Crime

Golpistas pagaram R$ 30 mil de entrada em carro de falso financiamento

Foram cumpridos quatro mandados de prisão temporária contra grupo criminoso acusado de usar nome de vítimas para financiar automóveis e motos em concessionárias do DF

Uma das vítimas do golpe de financiamento de veículos novos em concessionárias do DF, teve duas motocicletas e um carro comprados ilegalmente. Trata-se do funcionário público Thiago Magalhães Ferreira, de 34 anos. O grupo criminoso deu entrada no valor de R$ 30 mil em um carro avaliado em quase R$ 118 mil. E uma das motos, avaliada em mais de R$ 28 mil, foi dada outra entrada de R$ 11 mil.

Thiago, que é sócio de uma empresa da família dele, conta que recebeu contato de uma pessoa que se dizia correspondente bancária e que iria montar uma pré-proposta de crédito para alavancar a companhia. “Nunca foi cogitado que seria para financiamento em nome de pessoa física, principalmente no financiamento de veículos”, confessa o morador de Taguatinga.

Ele diz que, em 23 de janeiro, recebeu um e-mail do sistema de notas no qual os suspeitos tentavam passar uma procuração de Minas Gerais a ele, referente a um veículo. Thiago foi buscar mais informações para comprovar a veracidade e entrou no sistema do Banco Central onde comprovou que havia financiamento dos veículos. Depois foi à 17ª DP (Taguatinga) para registrar o boletim de ocorrência.

“Fico bem triste porque a gente batalha tanto para poder manter o nosso nome em dia, e pessoas, com tanta facilidade, cometem fraude e bagunçam a nossa vida. É um grande dano, tanto psicológico quanto financeiro”, lamenta o servidor público.

Na operação desta quarta-feira (30/8), chamada de Financiamentos de Pinóquio, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) cumpriu quatro mandados de prisão temporária contra os suspeitos. A investigação foi realizada pela 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte), que confirmou que os criminosos usavam os dados de vítimas que acabavam ficando com o nome endividado.

Também foram cumpridos quatro mandados de buscas e apreensão e cinco bloqueios de contas bancárias em Sobradinho, Taguatinga, Lago Norte e Goiânia. Os acusados anunciavam os veículos em redes sociais e em um site de vendas. “As próprias vítimas os procuravam caindo na falsa proposta de empréstimo pessoal”, explica o delegado-chefe da unidade, Erick Sallum.

Segundo ele, o valor da entrada variava de acordo com o veículo, e ficava aproximadamente 10% menor do que o preço total do produto. “Sempre na faixa de R$ 80 mil a R$ 150 mil. Nas buscas na casa da líder, em Goiânia, foram encontradas motos, um Fiat Toro, uma Ranger S10 e Volkswagen Golf”, detalha o investigador.

Assista a seguir um vídeo da apreensão de uma moto e um carro.

 

PCDF/Divulgação -
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Advogada de vítima entrou com ação na justiça

Após saber da cobrança indevida por parte da concessionária, a advogada de Thiago, Evanilde Alves Rodrigues reuniu os dados do golpista e foi com o cliente à 17ª DP (Taguatinga) para registrar o boletim de ocorrência por estelionato. “Depois, entrei em ação judicial cível contra os bancos para que fossem suspensas as cobranças em nome dele e que o juiz retirasse o nome dele do SPC e do Serasa. Ainda tem uma negativação de um banco que se rejeita a retirar”, relata. Em seguida, o caso foi enviado para a 9ª DP (Lago Norte).

Evanilde entrou na Justiça contra as concessionárias por danos morais pelas cobranças e por causar fragilidade ao cliente dela na compra dos veículos. No escritório onde trabalha, ela diz que o caso não foi uma novidade porque é comum os fraudadores usarem essas artimanhas para aplicar o golpe. “O que vi foi a vulnerabilidade do banco com o consumidor”, afirma.

A advogada confessa que a cada dia percebe uma maior expertise dos bandidos e falta de temor em serem presos pelo crime de estelionato. “Um dos fraudadores estava passando os veículo para terceiro e teve que fazer videoconferência com cartório de Minas Gerais, e um dos fraudadores se parece com o meu cliente”, conta Evanilde.

Modus operandi do crime

De acordo com a PCDF, o esquema era feito a partir de falsos financiamentos em nome das vítimas que acabavam negativadas no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Serasa. Além disso, as pessoas eram cobradas judicialmente a pagar as dívidas e a concessionária passava a cobrar a dívida da vítima, que não sabia do ocorrido.

Os investigados foram indiciados pelos crimes de estelionato, falsificação de documento público, falsa identidade, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Somadas, as penas ultrapassam 35 anos de reclusão.

Após aceitar o empréstimo, enviar e assinar os documentos, a vítima era bloqueada pelo criminoso no WhatsApp. O suspeito sumia sem concretizar a proposta, e os dados eram repassados para outro criminoso falsificar as procurações em Goiânia, dando poderes para contratação e retirada de veículos nas concessionárias. Com a procuração em mãos e com a ajuda de vendedores da própria loja, os criminosos conseguiam o financiamento de um veículo novo em nome da vítima e, após pagar uma pequena parcela de entrada, retiravam o carro e desapareciam.

Para finalizar o golpe e obter o lucro, os criminosos vendiam o carro para outras pessoas. Um dos criminosos usava o serviço de um cartório de Minas Gerais, que emite procurações por videoconferência, para concretizar a venda e transferir o veículo. Dessa forma, o suspeito se passava pela vítima em nome de quem o financiamento estava feito. Após as investigações, a 9ª DP identificou pelo menos cinco veículos novos obtidos de forma fraudulenta nas concessionárias no DF. A Polícia Civil confirmou três vítimas lesadas.

“A investigação também detectou que a negligência das próprias concessionárias tem estimulado esse tipo de dinâmica delitiva, os precários sistemas de conferência de documentos, frouxidão no procedimento de contratação e a cegueira deliberada para bater metas facilitam a atuação dos estelionatários”, detalha Erick.

Depois da imprudência na contratação e do desaparecimento do carro, o investigador explica que as empresas buscam a Polícia Civil para tentar recuperá-lo. “Orientamos o setor jurídico das concessionárias a aprimorar seus protocolos internos”, destacou o delegado-chefe da 9ª DP.

A PCDF alerta a população a não fornecer documentos e dados pessoais a terceiros durante conversas em aplicativo de mensagens. “Esses documentos poderão ser usados para todo tipo de golpe. Uma vez que esses dados e documentos caiam na posse dos estelionatários, as dores de cabeça para tentar limpar o nome serão grandes. A melhor defesa é a prevenção”, finalizou Erick.