Nos corredores da ala pediátrica do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), Kevelyn Lorrane, 26 anos, é conhecida por médicos, enfermeiros e psicólogos. Há três meses, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde o filho Vinícius respira por aparelhos, virou sua casa. O lar verdadeiro, frequentado antes da internação, ela visita duas vezes por semana, quando a sogra ou a cunhada podem ficar com seu bebê. Da filha mais velha, quem tem cuidado por mais tempo é sua mãe.
Em muitos hospitais, essa é a realidade de mães como Kevelyn, que, além de todas as demandas majoritaria e culturalmente destinadas às mulheres, tornam-se as principais cuidadoras de seus filhos. Ao mesmo tempo em que não abrem mão de estar com eles, sentem-se exaustas: os desafios de uma internação prolongada são muitos.
Na UTI pediátrica, Vinícius ocupa um dos 16 leitos disponíveis. A mãe explica que o pequeno é famoso entre a equipe da ala. "Ele puxou a mim, tem personalidade forte. É chorão, nervoso e tem gostos bem definidos", conta Kevelyn, aos risos. Até receber a notícia, aos oito meses de gestação, que o filho tem uma má formação nas pernas, ela trabalhava como doméstica. Devido às dores e à preocupação, demitiu-se. O bebê nasceu prematuro e com suspeita de uma síndrome respiratória. Nunca foi amamentando e, desde então, segue internado. "Brinco que agora sou funcionária do Vinícius", completa.
Um dia de cada vez
O início da internação foi o momento mais desafiador para a mãe. "Me sentia devastada e orava todos os dias para poder ao menos pegá-lo no colo". Aos poucos, a doméstica fez amizades com as profissionais que a ajudam a cuidar do filho, definidas por ela como "amorosas e atenciosas". Além disso, apegou-se a outras mães, unidas pelas dificuldades. "A parte triste desses laços que criamos é que, quando elas vão embora, vejo que ainda continuo aqui. Sempre espero pela minha vez", lamenta.
Kevelyn sente falta de pequenos detalhes do lar — comer o que quer, dormir na própria cama e utilizar o seu banheiro. "Vivo um dia de cada vez. Tem dias que eu venho e fico bem; mas, tem outros, que eu sofro, sinto saudades de casa, da minha filha, da minha vida. Mesmo assim, fico com ele com todo o amor do mundo e vou ficar até quando for necessário", desabafa, emocionada.
No Hmib, ela recebe apoio psicológico, participa de oficinas de amigurumis (bonequinhos de crochê) e de reuniões com outros pais. No momento, sente-se esperançosa: Vinícius está na melhor fase, e se continuar nesse ritmo, talvez tenha alta da UTI nos próximos 30 dias. Sobre o futuro, ela ressaltou que pensa em buscar alguma formação em enfermagem para aprimorar os cuidados com o filho.
Redes de apoio
No Hmib, conforme informações da diretora de Atenção à Saúde, Andréia Araújo, doenças raras que precisam de maior investigação, crônicas, como as pulmonares e renais, e infectoparasitárias são as que demandam permanências mais longas. Segundo a Secretaria de Saúde, os hospitais que possuem maternidade e internação infantil contam com equipe de psicologia para dar assistência às mães que ficam mais tempo no espaço ou que a equipe médica percebe a necessidade de uma ajuda psicológica mais intensa.
A pasta informou, ainda, que o Hospital Regional do Gama (HRG), por exemplo, possui a Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais (UCIN), na qual as mães têm acesso aos bebês a todo momento e são assistidas pelos médicos, enfermeiros, nutricionistas e enfermeiras do Banco de Leite. Quando é necessário, elas também têm acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais.
No Hmib, Andréia Araújo, também ginecologista e obstetra, reforçou ser necessário olhar integralmente para a família, não apenas para a criança que precisa de assistência. Lá, há uma equipe interdisciplinar composta por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais que visa acolher essas mães. "Temos espaços internos de convivência, além de um jardim, onde elas podem pegar sol e ficar ao ar livre", explica.
Ademais, há muitos grupos de voluntários que frequentam o ambiente hospitalar para tentar levar um pouco de conforto às famílias. Vão desde serviços de apoio religioso a equipes que querem oferecer alguma oficina ou atividade, como apresentação de peças teatrais. Organizações que desejarem ofertar essas ações devem se cadastrar via SEI e aguardar a avaliação da Comissão de Voluntariado do hospital.
