Violência

O medo de quem salva vidas; a violência que atinge os profissionais de saúde do DF

Casos de ataques contra profissionais de saúde aumentaram 13% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022. Agressões, ameaças, xingamentos fazem parte da rotina dos trabalhadores

Ameaças, injúrias e agressões, em uma rotina que beira a insanidade, se tornaram crônica recorrente das emergências de hospitais, unidades de pronto antedimento (UPAs) e unidades básicas de saúde (UBS) do Distrito Federal. Apenas no primeiro semestre de 2023, dados da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), obtidos pelo Correio por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), apontam um aumento de 13% nos casos de agressões a profissionais de saúde do Distrito Federal — de 172 ocorrências para 195. 

Representantes das categorias que prestam o serviço de saúde reclamam da falta de médicos, principal argumento das incursões físicas contra os trabalhadores. Entre os crimes mais registrados estão o de ameaça, com 70 casos; e injúria, com 57 ocorrências.

Um dos casos de violência registrados no DF ocorreu com o técnico de enfermagem do Hospital Regional de Planaltina (HRPL) Fúlvio Fernando da Silva, 36 anos. Ele foi agredido com socos pelo acompanhante de uma paciente em 15 de maio de 2022. Os ataque ocorreu depois que ele tentou explicar que o caso da mulher não era considerado urgente, durante a avaliação na triagem. O profissional precisou se afastar por 45 dias para acompanhamento psicológico.

O crime contra Fúlvio foi registrado na 16ª Delegacia de Polícia de Planaltina como lesão corporal, tipificação que saltou de 10 ocorrências entre janeiro e junho de 2022 para 12 no mesmo período deste ano. "Acredito que deveria ter mais investimento na contratação de profissionais, principalmente de médicos, e na instalação de câmeras de segurança, o que ajudaria a inibir a atuação de quem chega alterado e agressivo", opina o profissional.

Os técnicos de enfermagem, função de Fúlvio, foram os mais violentados no DF, no primeiro semestre deste ano, sendo 72 vítimas. O servidor conta que é rotineira a agressão verbal e tentativas de ataques físicos no Hospital de Planaltina. "O último paciente que chegou lá, há um mês, estava bastante alterado, e o vigilante teve que tirar ele da sala por conta das agressões verbais. Ele estava alcoolizado, com hematomas no braço e nas pernas, devido a agressão física sofrida em uma festa. Era madrugada, o médico estava no box de emergência e pedimos para ele aguardar, mas ele não gostou", relembra.

O presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal (Sindenfermeiro-DF), Jorge Henrique de Sousa, relaciona o aumento das agressões a um problema de organização da rede assistencial, que passou por terceirização dos serviços. "Estamos vendo pacientes procurando as unidades de saúde e não estão encontrando atendimento pela falta de organização da rede assistencial, o que acaba desencadeando essa onda de violência", analisa.

Jorge Henrique afirma que a maior parte dos alvos são mulheres, que compõem 80% dos quadros de enfermeiros nas emergências de hospitais. Com déficit de profissionais de todas as áreas nas UPAs e UBSs, são elas quem ficam mais expostas à fúria dos pacientes mais inconformados. "Isso tem sido um fator de impedimento no atendimento à população, seja na consulta ou na realização de exames e cirurgias", explica o presidente do SindEnfermeiro-DF.

Na própria pele

Em junho do ano passado, a técnica de enfermagem Débora Evelin Moreira, 36 anos, sentiu na pele o que mostram as estatísticas. Durante o expediente em uma UBS de Ceilândia ele recebeu socos e chutes no rosto de uma paciente inconformada por não conseguir realizar a troca de uma receita, por falta de médico. Três dias depois, Débora foi transferida para outra unidade básica de saúde, na mesma regional, onde novamente passou por um episódio de violência. Uma paciente queria fazer teste de covid-19, mas não havia insumo para tanto no momento. Indignada, ela jogou todos os objetos que estavam sobre a mesa da técnica de enfermagem no chão.

"Somos a porta de entrada das UBSs e acabamos sendo escudo. A vulnerabilidade é gigantesca e o triste é que muita gente não sabia o que estava falando, perguntando se eu fui imprudente de receber a paciente sozinha. A intolerância das pessoas está desmedida, principalmente depois da pandemia, com pacientes extremamente imediatistas", lamenta Débora, que não tinha médicos para ajudá-la nos atendimentos.

Apoio

Também na linha de frente, os médicos são outro grupo que convive com a violência profissional. Para dar auxílio a esses trabalhadores, o Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF) criou o canal SOS Médicos, que dá suporte em questões, como agressão verbal ou física, assédio moral e sexual ou ordem de prisão no serviço. Desde 2022, quando foi criado, até o momento, 20 profissionais foram atendidos. "A gente faz esse suporte jurídico, com orientações que esse profissional vai dar seguimento", explica a presidente do CRM-DF, Marcela Montandon.

Entre janeiro e junho do ano passado e o mesmo período de 2023, os casos de agressão contra médicos registrados na Polícia Civil do DF saltaram de 54 para 61. No mesmo período os casos de ataques a enfermeiros que viraram boletim de ocorrência foram de 59 a 64. Marcela reconhece que o problema é agravado contra os trabalhadores, pois são eles os primeiros que têm contato com os pacientes em um momento de dor e estresse.

