O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e o dono do Sítio das Neves, Eugênio Giovenardi, 89 anos, assinaram o primeiro termo de compromisso de servidão ambiental firmado no Distrito Federal. A área de 70 hectares reúne o que há de mais belo no cerrado. É um trabalho de regeneração com mais de 40 anos. O Sítio das Neves se tornou referência na revitalização natural de áreas degradadas. Após a assinatura do termo, o local se torna uma área de preservação ambiental permanentemente, não podendo ser usada para outro fim.
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Com objetivo de proteger as nascentes e todo curso da água, visando regenerar naturalmente o ecossistema da região, Eugênio Giovenardi iniciou há quatro décadas um intenso trabalho de recuperação ambiental. Uma das primeiras ações do proprietário, ao ver a área deserta, foi a de tomar medidas urgentes para garantir que as chuvas não lavassem o solo e levassem sedimentos para os córregos. A primeira ação foi evitar a queimada anual e impedir o corte de árvores. Em seguida, levantar pequenas barreiras para reduzir a velocidade das águas que saíam das nascentes. "O propósito inicial dessas barragens era de conter as enxurradas nos períodos de chuva, e conseguir segurar a água por mais tempo para absorção do solo", pontua.
Eugênio ressalta que não plantou nenhuma árvore e que todo o trabalho de regeneração do local foi realizado pela própria ação do tempo. "A natureza tem milhares de sócios e eu sou um deles, mas sou talvez o menos produtivo. Sócios de verdade são os cupins, insetos, passarinhos, morcegos", reforça. O escritor e ambientalista sempre teve o desejo de transformar a propriedade em um local de preservação ambiental. Após ir atrás de órgãos ambientais e esperar os transmites legais, assinou no último dia 18, o termo de servidão ambiental com o Ibram. "Foi uma decisão tomada em família e nós realmente queríamos isso. E também estamos pensando em criar uma associação de amantes do cerrado para que, no futuro, continuem o nosso legado", garante.
O proprietário do Sítio das Neves diz que, após estudos realizados por geólogos no local, foi comprovado que atualmente 75% das águas das chuvas que caem na região são absorvidas pelo solo. "A água em maior abundância me abriu os olhos. Famílias de pássaros se instalaram em diferentes partes do sítio, uma variedade de arbustos, flores e sementes reapareceu, animais voltaram a habitar essa área. São leis da natureza e estas funcionam", frisa.
Preservação
Para o doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Christian Della Giustina, a possibilidade de proprietários de terras contribuírem para a preservação do cerrado é bem-vinda. "É uma estratégia de conservação para complementar às unidades de conservação geridas pelo Estado", declara. Segundo Christian, o avanço da fronteira agrícola e das cidades tem ameaçado a preservação da fauna e da flora e se tornam necessárias ações que busquem a preservação do meio ambiente em terras particulares. "A preservação se reverte em qualidade de vida para o ser humano nas cidades e no campo. Além de permitir que toda vida silvestre se perpetue", salienta.
O especialista afirma que muitas vezes o Estado não tem condições de conservar todas as áreas de preservação de maneira correta, em que há diversos parques que estão precários. "A contribuição do cidadão comum é essencial, pois essas regiões viram refúgio para a fauna e mantêm a área de vegetação nativa", salienta.
Giustina lembra também que a principal ação degradante do meio ambiente é a grilagem de terras. "O Estado é muito ineficiente para coibir essas invasões. Observamos várias áreas que estão ociosas, sem a devida fiscalização. Nesses locais a degradação acontece", ressalta.
Conversa com a natureza
Eugênio conhece o sítio como a palma da mão e lembra a história de quando estava projetando o caminho para os carros trafegarem da porteira até sua casa. O caseiro da época, Eliseu, alertou que os galhos de uma das árvores poderiam atrapalhar a passagem dos veículos, mas o ambientalista avisou que, se necessário, mudaria o trajeto dos carros, mas não cortaria um galho da árvore. "Essa árvore não tem um galho sequer virado para a parte da estrada, eu falo que ela nos escutou e colocou seus galhos somente do outro lado. Batizei a árvore de Eliseu, em memória ao meu caseiro", declara.
Para Eugênio, o segredo da recuperação do cerrado passa por guardar a água das chuvas, e explica que realizou mais de 120 barragens em todo sítio. "Quando chove, isso aqui (barragem) fica cheio por seis meses. E, com o tempo, vai esvaziando, mas até esvaziar a água teve tempo de infiltrar", diz. Eugênio é sociólogo e estudou por muitos anos a relação entre pessoas, e explica que atualmente é um "eco sociológico", no qual estuda a relação entre os seres. "Precisamos aprender a conversar com a natureza. Perguntar para a árvore como passou o dia, como ela está. Parece infantil, mas são essas coisas que fazem a diferença", salienta.
Maravilhada pelo cerrado, Hilkka Mäki, 87, é natural da Finlândia e, após se casar com Eugênio, se mudou para Brasília e se apaixonou pelo Sítio das Neves. "Aqui é o cerrado fechado, como deveria ser. Tudo da forma mais natural possível", observa. A jornalista aposentada explica que o termo assinado é de extrema importância, pois hoje são diversas as ameaças ao cerrado. "Aqui está salvo de qualquer perigo que possa vir depois. As pessoas poderiam vender, fazer condomínio, mas não. Agora é área de preservação permanente", revela.
Compromisso
Visando preservar os 70 hectares de cerrado do Sítio das Neves, o termo de compromisso de servidão faz com que a área se torne um lugar de preservação permanentemente. O presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Rôney Nemer, explica que o cerrado é o berço das águas e que parceiros como o Eugênio Giovenardi são essenciais na luta contra a grilagem de terras. "Todo mundo que, de forma espontânea, ao invés de ganhar dinheiro, escolhe contribuir com o meio ambiente de Brasília e do mundo é sempre bem-vindo", ressalta.
Rôney diz que, ao saber da atitude de Eugênio, muitos proprietários de terras buscaram o Ibram para transformar seus lotes em áreas de preservação. "Os grileiros invadem terras abandonadas e destroem tudo. Nós temos feito grandes parcerias para combater a grilagem de terras, impermeabilização do solo e o aterramento das nascentes", salienta. "Por isso, nós fizemos questão de assinar o termo no Sítio das Neves. Foi uma experiência fantástica para mim e para o meio ambiente", destaca.
*Texto de José Augusto Limão,
estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira