REGULARIZAÇÃO

Becos e pontas de picolé em debate no governo e entre a população

Projeto de lei propõe a concessão de uso real dessas passagens adjacentes aos lotes residenciais, na orla dos lagos Norte e Sul. Assunto não possui consenso e abre debate sobre o público e privado

Um projeto de lei do Governo do Distrito Federal (GDF) pretende regularizar os becos e as famosas "pontas de picolé" do Lago Sul e do Lago Norte. Em tramitação na Câmara Legislativa do DF (CLDF), a medida 408/2023 passou por debate entre a base governista e a oposição, com texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última terça-feira (12/9).

A proposta é que seja feita a concessão de uso real dessas passagens adjacentes aos lotes residenciais. O Executivo local argumenta que, em alguns casos, áreas com baixo volume de pedestres não se consolidaram como locais de circulação, por isso, foram pouco urbanizadas. "A inexistência de pavimentação e iluminação pública, associada à pouca utilização das passagens pela população e o reduzido alcance das manifestações das concessionárias de serviços públicos, contribuiu para o seu abandono e depreciação enquanto áreas públicas", disse o GDF, no documento.

O projeto também reacendeu o debate sobre a obstrução de alguns becos que dão passagem à orla do Lago. O fato é visto como prejudicial, no texto, pelas obstruções também dificultarem o acesso a outras áreas. "[...] as referidas obstruções se dão em área pública, as quais em vários casos provocam o aumento do percurso a ser feito por pedestres, podendo dobrar a distância a ser percorrida para acesso ao transporte público, áreas comerciais e institucionais", apontou o governo.

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) explicou que, quando um beco não liga a lugar nenhum, há possibilidade de ser fechado. No entanto, se "o beco representa uma efetiva passagem pública para um ponto de ônibus, comércio ou equipamento público, é necessário ficar aberto", completou a pasta.

Ed Alves/CB/DA.Press - 14/09/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Beco no Lago Sul.

Normas

Apesar da proposta de outorga dessas áreas, há critérios bem estabelecidos do que aqueles que as receberão devem prezar, os quais são descritos em seu artigo 2º. O primeiro inciso estabelece que quem ficar com as áreas deve garantir a livre conexão e livre circulação de pedestres, bem como o acesso franco a espaços e equipamentos públicos.

Além disso, não é permitido interferir nem restringir o fluxo dos pedestres nas rotas acessíveis. Também não devem interferir no acesso às redes de infraestrutura da região e "demais equipamentos urbanos existentes ou projetados". As unidades ainda não devem ter sobreposição nas Áreas de Preservação Permanente (APP).

O contrato de concessão tem prazo máximo de 30 anos de vigência, mas pode ser revogado pela administração pública a qualquer momento, sem direito a indenização. O concessionário deve pagar um preço público, que tem como base de cálculo o "valor venal correspondente ao terreno utilizado para cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)".

Oposição e governo

As discussões permanecem entre os parlamentares da CLDF. O deputado Gabriel Magno (PT), líder da oposição, avalia que a proposição do projeto é de muita importância para a capital. "É muito meritório o projeto de regularizar esse processo da ocupação da área pública no sentido de preservar o espírito da função social da terra, da cidade", avaliou.

No entanto, o petista ressaltou que é essencial que a população das regiões-tema da proposta sejam ouvidas. "Temos recebido diversos moradores, inclusive dessas duas regiões, com opiniões divergentes sobre o projeto. E todos esses, mesmo os favoráveis ao projeto, afirmam que gostariam de ter um espaço de discussão, inclusive para pensar e aperfeiçoar o próprio projeto", assinalou.

A Seduh afirmou que, legalmente, o tema não se encaixa na lista de propostas que precisam passar por uma audiência pública. No entanto, a população foi ouvida em consultas ocorridas entre 9 e 17 de novembro de 2020, na sede da pasta, e em uma audiência realizada em 21 de novembro de 2022.

