Entrevista | Giselle Ferreira, secretária da mulher

Distrito Federal tem 38 tentativas de feminicídio, em 2023

Dados apresentados pela secretária da Mulher, Giselle Ferreira, no programa CB.Poder mostram que combate à violência de gênero ainda encontra dificuldades. Campanha "Não ao Covarde" quer inserir os homens no debate e na conscientização

A violência contra a mulher segue fazendo vítimas pelo Distrito Federal. Na noite do último domingo, uma mulher de 42 anos foi socorrida após o companheiro de 47 anos atirar contra ela na casa em que o casal morava na QR 417, em Samambaia Norte. Segundo a Polícia Civil do DF (PCDF), a vítima está internada em estado grave, enquanto o autor fugiu do local do crime. Entre janeiro e junho de 2023, o Distrito Federal registrou 38 casos de feminicídio tentado. Além disso, a capital chegou à triste marca de 25 mulheres assassinadas por questões de gênero neste ano.

A ocorrência de domingo é investigada pela 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte) como tentativa de feminicídio. De acordo com o delegado-chefe Fernando Fernandes, o casal vivia em uma união estável. A vítima não tinha medida protetiva contra o companheiro. No entanto, há uma informação de que o criminoso já teria tentado contra a vida da mulher. “Essa informação que não chegou a ser registrada na Polícia Civil. No momento, ele se encontra foragido e as nossas equipes estão desde o momento do fato investigando o paradeiro desse elemento”, ressaltou o delegado.

Em relatos para a polícia, vizinhos e pessoas próximas contaram que a convivência do casal era bastante conturbada, especialmente quando eles consumiam bebida alcoólica. “No dia do fato, por exemplo, eles teriam passado o dia em um clube em Ceilândia, fazendo uso de bebida alcoólica. Ao chegar em casa, teria ocorrido algum tipo de divergência e, logo em seguida, algumas pessoas ouviram o som de disparo de arma de fogo e, ao verificarem, a vítima estava lá sentada na sala com a perfuração na altura dos seios”, detalhou o delegado.

Recorrente

O companheiro e principal suspeito do crime tem passagem por violência doméstica contra outra companheira, em 2007, além de passagem de furto e ameaça. Ao Correio, vizinhos contaram que o homem teria fugido de carro. Ele trabalhava com um caminhão de mudança. “A gente sempre ouvia muita música e bebedeira da casa”, comentou uma vizinha. “Eu não vi nada, quando saí de casa a rua estava tomada por viaturas da polícia”, disse outra moradora. Segundo os moradores, a vítima tem uma filha e uma neta.

Na noite do crime, o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) atendeu a ocorrência na QR 417. No local, os socorristas encontraram a vítima com um ferimento de bala no peito. Ela foi atendida e transportada ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC), inconsciente e instável. A mulher está em estado grave e foi transferida para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), onde segue internada na unidade de terapia intensiva. “Segundo o último boletim, não há nenhuma previsão de alta”, destacou o delegado.

Kayo Magalhaes -
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -

CB.Poder — Giselle Ferreira — Secretária da Mulher

Ontem, no CB.Poder — parceria entre a TV Brasília e o Correio —, as jornalistas Adriana Bernardes e Lorena Pacheco entrevistaram a secretária da Mulher, Giselle Ferreira. A chefe da pasta falou sobre a inserção dos homens no combate ao feminicídio e o lançamento da campanha “Não ao Covarde”

Secretária, explica para a gente o que é a campanha “Não ao Covarde”?

Nós terminamos o agosto lilás, que é o mês que completou 17 anos da lei Maria da Penha. É um mês de conscientização da mulher, dela entender quais são os tipos de violências, o que ela pode estar buscando, e juntamente com a Secretaria de Segurança Pública, identificamos que no mês de setembro precisávamos de um olhar diferenciado. Colocar o homem junto conosco, e nós identificamos que o homem falando com seus amigos, ele também nos ajudará a combater esse mal. Falamos covarde no sentido de que quem agride a mulher é um covarde. Precisamos colocar isso, porque vivemos numa sociedade machista.