"Os profissionais estão extremamente sobrecarregados, com uma demanda que não consegue ser vencida", desabafa. A presidente do CRM-DF conta que os médicos se sentem desvalorizados e têm adoecido mentalmente. "Em muitos dos casos, eles pedem exoneração daquele ambiente de trabalho", conclui.

Altos índices

Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Thyone define como um absurdo o Estado ter que reduzir os índices de violência a profissionais de saúde, pois nada justifica as agressões. "O que estava ruim, consegue piorar, porque é mais uma pessoa na fila de espera do pronto-socorro para ser atendida. Temos muito a melhorar na prestação de serviço à população, reduzindo taxas de espera e evitando ter que acionar o sistema de segurança pública para resolver ocorrências policiais", critica.

O número de prisões de paciente e acompanhantes que agrediram profissionais de saúde também aumentaram, saltando no comparativo do primeiro semestre de 2022 e 2023, de 14 para 17. Para Cássio, os números demonstram um fenômeno sistêmico, em que os problemas de outros setores do governo vão se refletir nos serviços de segurança pública. "Um caminho é tentar unir esforços e os próprios sindicatos das categorias cobrarem medidas por parte do governo", conclui o especialista em segurança pública.

Em nota, a Secretaria de Saúde (SES) diz que repudia os casos de agressão física e verbal a profissionais de saúde e lamenta as ocorrências enquadradas como crime no Código Penal. "É inadmissível que servidores públicos sejam tratados desta forma no desempenho de suas funções em prol da assistência à Saúde no DF", diz.

Arquivo pessoal - Técnico em enfermagem do Hospital Regional de Planaltina, Fúlvio Lavareda, 36, foi agredido com socos por acompanhante de paciente
Arquivo pessoal - Técnico em enfermagem do Hospital Regional de Planaltina, Fúlvio Lavareda, 36, foi agredido com socos por acompanhante de paciente
Arquivo pessoal - Técnico em enfermagem do Hospital Regional de Planaltina, Fúlvio Lavareda, 36, foi agredido com socos por acompanhante de paciente
Ana Luisa Araujo/CB/D.A. Press - Técnica de enfermagem Débora Moreira, 36, foi agredida com socos no rosto na UBS 9 de Ceilândia Sul por paciente que queria trocar receita
Arquivo pessoal - Técnica de enfermagem Débora Evelin foi agredida com socos no rosto na UBS 9 de Ceilândia Sul por paciente que queria trocar receita
Arquivo pessoal - Técnica de enfermagem Débora Moreira, 36, foi agredida com socos no rosto na UBS 9 de Ceilândia Sul por paciente que queria trocar receita
Carlos Vieira/CB/D.A. Press - Entrada do ambulatório do Hospital Regional da Asa Norte (Hran)
Carlos Vieira/CB/D.A. Press - Técnico de enfermagem Fúlvio Fernando da Silva, 36, trabalha em motolância do Samu no Hran
editoria de arte - saude
Carlos Vieira/CB/D.A. Press - Técnico de enfermagem Fúlvio Fernando da Silva, 36, trabalha em motolância do Samu no Hran

Como pedir ajuda?

SOS Médico do CRM-DF

Contato: (61) 99257-4244

Site: www.crmdf.org.br/noticias/canal-sos-medico

 

Sindenfermeiro-DF

Site para denúncias: www.sindenfermeiro.com.br/index.php/denuncia

O sindicato oferece serviço jurídico como apoio.

Telefone: (61) 3273 0307

 

Sindate-DF

Site: www.sindatedf.com.br/denuncias

Telefone: (61) 3033-7084

 

Polícia Militar do DF
Disque 190

 

Polícia Civil do DF
Disque 197

Memória de casos

20 de julho de 2023

Em 20 de julho, uma mulher, de 19 anos, não identificada, foi presa pela Polícia Militar do DF por tentar matar a facadas uma enfermeira, de 31 anos, na UBS 12 de Samambaia Norte, e acabou ferindo um enfermeiro. Policiais foram ao local indicado, conseguindo identificar e deter a agressora. Ela argumentou que tentou ser atendida no local no mês anterior e não gostou da forma como foi tratada por uma funcionária.

21 de março de 2022

Na UBS 5 de Taguatinga, uma enfermeira foi agredida com tapas no rosto pela esposa de um paciente. O caso ocorreu em 21 de março do ano passado. A profissional alegou que não poderia prescrever medicamentos tarja preta para o paciente, sugerindo que ela buscasse o médico responsável. A acompanhante do homem não gostou e partiu para cima da servidora.

3 de janeiro de 2022

Em 3 de janeiro de 2022, a auxiliar de enfermagem Ana Caroline Muniz, 27, foi agredida com um soco na boca pela acompanhante de uma paciente na UPA do Recanto das Emas. “Ela foi avaliada e classificada como laranja, ou seja, é grave, mas não há risco de morte", diz. Segundo Ana, a UPA estava superlotada e com médicos apenas para casos gravíssimos e com risco de morte.