A lei é implacável para quem mata uma mulher no Distrito Federal. Desde que a legislação sobre o feminicídio entrou em vigor, em março de 2015 — fazendo com que o crime se tornasse uma qualificadora do homicídio — até 7 de julho deste ano, 44% dos 166 autores tiveram seus processos transitados em julgado e foram sentenciados a cumprir uma pena que, somadas, chegam, em média, a 1.533 anos de prisão, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF).
Os números são reflexo da forma como o feminicídio é tratado pela Justiça local, de acordo com o promotor do Ministério Público (MPDFT) Daniel Bernoulli. "Em geral, as investigações caminham de forma célere e tais assassinos costumam responder ao processo presos, dada a fragilidade da garantia da ordem pública que esse tipo de crime gera", ressalta.
De acordo com Bernoulli, o tempo de tramitação do processo — desde a denúncia por parte do Ministério Público até o julgamento em sessão plenária — costuma ser bastante curto para os padrões nacionais. "Nesse ponto, somos referência", destaca o promotor. Em relação às penas contra os feminicidas, ele avalia que os tribunais têm aplicado aquilo que cada um merece.
"Essas penas decorrem da elevada quantidade de qualificadoras e causas de aumento do tempo de prisão que se costuma incluir na denúncia e também pela acolhida de todas essas circunstâncias por parte dos jurados", considera. "O júri popular não tem qualquer tolerância. Não é difícil que, em caso de feminicídio consumado, o acusado seja punido com pena superior a 20 anos", calcula Bernoulli.
Além da punição
Presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB-DF, Cristina Tubino destaca que a primeira coisa que não podemos esquecer é que os feminicídios são crimes dolosos contra a vida e, portanto, são julgados pelos tribunais do júri. "A decisão quanto ao mérito, é tomada por um Conselho de Sentença, que é composto por sete jurados(as) que integram a população", explica. "Isso representa, muito claramente, que a sociedade de forma geral, não admite o feminicídio de maneira alguma", observa a advogada.
De acordo com Cristina, o recado é claro: não se admite o feminicídio. Mesmo assim, segundo a especialista, é importante que a sociedade tenha esse mesmo tipo de conduta em outros tipos de crimes contra mulher, em que a violência não é tão óbvia. "Temos que nos mobilizar para repelir outras formas dessa violência, denunciando os agressores e defendendo as vítimas no momento de problema e de tensão, em que elas estão no ápice desse ciclo", alerta.
Os números de 2023 são assustadores, no DF. Até o momento, 22 mulheres foram assassinadas na capital do país. A quantidade de vítimas supera em 37,5% todo o ano de 2022, quando 16 pessoas do sexo feminino foram mortas. Por isso, para Cristina Tubino, providências precisam ser tomadas "pelo poder público: a criação de políticas efetivas e regulamentações de leis que já existem e que, na teoria, seriam muito boas para ajudar as mulheres". "Também precisamos de uma atuação mais firme da Justiça na aplicação de medidas protetivas de urgência, seja com a decretação de prisões ou a colocação de monitoramento eletrônico", argumenta.
A presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB-DF afirma que cada processo tem que ser analisado individualmente, para que as necessidades das mulheres vítimas de violência sejam atendidas. "Pois, uma vez que essa violência seja interrompida, antes de chegar ao ápice, a gente pode evitar que a ocorrência se torne feminicídio", pontua. "A morte de uma mulher é o auge da violência sofrida contra ela. Certamente, essa vítima passou por tantos outros estágios, antes de ter sua vida ceifada", lamenta. "A sociedade precisa entender que, muito mais do que punir quem comete o feminicídio, precisamos evitar que a violência contra a mulher aconteça, em qualquer escala, e isso é uma tarefa de todos, não só do público feminino", ressalta.
Indícios específicos
Professora de direito penal do Ceub e advogada especialista em violência contra a mulher, Carolina Ferreira afirma que, considerando os dados, o problema nos casos de feminicídios não está no funcionamento do sistema de Justiça. "De 2015 até agora, tivemos uma atuação relativamente célere e focada, para punir os autores dos crimes", avalia. "Isso se dá em razão do tipo de crime, no qual o feminicídio está envolvido", complementa.
A advogada explica que, no caso dos feminicídios, a investigação é mais rápida, pois existem indícios de autoria muito específicos. "Quando se trata, especialmente, de um contexto de violência doméstica ou familiar, a investigação se concentra na análise do histórico de violência naquele contexto", comenta Carolina. "Os casos de homicídio, por exemplo, têm uma tramitação mais complexa e longa, por terem um leque maior de possibilidades", compara a especialista.
Para ela, no entanto, ainda existem pontos a serem melhorados, em relação aos julgamentos. "A proteção à família da vítima, a articulação em relação a eventuais pedidos de reparação e a discussão sobre os benefícios aos chamados órfãos do feminicídio", ressalta Carolina Ferreira. De acordo com a SSP, são 319 filhos que ficaram sem a mãe, por conta desse tipo de crime, sendo 202 menores de idade.
Saiba Mais