Emocional abalado
A costureira Eva Aparecida, 22 anos, por exemplo, recebeu doações de grupos voluntários e de outras mães para montar o enxoval de Jamile, de 4 meses. A descoberta da gravidez ocorreu três dias antes do parto, depois de um sangramento, e a bebê, por nascer prematura, precisou ir para a UTI neonatal. Lá, a pequena pegou uma bactéria que alongou seu período na incubadora. Há quatro meses está no hospital.
Há oito dias, porém, Jamile ganhou alta e foi para a ala pediátrica do Hmib, onde pode dividir parte do espaço do quarto com sua mãe, que se alojou no ambiente para cuidar integralmente da filha. Antes, Eva, que mora na Estrutural, pegava quatro ônibus por dia para visitar sua bebê. Apesar de ter tido complicações no parto, precisando passar por duas raspagens, a jovem teve pouco tempo para se recuperar. "Era cansativo, mas minha filha precisava de mim", recorda.
Seu estado emocional, segundo ela, ficou bastante abalado. Primeiro, pelo choque de descobrir-se grávida pela segunda vez e ter um parto traumático e, depois, pela situação delicada da filha. "As psicólogas vinham conversar comigo, me acalmar. Agora que estou internada, costumam orientar que, quando possível, eu fique um pouco ao ar livre, caminhe e me distraia".
Sua primogênita está aos cuidados da avó, com quem Eva e Jamile irão morar quando saírem do hospital. A pequena, que nasceu com 700g, já está com 3kg e, se continuar nesse ritmo, receberá alta em breve. "Não vejo a hora de levá-la, finalmente, para casa e apresentá-la à irmã", finaliza.
Superação
Quando a servidora pública Elisa Silveira, 45, estava recém-operada da cesária, passou por um susto que mudou sua vida. O filho Rafael, então com 12 dias de nascido, engasgou-se com o leite e foi levado imediatamente ao hospital. Precisou ficar internado e, nesse meio tempo, contraiu uma bactéria de difícil combate. Chegou a tomar 18 medicamentos na veia.
"Rafael ficou tão mal que eu senti o olhar de luto na equipe do hospital. Foram dias de muita luta", emocionou-se. Ela, que se internou com o pequeno, conseguiu a permissão da equipe para levar uma amiga da igreja para orar por ele. Aos poucos, o bebê se recuperou, totalizando 93 dias de internação. Desses, foram 60 dias sem poder pegá-lo no colo.
Para Elisa conseguir ir em casa, ficar um pouco com a filha mais velha, contava com o apoio da mãe, que considera fundamental. "Na época, abdiquei dos meus próprios interesses e sequer senti os incômodos da cesária. Sinto como se o meu corpo tivesse suprimido a dor física devido às preocupações. A síndrome de down, nossa preocupação durante a gestação, virou uma mosquinha. Só queríamos que ele se recuperasse", desabafa. "O importante é meu filho estar bem e vivo. Percebi que muitas pessoas que se diziam amigas, afastaram-se. Redes de apoio são essenciais", reflete. Hoje, Rafael está com 4 anos, faz educação precoce e ainda terá que passar por uma operação para fechar o orifício por onde fez a traqueostomia.
Palavra de especialista
Em primeiro lugar, é importante que as mães busquem apoio emocional, por meio de terapia individual ou em grupo, de forma a encontrar suporte e um espaço seguro para compartilhar as emoções. Além disso, cuidar da saúde física é fundamental, por meio de uma alimentação mais equilibrada e, na medida do possível, descanso e exercícios físicos. Buscar atividades que proporcionem prazer e relaxamento, como meditação ou leituras.
O ideal é manter uma comunicação aberta com a equipe médica e de enfermagem, envolvendo-se no plano de tratamento e colocando-se à disposição para entender o que está acontecendo com seu filho, ação que traz maior sensação de controle e participação ativa no processo.
Congregações e igrejas que a família participava antes da internação podem trazer um suporte emocional, para que ela possa desabafar, compartilhar experiências e receber conselhos. Já as pessoas próximas podem ajudar com demandas mais práticas, como cuidar dos outros filhos dessa mãe e auxiliar nos afazeres da casa. Grupos dedicados aos pais que enfrentam situações semelhantes também são reconfortantes, pois permitem a conexão com demais mulheres, que se acolhem.
Os hospitais devem oferecer informações claras e precisas sobre o estado de saúde da criança, reduzindo as incertezas e aliviando a sensação de impotência da família, além de disponibilizar recursos para apoio psicológico, como terapias individuais ou em grupo. A presença de um assistente social para orientar a mãe a buscar suporte, às vezes até financeiro, também é fundamental. Ademais, é válido que a instituição crie espaços onde as mães possam descansar ou se envolver em atividades de autocuidado.
Ana Paula Nascimento, psicóloga, que também já atuou como enfermeira
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