uma tentativa de feminicídio foi registrada na capital. Dessa vez, um sargento da Aeronáutica, identificado como Kelvin Ruan Gontijo Alves, desferiu um golpe de faca contra o tórax da companheira, uma jovem de 23 anos e sargento do Exército.
O casal mantinha uma relação de cerca de quatro anos, mas as brigas eram constantes, segundo relataram testemunhas ao Correio. Uma mulher que chegou a morar no mesmo prédio dos dois contou que era comum ouvir gritos vindos do apartamento, localizado na QN 316 de Samambaia. "Já chamei muito a polícia para eles. Era raro os dias em que eles não brigavam. Quando se mudaram daqui, foi um alívio", relatou.
Testemunhas contaram à polícia que, durante a madrugada de ontem, a vítima se queixou à mãe de Kelvin que ele estava há duas noites fora de casa. A vítima saiu à procura do namorado e, quando retornaram à residência, Kelvin estava bastante agressivo e tentou bater na companheira.
Em determinado momento, a vítima se trancou no quarto com a filha do casal, de um ano, e Kelvin foi para o banheiro. A mãe do agressor interveio na discussão e deu um remédio para acalmar o filho, conforme a versão dada por ela à polícia. Pouco tempo depois, o casal foi deitar e a mãe de Kelvin acordou com os gritos da nora, dizendo que ele estava em posse de uma faca.
Foram várias tentativas de golpes contra a jovem e um deles acertou. Após o crime, Kelvin tentou tirar a própria vida e se esfaqueou na lateral da barriga, mas foi contido por familiares e levado ao Hospital Regional de Samambaia sem ferimentos graves. Até o fechamento desta edição, ele seguia internado, mas está sob escolta policial e vai responder por tentativa de feminicídio.
Dados
Os números da SSP-DF mostram que, em 48% dos casos das tentativas de feminicídio, o crime só não se consumou por intervenção de terceiros. A eficiência do Samu impediu que 24% das mulheres fossem salvas. Em relação aos locais onde ocorreram os crimes, em primeiro lugar aparecem as ruas, praças ou estacionamentos (28%), seguidos por residência do casal (22%), casa da vítima (20%) e residência do autor (14%).
As facas são o meio mais usado pelos agressores (68%). Depois, arma de fogo (11%) e agressão física (10%). A estatística detalha, ainda, a suposta motivação do crime, estando o ciúme e o sentimento de posse no topo (46%), seguido por não aceitação do término do relacionamento (30%).
Conforme a SSP-DF, de janeiro até o momento, ocorreram 28 feminicídios no DF. Destes, 25 casos foram confirmados e três estão sob análise.
Palavra de especialista
Cristina Alves Tubino, advogada e presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB/DF
Até o presente momento, 28 feminicídios consumados aconteceram ao no ano de 2023 no Distrito Federal. Inúmeras tentativas de feminicídio, que provavelmente são em número muito maior, pois muitas não são registradas. São números assustadores, que confirmam os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: desde 2022 a violência contra as mulheres no Brasil. É uma situação estarrecedora pois mulheres morrendo apenas por serem são mulheres e porque são vistas, pelos homens, como objetos de posse e não sujeitos de direito e iguais.
E, aparentemente, o Estado não tem conseguido proteger as mulheres brasilienses, evitar novos crimes ou dissuadir os agressores. Algumas razões para o aumento claro de atos de violências contra as mulheres são claramente identificáveis: a diminuição considerável de investimento em políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do governo federal durante os anos de 2018-2022, sendo que, de acordo com dados do INESC em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres, desde 2012. A violência de gênero e o fenômeno do backlash.
Atualmente, mais do que encontrarmos os motivos do grande número de feminicídios, buscamos soluções. Infelizmente, as soluções não são simples. Não haverá um ato mágico e repentino que vai fazer com que mulheres parem de ser vítimas de violência. Há a necessidade de que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário do DF, juntamente com a sociedade civil e entidades de força — como a OAB — possam, juntos buscar soluções para o problema. Não apenas visando a punição dos criminosos, mas a prevenção dos crimes.
Por fim, é absolutamente fundamental garantir que as mulheres vítimas de violência tenham conhecimento de seus direitos, acolhimento e escuta qualificada e atendimento das medidas protetivas de urgência requeridas — quiçá com aplicação de medidas mais restritivas — para que possam ser protegidas e não se transformem em estatísticas. O importante é entenderemos que não basta a punição. Se a forma de ver a mulher, de perceber a igualdade entre os gêneros, a educação das nossas crianças, não for mudada, continuaremos sempre com casos de violência contra a mulher.
Onde pedir ajuda
Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local.
Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF).
E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br
WhatsApp: (61) 98626-1197
Site: pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher
Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, além de reclamações, sugestões e elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.
Deam 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia.
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673
E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br
Deam 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia.
Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia
Telefoes: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Whatsapp: (61) 99656-5008, Canal 24h
Secretaria da Mulher do DF
Whatsapp: (61) 99415-0635
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Promotorias nas regiões administrativas do DF
mpdft.mp.br/portal/index.php/promotorias-de-justica-nas-cidades
Núcleo de Gênero
Endereço: Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sala 144, Sede do MPDFT
Telefones: 3343-6086 e 3343-9625
E-mail:pro-mulher@mpdft.mp.br
Defensoria Pública do DF
Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)
Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lotes 4/6, BL 4 Telefones: (061) 3103-1926 / 3103-1928 / 3103-1765
WhatsApp (61) 999359-0032
E-mail: najmulher@defensoria.df.gov.br
Site defensoria.df.gov.br/nucleos-de-assistencia-juridica/
Núcleos do Pró-Vítima
Ceilândia
End.: Shopping Popular de Ceilândia - Espaço na Hora
(61) 98314-0620, das 8h às 17h
Guará
End.: Lúcio Costa QELC Alpendre dos Jovens - Lúcio Costa
(61) 98314-0619, das 8h às 17h
Paranoá
End.: Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D - Parque de Obras
(61) 98314-0622, das 8h às 17h
Planaltina
End.: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, Salas 111/114
(61) 98314-0611 / 3103-2405, das 12h às 19h
Recanto das Emas
End.: Estação da Cidadania - Céu das Artes, Quadra 113, Área Especial 01
61) 98314-0613, das 8h às 17h
Rodoferroviária
End: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04 - Brasília/DF
(61) 98314-0626 / 2104-4288 / 4289
Itapoã
End.: Praça dos Direitos, Quadra 203 - Del Lago II(61) 9 8314-063208:00 às 17:00
(61) 98314-0632, das 8h às 17h
Taguatinga
End.: Administração Regional de Taguatinga - Espaço da Mulher - Praça do Relógio
(061) 98314-0631
Site: sejus.df.gov.br/pro-vitima/
Além disso, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), implantou um novo número, o 125, para receber denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes no DF. A ligação é gratuita.
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