Para Robério Negreiros (PSD), a proposta busca uma solução para as áreas que estão degradadas, com o fim de assegurar o direito de ir e vir dos moradores e em consonância com a ideia de mobilidade ativa do Lago Norte e Lago Sul. "O que o governo está propondo é apenas a regulamentação. Não existe privatização, pois os becos e as áreas verdes continuarão públicas", explicou.

O líder do governo na CLDF reforçou uma das principais diretrizes do texto. "É importante deixar claro que tudo o que envolve Área de Preservação Permanente (APP) ou passagem de pedestres está proibido na proposta. Isso só vai trazer mais segurança jurídica para toda a população que eventualmente transita pela região", defendeu.

Ed Alves/CB/DA.Press - 14/09/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Beco no Lago Sul.

Palavra de especialista 

Esses corredores de passagem, na verdade, não são destinados à passagem de pessoas. São passagens destinadas à infraestrutura urbana (continuidade das linhas de ligação de fornecimento de eletricidade e de outras concessionárias, incluindo água e esgoto). Esses espaços não deveriam nunca ter sido abertos. Porém, a esta altura do campeonato, fechá-los significa negar um uso que foi se consolidando, isto é, como parte da mobilidade entre as quadras.

Como urbanista, acredito que a solução seja fechar essas áreas para uso exclusivo da infraestrutura urbana, já que são áreas inseguras para a passagem de pessoas. Prova disso, é que alguns desses espaços têm larguras de apenas 1m. Caso o morador incorpore o "beco" ao seu lote, ele será obrigado a abrir seu portão para a realização e verificação de serviços que são públicos. Portanto, vejo o Projeto de Lei como algo lamentável.

É preciso que essas áreas de servidão e passagem sejam protegidas e dedicadas eternamente à função de serviço de infraestrutura da cidade. Assim, devem ser fechadas e colocadas sob a responsabilidade do governo. A incorporação desses espaços às residências vizinhas é desonesta. Ao mesmo tempo, os moradores precisam conhecer o IPTU verde, que pode beneficiá-los, pois corresponde ao serviço que um morador presta quando cuida de uma área que é adjunta a sua propriedade privada e que ele preserva prestando contas.

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto é arquiteto e professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da FAU/UnB.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

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Ed Alves/CB/DA.Press - 14/09/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Beco no Lago Sul.
Ed Alves/CB/DA.Press - 14/09/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Beco no Lago Sul.
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Palavra de especialista

Esses corredores de passagem, na verdade, não são destinados à passagem de pessoas. São passagens destinadas à infraestrutura urbana (continuidade das linhas de ligação de fornecimento de eletricidade e de outras concessionárias, incluindo água e esgoto). Esses espaços não deveriam nunca ter sido abertos. Porém, a esta altura do campeonato, fechá-los significa negar um uso que foi se consolidando, isto é, como parte da mobilidade entre as quadras.

Como urbanista, acredito que a solução seja fechar essas áreas para uso exclusivo da infraestrutura urbana, já que são áreas inseguras para a passagem de pessoas. Prova disso, é que alguns desses espaços têm larguras de apenas 1m. Caso o morador incorpore o "beco" ao seu lote, ele será obrigado a abrir seu portão para a realização e verificação de serviços que são públicos. Portanto, vejo o Projeto de Lei como algo lamentável.

É preciso que essas áreas de servidão e passagem sejam protegidas e dedicadas eternamente à função de serviço de infraestrutura da cidade. Assim, devem ser fechadas e colocadas sob a responsabilidade do governo. A incorporação desses espaços às residências vizinhas é desonesta. Ao mesmo tempo, os moradores precisam conhecer o IPTU verde, que pode beneficiá-los, pois corresponde ao serviço que um morador presta quando cuida de uma área que é adjunta a sua propriedade privada e que ele preserva prestando contas.

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto é arquiteto e professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da FAU/UnB.