Setembro Amarelo

Depressão e transtornos de ansiedade ainda esbarram no preconceito. Veja cuidados

Nos seis primeiros meses deste ano, os atendimentos na Secretaria de Saúde do DF aumentaram 21,14% em comparação ao mesmo período de 2022. Combater a estigmatização dos transtornos ainda é um desafio

Um dia de cada vez. O cotidiano de quem anda de mãos dadas com a depressão é assim, "uma luta constante para vencer e viver um amanhã melhor", como definiu Irene*, 54 anos, que convive com o transtorno desde criança. Ela faz parte dos 130.446 pacientes que buscaram atendimento psicossocial nas unidades administradas pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES) nos seis primeiros meses de 2023. Número que apresentou um aumento de 21,14% se comparado ao mesmo período do ano passado.

Diferentemente da tristeza passageira, o sofrimento mental mais sério persiste e pode afetar negativamente a qualidade de vida da pessoa. Isolamento, baixa produtividade no trabalho ou na escola, mudanças nos hábitos de sono e alimentação e irritabilidade crescente são algumas mudanças comportamentais que indicam a necessidade de procurar ajuda.

Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais, Lucas Benevides, psiquiatra e professor de Medicina do Centro Universitário de Brasília (Ceub), cita alguns: estresse crônico, com um estilo de vida acelerado e pressão social; isolamento social, com o advento das redes sociais e a pandemia de covid-19; discriminação, pobreza e falta de acesso a serviços de saúde adequados; e mudanças na estrutura familiar, que podem gerar ambientes menos estáveis emocionalmente.

No caso de Irene, foram as dificuldades familiares que potencializaram sua depressão e ansiedade. "Comecei a sofrer com seis anos de idade, pois minha mãe 'não tinha a mente no lugar' e meu pai era alcoólatra. Lembro-me que eles me levavam para lugares inapropriados, onde eu me sentia vulnerável", relatou.

Os medos, germinados na infância, ainda a acompanham. Mais tarde, se viu diante do desafio de cuidar de um filho com Transtorno do Espectro Autista. "Imagine minha luta para criar esse menino? As pessoas não sabiam o que ele tinha, quando nasceu, e eu me dedicava da forma como conseguia", recordou.

Por indicação de uma amiga, ela conheceu o Centro de Atenção Psicossocial Caps II de Taguatinga, onde faz acompanhamento psicológico desde maio. Desempregada e sem dinheiro para continuar pagando psicólogo e psiquiatra, Irene viu no atendimento gratuito uma grande ajuda. Para ela, a saúde mental afeta tudo. "Se você não está bem emocionalmente, como trabalha e segue sua vida?", questionou. Além do tratamento, o amor ao filho e sua fé não a fazem desistir.

Caminhada

No DF, existem 18 Caps destinados ao atendimento de pessoas com sofrimento mental grave, incluindo aquele decorrente do uso de álcool e outras drogas, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. O serviço ocorre por demanda espontânea ou via encaminhamento por outros dispositivos da rede de saúde ou da rede intersetorial.

A assistência é realizada por equipe multiprofissional, que atua sob a ótica interdisciplinar, composta por psiquiatras, clínicos, pediatras, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, equipe de enfermagem, farmacêuticos, a depender da modalidade do Caps. 

Casos como o de Irene são mais comuns do que se imagina. O Brasil é o país com mais número de ocorrência de depressão na América Latina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dados mais recentes mostram que 11,3% da população apresenta sintomas depressivos, conforme pesquisa Vigitel Brasil, realizada pelo Ministério da Saúde e publicada em 2022.

Buscar ajuda e diminuir o estigma associado à saúde mental são pilares da campanha "Setembro Amarelo", divulgada este mês, cujo objetivo é aumentar a conscientização sobre a prevenção do suicídio. Para Benevides, psiquiatra e professor, embora haja muito a ser feito, cada vez mais as pessoas estão dispostas a procurar ajuda e falar abertamente sobre suas experiências, assim como mais instituições públicas e privadas estão implementando políticas e práticas de bem-estar.

