Nossos últimos encontros, apesar do meu aperto no peito, não foram tristes. Ninguém se atreveria a contrariar Dad Squarisi. Nunca conheci alguém que ousasse nessas quase três décadas de convivência. Não porque não tentasse, mas porque ela não se importava, nem se chateava com pouca coisa. Portanto, quando ela disse “não quero choro, nem tristeza, estou em paz”, eu decidi obedecer.
Ela me disse que teve uma vida boa e riu quando viu se formar fila para acompanhá-la numa noite no hospital. “Esse é meu legado, os amigos que fiz, na cidade que me deu tudo.” Nossa libanesa-brasileira, que fez do português uma profissão, era uma cidadã do mundo, mas escolheu Brasília. E aqui fez morada no coração de muita gente.
Morou em Viena, Roma e Nova York. Sabia tudo sobre os países mais interessantes do mundo, tinha um fabuloso repertório de histórias e era a melhor companheira de viagem que alguém poderia ter. Alegre, generosa e solidária, chegou a carregar minha mala pesada numa viagem que fizemos a Recife.
Dad foi mais que editora de Opinião, jornalista, professora de português. Era uma grande diplomata, abrindo diálogos com sua voz mansa, mesmo nos momentos em que havia fagulha de ruído, grito ou discussão. A esta que vos fala aqui, que tinha certa aversão pelos compromissos sociais, ela devotou especial atenção nos eventos: “Basta erguer a cabeça e sorrir com os olhos”.
Sua presença não passava despercebida. Ainda que o passo fosse leve; a voz, baixa; a risada, contida, apesar de gostosa. Dad tinha essa elegância natural das pessoas que conseguem transitar por qualquer meio e estar com qualquer gente. Desapegada, costumava doar as próprias roupas se alguém querido elogiava alguma peça. Sempre parava para dar autógrafos, conversar com as pessoas.
Ensinar português era uma missão maior. Deu aula nas escolas e nas páginas dos jornais. Assinou a coluna Dica da Dad ininterruptamente por quase três décadas. Estava sempre pronta a tirar dúvidas de toda a redação e dizia que clareza era o atributo principal da escrita. Também dizia que a língua era fluida e mutante, embora exigisse respeito.
Em todo cantinho do DF tem alguém que usou as dicas da Dad, porque leu nas colunas impressas ou encontrou em blogs, programas de tevê, lives, podcast. Fosse para estudar para concurso, prova de escola, até para mandar carta de amor. Escreveu com brilhantismo livros e manuais de redação.
Dad foi uma grande conselheira. Lembrava-me o tempo inteiro que o bom senso é o melhor companheiro numa situação de crise e que qualquer ambiente podia ser leve, apesar do dia a dia pesado de uma redação de jornal. A doença grave nunca a definiu. Parecia forte para vencê-la mil vezes. E o fez com alegria mais de uma vez.
Mas uma vida vivida intensamente também pede o seu tempo. Ela partiu deixando um filho amoroso, uma nora que virou filha, e os netos lindos e amados com um grande legado de histórias contadas e exemplos compartilhados. Que siga em paz, minha amiga. Vai deixar imensa saudade. Todos nós, do Correio, agradecemos...