Com exceção do Plano Piloto, o Distrito Federal sofre os efeitos da falta de arborização urbana. De acordo com dados da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), existem cerca de 5,5 milhões de árvores no DF e a grande maioria está plantada no centro da cidade pelo fato dela ser planejada, segundo a empresa. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam que entre as principais consequências da falta de verde nas regiões administrativas estão o aumento da poluição do ar e de ruídos, a piora da umidade do ar e a maximização do fenômeno das ilhas de calor.
A afirmação é ratificada pelo gestor, perito e auditor ambiental Paulo Gregório. De acordo com ele, como resultado da urbanização desenfreada, problemas no ambiente urbano se agravam à medida que as cidades se expandem. "Os problemas urbanos podem ser causados por múltiplos fatores, como expansão demográfica, uso inadequado e compactação, que podem alterar, por exemplo, a arborização, afetando inúmeros benefícios, como estabilidade climática, conforto térmico, melhoria da qualidade do ar e da saúde física/mental dos habitantes", avalia.
Gregório comenta que a diminuição de áreas verdes no espaço urbano é um problema, visto que a presença de vegetação acarreta efeitos positivos aos locais onde está inserida. "As árvores auxiliam na redução da poluição do ar, de ruídos, melhoria da umidade do ar, minimizam o fenômeno das ilhas de calor e, além disso, contribuem para manutenção de ecossistemas frágeis", avalia, apontando que isso também traz consequências para o solo. "A ausência de cobertura vegetal na cidade pode levar a processos erosivos, carreamento (empobrecimento) do solo, inundações, deslizamentos de terra e até a perda de recursos humanos e materiais" alerta o especialista.
Carência
Doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), o ambientalista Christian Della Giustina também enaltece a importância da arborização urbana. "Do ponto de vista local, a arborização combate à formação das ilhas de calor, reduzindo consideravelmente as temperaturas na cidade. Além disso, embeleza o local de vida dos cidadãos e promove bem-estar social", destaca.
Para ele, no caso de Brasília, cabe destacar que, quando a capital foi construída, o cerrado nativo foi substituído, em boa medida, por árvores de fora do nosso bioma. "Hoje, com a mudança de consciência e das políticas públicas em defesa do cerrado, as leis do Distrito Federal determinam a manutenção de áreas de cerrado nativo em novos projetos de expansão urbana", comenta.
Ainda assim, o especialista lembra que grande parte da população vive em áreas irregulares, muitas vezes objeto de grilagem de terra. "Essas áreas ainda carecem de investimentos no sentido de receberem a arborização para que possam se tornar áreas com melhor qualidade de vida, com conforto térmico, convívio com a natureza e com beleza cênica", constata o ambientalista.
Contraste
A aposentada Valdete Rollin, 86 anos, é uma das que nota os benefícios da arborização diariamente. Durante as caminhadas matinais na quadra 310 da Asa Sul, a idosa sempre para um minuto para admirar o belo painel de vegetação e uma palavra vem à mente: tranquilidade. "Acho fundamental. O clima fica bem mais ameno e conseguimos andar sem sentir calor. Além disso, fico mais calma. Parece que o verde tranquiliza a gente", relata.
Valdete, no entanto, chama a atenção para o corte excessivo de algumas árvores. Para a aposentada, o governo investe em obras de mobilidade, remove a vegetação para realizá-las, mas, às vezes, deixa a desejar na hora de plantar novas mudas. "Acredito que cortam muitas árvores para aumentar o fluxo de carros. O certo seria que, à medida que vão cortando, fossem plantando outras", observa.
Só que, em outros locais, a falta de árvores traz, além de calor, frustração. É o caso da auxiliar administrativa Brenda Viana, 28, que enfrenta um verdadeiro clima de deserto em Samambaia Sul. "As árvores fazem muita falta, principalmente quando o tempo está seco", reclama. Ela conta que há dias em que a combinação de falta de árvores e altas temperaturas é tão nociva, que dificulta até um breve passeio com o irmão, de 9 anos. "Acaba que ele tem que ficar o tempo todo dentro do condomínio ou em alguma área coberta", afirma.
Até mesmo os vizinhos de Brenda desabafam uns com os outros sobre a situação, não sendo raro ouvir comentários durante as conversas. "Sempre que vou passear com o cachorro, vejo alguém reclamando. É quase todo dia", admite. A jovem avalia que falta ação do governo na região para resolver o problema. "Deveria haver mais projetos e iniciativas voltadas para a arborização, mas, principalmente, que elas saiam do papel", apontou.
Segregação
Professor titular de urbanismo e planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), Benny Schvarsberg lembra que o Distrito Federal tem uma rica flora e vegetação, bem característica do bioma cerrado, que permaneceu quase inalterado até a década de 1950. "O Plano Piloto foi feliz em conceber uma cidade-parque de amplas áreas verdes criadoras de paisagem urbana propícia à arborização, que ameniza o período de seca, e encanta moradores e visitantes."
Porém, o especialista aponta que o padrão de urbanização de regiões como o Plano Piloto, Parkway e os lagos Sul e Norte, contrasta ambientalmente com outras paisagens urbanas. "Os serviços públicos e a infraestrutura urbana são precários. Em extensas áreas urbanas, como na Estrutural, no Itapoã, no Arapoanga e em assentamentos como Doroty Stang e Miguel Lobato, raramente se encontra arborização mínima adequada", lamenta. "Isso ocorre tanto nos espaços públicos quanto no interior dos lotes, tão pequenos que mal abrigam uma moradia digna para as famílias que ali vivem", acrescenta Schvarsberg.
Segundo o urbanista, a desigualdade no Distrito Federal é acompanhada de enorme segregação socioespacial entre moradores das regiões privilegiadas e aqueles das áreas desprovidas de mínimas qualidades urbanas. "Isso é visível na disponibilidade de arborização. É urgente expandir o conceito de cidade-parque e a tradição do departamento de parques e jardins para todas as regiões", alerta. "O direito à farta e adequada arborização é inseparável do direito à cidade, não só para garantir qualidade urbanística, como para oferecer saúde física, mental e bem-estar a toda a população", complementa o professor da UnB.
O perito ambiental Paulo Gregório acrescenta a importância de se pensar os espaços na cidade aliado a questões ambientais. "A gestão pública e os setores responsáveis pela arborização urbana precisam demandar atenção especial para a necessidade de um bom planejamento, em que se considera a adaptação de espécies arbóreas nativas, inseridos no espaço urbano, a fim de mitigar os danos à urbanização e maximizar os benefícios da arborização urbana", pontua Gregório.
Chefe do Departamento de Parques e Jardins da Novacap, Raimundo Silva conta que as necessidades de arborização e recomposição ambiental são mapeadas por técnicos do órgão. "Após o levantamento, é feita uma análise dos pontos sugeridos. Dessa forma, é elaborado um plano anual com os locais onde as plantas serão cultivadas", salienta.
Trata-se do Plano Anual de Arborização e, de acordo com a Novacap, os plantios são realizados durante o período chuvoso, que compreende de outubro a abril e, portanto, é bienal. "Atualmente, no biênio 2022/2023 está previsto o plantio de 100 mil mudas, das quais, até abril deste ano, foram plantadas 60 mil", detalha a companhia.
*Com Carlos Silva, estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida