Durante os meses de julho até setembro o cerrado fica colorido pelas pétalas dos ipês. A flor é marca registrada do inverno brasiliense e, anualmente, acompanha a época de seca e de maiores temperaturas. Também vista nas colorações rosa, branca e roxa, o momento é de predomínio dos ipês amarelos. Essa abundância tem provocado o brasiliense a olhar de forma cuidadosa para a cidade, embora a árvore esteja ameaçada pela degradação ambiental.
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O ipê de cor amarela é o favorito de Rivanda Rezende, de 81 anos, que não deixou de fotografar o túnel de flores formado na superquadra 402 da Asa Norte. Apaixonada pela planta, ela costuma perceber as pétalas amareladas assim que começam a florescer. "A natureza é uma coisa de Deus, me preenche muito. Chega me arrepia!", ressalta, ao lembrar de outro arranjo que se forma próximo ao local onde mora, no Lago Norte. Rivanda conta que "os motoristas caminham de um lado para o outro e se deparam o tempo inteiro com os ipês".
A pressa ocasionada pela rotina de trabalho muitas vezes dificulta que brasilienses parem para admirar e registrar a cidade ornada pelas árvores. Por esse motivo, Vanessa Silva, 22, não perde tempo e tenta registrar com uma câmera, sempre que possível, qualquer floração. "Geralmente eu passo aqui, mas hoje em específico, percebi o florescimento", conta. Antes dos amarelos, a jovem notou ipês de outras cores crescerem na área próxima à parada de ônibus onde embarca diariamente.
Mesmo com a correria do dia a dia, a estagiária e estudante de recursos humanos que adora os ipês não deixa morrer o hábito de posar com a paisagem das flores decorando o fundo de suas fotografias. "Todos os ipezinhos que eu vejo pelo caminho ficam no meu celular", relata.
O cenário também atraiu o olhar de Maria do Socorro, 62. "Está muito lindo para fazer foto", observa. Ela não mora na quadra, mas aproveitou o momento de folga no horário de almoço para registrar o arranjo que se formou na área arborizada da quadra. "Parece que estamos em outro país, embora seja o cerrado que nos presenteie todos os anos com essa maravilha", destaca.
A moradora de Vicente Pires considera a beleza das flores um interessante contraste ao clima seco desta época. O último domingo foi registrado como o dia mais quente do ano em Brasília, com 33,1 ºC segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Para Maria, a presença dos ipês também ajuda a aliviar o clima hostil durante o inverno brasiliense, com baixa umidade e forte calor. "O contraste da seca, do solo amarelado e da terra seca em contraste com os ipês é um espetáculo à parte. Traz uma sensação gostosa para todos nós", frisa a funcionária pública.
Ameaça à biodiversidade
Os mais de 270 mil ipês espalhados por todas as regiões administrativas do Distrito Federal e encontrados no continente americano não estão imunes às consequências da devastação ambiental, principalmente perante os níveis radicais de mudança climática. Segundo Cayo Henrique Alcântara, biólogo e diretor executivo da ONG intitulada A Vida no Cerrado (AVINC), as plantas, assim como qualquer organismo vivo, respondem ao ambiente em que habitam. E diferentes fatores ambientais, como a temperatura e a disponibilidade de água, afetam os seus aspectos ecofisiológicos.
"No caso específico dos ipês, eles costumam florescer quando a temperatura está mais amena e com baixa umidade relativa do ar", explica o especialista. Cayo afirma que as altas temperaturas podem alterar o ciclo de florescimento das espécies e fazer com que cresçam antes do previsto. "Este ano, eu cheguei a ver ipês-amarelos florescendo ainda com folhas, o que é bastante incomum, uma vez que essas plantas perdem todas as folhas antes da florada. Isso pode ser um indicativo do aumento da temperatura", analisa.
Quanto ao perigo que essas alterações no ciclo natural de ipês pode representar, o biólogo acrescenta que a floração envolve um grande gasto de energia para o organismo. "Se elas florescem mais cedo, pode acontecer de a planta não conseguir armazenar energia suficiente para ter uma boa floração", explica. Ele cita o fenômeno de segunda floração no período de um ano que, ao seu ver, "também faz com que as floradas sejam menos "exuberantes". "Mas ainda precisamos de mais estudos para entender melhor as consequências disso", completa.
O biólogo aponta, ainda, que além da temperatura, é durante o verão que a maioria das plantas fazem mais fotossíntese e armazenam mais energia. E como a tendência para o cerrado é de clima cada vez mais seco e com menor precipitação, ipês e diversas outras espécies de plantas nativas deste bioma podem vir a ser impactados, posteriormente.
* Texto do estagiário João Carlos Silva sob a supervisão de Hylda Cavalcanti