O que é esperado do homem nessa campanha, para que ele se engaje nela?

Primeiramente é entender que a mulher não é posse, pois em 68% dos casos de feminicídio o homem alegou que a mulher terminou o relacionamento por ciúme excessivo, isso não existe. Eles têm que entender que a mulher não é posse. Se ela quer terminar um relacionamento, o homem precisa aceitar, precisamos mostrar isso para o homem. O homem pode conversar com os homens e também falar para seus amigos: ‘olha, quem agride a mulher é um covarde, a gente precisa tratar a mulher de forma igualitária, precisamos de outras formas de tratar a mulher, não com violência’. Esse é o olhar diferenciado que a estamos querendo. E a violência, ela é muito mais do que física, ela é psicológica, o machismo enraizado, a misoginia. Os homens ainda tem certas brincadeiras que precisam ser inibidas. Precisamos coibir essas piadinhas machistas. Realizamos (a campanha em) parceria com a Segurança Pública para colocar todos, porque a missão da Secretaria da Mulher é fazer essa prevenção, esse acolhimento. Identificamos a importância do homem também estar conosco nesse desafio.

Explica para os homens o que é violência doméstica? Quando é que ela começa? Quando é que ele passou do ponto?

Falamos que é um ciclo da violência antes do feminicídio. Precisa prestar atenção nesses sinais, falamos não só a mulher, mas a família também tem que se envolver e entender os sinais. Eles começam com palavras, com empurrão. Eu falo para menina que está começando a se relacionar, se o rapaz te proíbe de ter amizades, se ele entra na sua rede social, ele te proíbe certos contatos, isso também é uma violência. Precisamos explicar para a menina que a violência não é só física, ela é psicológica, e patrimonial. A violência também não escolhe classe social se o seu companheiro também pega a sua senha, pega o seu cartão de crédito, isso é uma violência.

Qual é a realidade hoje das tentativas de feminicídio no Distrito Federal?

Os dados estão seguindo essa questão do feminicídio, de 2015 para cá, quando surgiu a lei do feminicídio. Então fica oscilando.Uma mulher a menos não é apenas uma mulher que está ali, é uma família que é destroçada. Falamos em dados estatísticos, mas só vamos comemorar quando for zero. Nós estamos em 2023 e um homem não aceita um término de um relacionamento, a mulher ser morta pelos pelo motivo de ser mulher, quando tiver um caso nós vamos estar fazendo todos os esforços pra gente coibir esse mal.

O crime de violência doméstica atinge as mulheres de todas as classes sociais. Mas os números de feminicídio mostram que as mulheres pretas e periféricas são as maiores vítimas. O que esse dado traz pra gente?

Assim que nós assumimos esta gestão da secretaria da mulher, o governador Ibaneis Rocha nos incumbiu de criar mais Casas da Mulher Brasileira. Nesse espaço a mulher vai buscar informação, qualificação, porque entendemos que a autonomia econômica é muito importante, a mulher pensa duas vezes antes de sair de casa justamente por causa dos filhos. Nós estamos trabalhando muito a questão da capacitação, da empregabilidade, fizemos parceria também com a Neoenergia, colocando mulheres como eletricistas, colocando-as no campo e no mercado de trabalho. Essas quatro casas da mulher brasileira nós vamos construir duas pela região norte, porque a gente também tem os dados estatísticos ali em Planaltina. Naquela região ali também tem muito caso de violência doméstica. Vai ter (unidade) em São Sebastião e Sobradinho ll e mais duas na região Sul, que vai ser no Sol Nascente e no Recanto das Emas para a gente levar esses equipamentos para mulher onde ela pode buscar.

