Violência contra a mulher

Feminicídio: brutalidade e covardia tiram mais uma vida feminina no DF

O Distrito Federal chegou à triste marca de 25 mulheres assassinadas por questões de gênero em 2023. A catadora de recicláveis Andreia Crispim, de 50 anos, foi encarcerada e morta, em casa, pelo ex-companheiro. Autor foi morto em confronto com a PMDF

Em um intervalo de nove dias desde a última ocorrência registrada, mais uma vida feminina é perdida para a brutalidade e o Distrito Federal chega à intolerável marca de 25 feminicídios desde 1º de janeiro deste ano. Andreia Crispim de Lima Silva, 50 anos, entrou para a triste estatística de mulheres mortas em razão do gênero. Os pedidos de socorro, os boletins de ocorrência e as medidas protetivas solicitadas pela catadora de recicláveis não foram suficientes para impedir a barbárie. 

Por volta das 23h55 de quinta-feira (24/8), policiais militares foram acionados para atender uma ocorrência de violência doméstica na Quadra 4 da Estrutural. Ao chegarem no local, as equipes foram recebidas por um homem em posse de uma faca. Luis Carlos Ferreira de Vasconcelos, 35, estaria mantendo a ex-companheira em cárcere privado. Um vídeo divulgado pela corporação mostra o momento em que os PMs chegam ao local e tentam negociar a rendição do autor. Um militar efetua um disparo com uma arma de choque para tentar conter o agressor e, na sequência, é possível ouvir três tiros de arma de fogo. 

Segundo a PMDF, Luis teria avançado contra a equipe. Atingido, ele foi socorrido pelos militares do Corpo de Bombeiros. O agressor foi levado ao Hospital de Base, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na madrugada. Andreia apresentava ferimentos no rosto, estava em parada cardiorrespiratória e foi atendida, às pressas, pelos bombeiros, que não conseguiram reverter o quadro. Ela morreu no local.

O caso é investigado pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam 2). Os policiais civis fizeram, na manhã de ontem, diligências para apurar o crime. A delegacia prossegue com as apurações e exames periciais visando à juntada das peças ao inquérito policial e remessa dos autos conclusos à Justiça do DF.

Denúncias

Andreia levava uma vida humilde. Moradora da Estrutural, a mulher trabalhava como catadora de recicláveis e, por quase seis anos, exerceu a função ao lado do ex. Vítima e agressor tinham uma relação conturbada, com idas e vindas, segundo testemunhas informaram à polícia. Luis era usuário de drogas e álcool. O primeiro registro à polícia feito por Andreia por violência doméstica foi em 2017. Segundo consta nos autos do processo, em 8 de dezembro daquele ano, o agressor ameaçou a catadora dizendo que, caso ela chamasse a polícia, cortaria ela e a família em pedaços. No dia seguinte, o homem invadiu a casa de Andreia e revirou vários móveis.

Por esses fatos, a mulher requereu medidas protetivas de urgência, que foram deferidas com a finalidade de afastar o homem do lar do casal, mas a ordem não foi cumprida pelo ex. A vítima chegou a se reconciliar com ele, após ele afirmar que iria mudar de vida e parar de beber e usar drogas.

No entanto, em dezembro de 2021, Andreia procurou por ajuda novamente, afirmando que Luis havia ameaçado matar as netas e os filhos dela, de uma relação anterior, além de tirar a vida da vítima, caso ela fosse à polícia. De acordo com uma denúncia de março do ano passado, a catadora de recicláveis relatou que, nos primeiros três anos, a relação com o ex era harmoniosa, não ocorrendo nenhum episódio de agressão. No entanto, Luís voltou a usar drogas e consumir bebidas alcoólicas, passando a agredi-la verbal e fisicamente.

No dia 24 daquele mês, Andreia disse que iria sair de casa e Luis entrou no carro dela, dizendo que iria acompanhá-la. Ao parar em um quiosque para comer, o ex-companheiro seguiu para um bar e consumiu bebidas alcoólicas. Quando voltaram para o carro, Luís estava com uma faca e começou a xingá-la. "Você merece morrer, sua vadia!", relatou a vítima. Diante da situação, ela parou o carro próximo a uma viatura da polícia e relatou as agressões. 

Em mais um dos relatos da vítima, ela contou que o ex era uma pessoa violenta e que a agredia fisica e moralmente. Quando bebia e usava drogas, Luis se tornava ainda mais agressivo e exaltado. Em fevereiro deste ano, a catadora de recicláveis fez uma nova denúncia e informou que estava sendo ameaçada por Luis, declarando ainda que não tinha coragem de registrar ocorrência contra ele para não prejudicá-lo. Ela afirmou que era perturbada por ele durante todo o dia na porta de casa. O ex-companheiro passava pelo portão, dando chutes e saindo correndo. Ela contou, ainda, que Luís quebrou a lanterna do carro dela. O casal já estava separado há um ano.

Drástico crime

Ao Correio, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), lamentou o 25º feminicídio. "Tem acontecido muito, e é um crime muito triste que continua ocorrendo na nossa cidade", disse o chefe do Executivo local. "Mesmo após as denúncias feitas pela vítima, aconteceu esse drástico crime. Espero que a gente consiga encerrar essa pauta do feminicídio no Distrito Federal", declarou ele, reforçando que tem conversado sobre o assunto com o secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar.

"Estamos fazendo uma reestruturação dentro da Secretaria de Segurança para poder dar mais atenção às vítimas de feminicídio", adiantou. O governador lembrou da aprovação do Projeto de Lei que dá assistência social aos órfãos de vítimas do feminicídio no DF. "A gente também quer cuidar dessa população que fica em um estado de vulnerabilidade muito grande", finaliza.

O velório de Andreia está marcado para ocorrer neste sábado (26/8), das 14h às 16h, no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul.

 


Tentativa

Policiais militares salvaram, ontem, uma mulher da fúria de um agressor. As equipes foram chamadas para atender uma situação de violência doméstica nas proximidades do Restaurante Comunitário da Samambaia.

No local, os bombeiros já prestavam atendimento à vítima. Segundo a PMDF, a mulher sofreu graves e profundos cortes na cabeça provocados por garrafadas. Um bombeiro da reserva que acompanhava o episódio de violência impediu o homem de continuar com as agressões e interviu. O autor do crime chegou a ameaçar o bombeiro de morte e fugiu. 

De posse das informações das características do autor, os PMs conseguiram localizá-lo. O homem tentou resistir a prisão, mas foi levado à 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte) para as providências legais cabíveis. 

 

 

Número de feminicídios no DF

2015: 7

2016: 20

2017: 11

2018: 25

2019: 28

2020: 16

2021: 24

2022: 17

2023: 25 (até 25 de agosto)