O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e coordenador da campanha "Setembro Amarelo", Antônio Geraldo da Silva, explica que a depressão e os transtornos de ansiedade são mais observados em jovens. "Podemos afirmar que mais mulheres sofrem com os transtornos mentais e com maior foco entre 15 a 29 anos, exatamente na faixa etária em que o suicídio é a quarta maior causa de óbitos no mundo", destacou.

Trata-se de um período no qual o cérebro ainda está em formação, acontecem muitas mudanças hormonais e não há incentivo para a promoção da saúde mental, conforme ressaltou o presidente da ABP — também psiquiatra. "Além disso, o uso excessivo de redes sociais contribui para comparações e até mesmo para questões relacionadas aos corpos e a própria imagem", completou.

Vanessa*, 22, tem transtorno de ansiedade desde criança, mas os sintomas se intensificaram na adolescência, quando as cobranças em relação ao futuro tornaram-se mais frequentes. Em 2021, durante a pandemia, quando o sofrimento tornou-se insuportável, ela procurou ajuda. "Foi um período que potencializou muito medo e insegurança", desabafou.

Desde então, ela faz terapia, acompanhamento psiquiátrico e toma medicação. Além disso, desenvolveu ferramentas de autoconhecimento para lidar com os momentos mais difíceis. "Escrevo, assisto a filmes e séries e converso com minha rede de apoio, que são minha família e meus amigos", disse.

A jovem lembra que, antes de tudo, é importante normalizar o cuidado com a saúde mental, tal como se preza por qualquer outra parte do corpo. "Ninguém questiona uma pessoa que quebrou o braço. Então, por que indagar aqueles que se abrem sobre suas emoções e pedem ajuda profissional, quando precisam?", argumentou.

Nesse viés, ela recordou que conversar com os amigos acerca do tema foi mais fácil do que com a família. "É preciso entender que a nossa família é composta por pessoas que viveram contextos, muitas vezes, diferentes de nós, mas ter esse diálogo também os ajuda. É bom compartilhar a vida com eles".

Para Vanessa, o processo de busca por saúde mental e o exercício de autoconhecimento, acolhimento e autocuidado psicológico não é uma linha reta nem tem uma linha de chegada. "Em alguns dias, você vai estar pior; noutros, vai estar melhor. É como um batimento cardíaco, sabe? Sobe e desce, sobe e desce", comparou. O ideal, segundo ela, é buscar formas de lidar com o transtorno mental da forma mais saudável possível. "Ele [o transtorno] não te resume, você mais que isso. Mas é uma parte da sua vida. É uma caminhada", ressaltou.

*As entrevistadas usaram nomes fictícios

Caio Gomez - Revista Liberdade Terapêutica antimanicomial tratamento humanizado

Palavra de especialista

Dra. Elisa Reifschneider, psicóloga clínica, coordenadora do Grupo Entrelinhas — CAEP/IP/UnB

Suicídio é uma questão de saúde pública extremamente importante. Embora atinja a muitas pessoas, parece por vezes um tema muito técnico, inacessível. Falar de suicídio é falar sim do apoio especializado necessário a quem está em crise, mas é falar também e muito da promoção da saúde mental no dia a dia. É falar da construção de espaços acolhedores e acessíveis a todos, de relações de trabalho justas e dignas, do respeito à diversidade de vivências afetivas, do respeito a corpos diferentes, da normalização da busca por profissionais de saúde mental, e do acesso a estes, diante de dificuldades nesta esfera.

É falar da necessidade de pausas, da experiência universal de se estar errado às vezes, do quanto somos expostos à positividade tóxica. É falar, enfim, da imperfeição inerente à condição humana e da importância da acolhida de quem somos por inteiro.

Suicídios não são apenas fruto de sofrimento individual e familiar. A forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos, e como isso foi construído historicamente, está na base da questão. A prevenção é, portanto, um cuidado que deve ser compartilhado também.

Entender este contexto maior é um passo importante. E é importante também, ainda que diante deste contexto, fazer o possível para cuidar de si. Além do tripé bastante conhecido de sono adequado, alimentação saudável e movimento físico, podemos tentar cuidar da nossa saúde mental lançando mão de diversos outros recursos.