Dados mostram que 60% das mulheres vítimas de feminicídio eram mães. A Câmara Legislativa aprovou um auxílio aos órfãos do feminicídio. Fala um pouco dessa questão e da proposta de multa para os homens agressores.

No dia primeiro de setembro, quando lançamos essa campanha “Não ao Covarde”, a governadora em exercício Celina Leão (PP-DF) aprovou em medida emergencial, porque acreditamos muito na legislação, mas precisamos tirar essas leis do papel. Então, assim nós regulamentamos lei dos órfãos do feminicídio, que é um salário mínimo per capita, para esse órfão. É o mínimo, pois sabemos que é um mal que não termina. Ele continua, as crianças continuam sofrendo, geralmente vão para os avós. Por isso, a gente precisa dar esse benefício a essa criança até ela conseguir sair desse mal.

Sobre a questão do machismo nas escolas, a educação é que vai conscientizar. É na educação que o governo está apostando?

Sou professora de formação e eu acredito que na educação. Vamos criar uma nova geração, onde vamos tratar os meninos e as meninas da mesma forma. Conscientizar a todos para pensarem diferente, e o menino entender essa questão de respeito ao próximo. Estamos levando a Lei Maria da Penha até às igrejas, porque a gente entende a importância desses formadores de opinião para levarmos para dentro de casa, porque a segurança pública não consegue colocar um policial em cada residência. Temos medidas protetivas, mas a gente precisa mudar a mentalidade dessa nova geração. Trabalhar com a repressão, que nós estamos trabalhando, mas precisamos também trabalhar na prevenção. Então, a gente está ampliando muito esse trabalho nas escolas e a gente quer levar para o currículo escolar esse tema.

*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida

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Denunciar é dever de todos

Jessica Marques, especialista em criminal e direito da mulher do Kolbe Advogados Associados

O feminicídio é o homicídio baseado no gênero feminino, ou seja, é o assassinato de uma mulher motivado por atos de violência doméstica e familiar ou por sentimentos de menosprezo ou de discriminação à condição de mulher, cujo delito tem uma pena prevista de 12 a 30 anos de reclusão.

Esse tipo de crime não decorre de uma situação isolada. Raríssimas são as vezes que ocorre um feminicídio sem que tenha havido situações anteriores de abuso e violência doméstica.

A Lei 11.340/2006 prevê vários mecanismos de proteção às vítimas de violência doméstica que servem como instrumentos de prevenção de um futuro feminicídio.

Além das medidas protetivas de afastamento e proibição de contato, há instrumentos de amparo à mulher em seu convívio social, familiar, no seu trabalho, bem como a disponibilização de assistência social, jurídica e psicológica, cujas garantias são utilizadas para conferir proteção à mulher.

Tudo é disponibilizado com o intuito de conferir segurança à mulher que pretende se utilizar dos instrumentos legais.

Contudo, não se pode olvidar que a subnotificação dos atos de violência doméstica, seja por falta coragem, dependência emocional ou financeira ou, ainda, por esperança de que o agressor irá mudar, acaba incorrendo em episódios de violência cada vez mais graves e no aumento do número de vítimas de feminicídio.

E é justamente por isso que não cabe somente à mulher fazer respectiva denúncia. É dever da sociedade e do próprio Estado auxiliar o combate da violência doméstica. E, para que haja a prevenção do feminicídio, a mulher deve ficar atenta aos sinais.

A violência doméstica não se trata apenas da violência física, mas também da psicológica, da moral, da patrimonial e da sexual. Ao primeiro sinal de violência, denuncie. É necessário coibir tais ações, pedindo ajuda e denunciando. Atualmente, temos as delegacias especializadas de atendimento à mulher, o disque denúncia 190, central de atendimento à mulher 180, dentre vários outros canais de denúncia.

É imprescindível que haja o trabalho conjunto entre a sociedade, as vítimas e o Estado para que se evite situações futuras de feminicídio.