Podemos fortalecer nossa habilidade de resolução de problemas, aprender a manejar nosso tempo e estabelecer limites, investir nas amizades que são importantes para nós, resguardar espaços de lazer, ter contato com a natureza. Podemos buscar ajuda para entender e aprender a manejar nossas emoções, nos capacitar a utilizar formas de comunicação mais saudáveis, treinar a nossa flexibilidade mental. Podemos compartilhar nossas dores, estender um ouvido amigo e sempre buscar ajuda. Fica o convite: qual é a menor coisa que você pode fazer hoje, por você e por outros, que vai na direção de uma vida mais saudável e feliz? Talvez seja possível começar por aí.

Onde buscar ajuda

O Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de prevenção do suicídio e apoio emocional, 24 horas por dia e 7 dias por semana, inclusive aos feriados e finais de semana. Todas as pessoas que querem e precisam conversar podem ligar para o telefone 188 (sem custo de ligação), ou pelo site www.cvv.org.br, via chat e e-mail (apoioemocional@cvv.org.br). O sigilo e o anonimato são garantidos. Em 2022, foram cerca de 3,4 milhões de atendimentos, feitos por cerca de 3.500 voluntários em 100 postos de atendimento.

"O anonimato permite à pessoa que procura o CVV se expressar livremente pelo tempo que ela quiser e da forma como se sentir mais confortável, pois, ao conversar com alguém que não conhece, muitas vezes ela consegue falar sobre coisas que normalmente não conseguiria, talvez até por medo do julgamento ou de críticas", explicou Leila Herédia, porta-voz do Centro. Vale lembrar que o voluntário não direciona ou aconselha quem liga, dado que a ideia é a pessoa poder encontrar dentro dela os recursos e os caminhos que busca. "Caso perguntem ao voluntário onde encontrar atendimento profissional, ele informará sobre a rede pública de saúde", disse Leila.

Quem desejar ser voluntário, deve passar por um curso de capacitação e seleção (conforme a agenda de cada cidade), ter mais de 18 anos, dispor de pelo menos quatro horas e meia por semana e ter vontade de ajudar as pessoas. Pessoas que quiserem se inscrever, podem acessar o site, cvv.org.br, na aba seja voluntário.

- Centros de Atenção Psicossocial (CAPs): O acesso é gratuito, bastando levar documento oficial de identificação com foto, Cartão Nacional do SUS (Cartão SUS) e comprovante de residência (requisitos não obrigatórios para pessoas em situação de rua). Acesse o link abaixo para se informar sobre o funcionamento do CAPS mais próximo a sua casa.

- Centro de Orientação Médico — psicopedagógico (COMPP): atendimento multidisciplinar voltado para crianças de até 12 anos com sofrimento mental moderado.
Segunda à sexta, das 7h às 19h
Endereço: Setor Médico Hospitalar Norte - Asa Norte
2017-1992 / 2017 1991
colegcompp@gmail.com

- Adolescentro
Atende adolescentes dos 12 a 17 anos, 11 meses e 29 dias com transtornos mentais moderados ou uso eventual de substâncias psicoativas.
Segunda à sexta-feira (exceto feriados), das 7h às 12h e das 13h às 18h
Deve ser encaminhado da sua UBS de referência para marcar um atendimento inicial
Endereço: SGAS II SGAS 605 33/34 — Brasília/DF
(61) 2017-1991
adolescentro.df@gmail.com

- Ambulatório de Diversidade de Gênero — Ambulatório TRANS: acolhimento de pessoas LGBTQIAP+, cujo serviço tem como princípios o direito à cidadania e à despatologização das identidades e expressões de gênero.
Segunda a sexta-feira: 7h às 12h e das 13h às 19:00h
Endereço: EQS SUL 508/509, Asa Sul.
(61) 3242-3559

Atenção: para casos de crise, ou seja, quando a pessoa está colocando ela mesma ou outros em risco, é indicado ligar para os serviços de emergência ou ir até um hospital geral. 

Para acessar a Cartilha completa, com todos os locais, seus contatos e endereços, acesse o link: https://shre.ink/a0fJ

Fonte: Cartilha de acolhimento em saúde mental no DF, produzida pelo Bloco do RivoTrio.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Machado

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