A fibrose cística é uma doença crônica grave, genética e fatal. A maioria das pessoas que a têm perdem a vida antes dos 18 anos. É causada devido a uma mutação genética, que altera o canal de cloro nas células. O muco, o suor e as secreções digestivas ficam mais viscosas e causam congestionamento em órgãos como pulmões, pâncreas e o sistema digestivo.
No último dia 3, os pacientes e suas famílias comemoraram a decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). O colegiado recomendou que o SUS incorpore à rede pública o medicamento elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta) para tratar a fibrose cística, considerado um dos mais eficazes para o tratamento da doença. O Ministério da Saúde tem até seis meses para disponibilizar o medicamento, indicado em casos específicos, para pessoas com seis anos ou mais.
De acordo com a coordenadora da Pneumologia Pediátrica e do Centro de Referência de Fibrose Cística do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB), Luciana Monte, no Brasil, com base no Registro Brasileiro de Fibrose Cística, há 1,6 mil pessoas elegíveis a fazer uso da droga. "É emocionante viver este momento, como médica, e tratando pacientes que estavam entre a vida e a morte, que, ao usar o Trikafta, mudaram completamente a sua realidade. É um avanço histórico. O SUS vale muito a pena", comemora Luciana.
A enfermidade pode ser confundida com pneumonia, asma, bronquite e alergias. No Distrito Federal, são atendidas 130 pessoas com fibrose cística de 0 a 65 anos. Dessas, 75 fazem tratamento no HCB — unidade que é referência no tratamento infantil. Na fase adulta, a partir dos 18 anos, eles são transferidos para o Hospital de Base de Brasília (HBB).
Na maioria dos casos, os pacientes têm tosses constantes e infecções das vias respiratórias e desnutrição pela dificuldade em ganhar peso. Nas duas unidades de Brasília, os pacientes são atendidos regularmente e acompanhados por equipe multidisciplinar composta por médicos pneumologistas e gastroenterologista, enfermeiro, fisioterapeuta, psicólogo, assistente social e nutricionista.
Grande parte dos doentes é diagnosticada pelo teste do pezinho. Também há casos raros em que a doença é descoberta na fase adulta. De acordo com a coordenadora da Pneumologia Pediátrica e do Centro de Referência de Fibrose Cística do HCB, Luciana Monte, o exame é realizado e, quando existe a suspeita da doença, o procedimento é repetido. Se a alteração persistir, é feito o teste do suor para comprovar a fibrose cística. Após o diagnóstico, os pacientes são encaminhados para o tratamento que, quanto mais cedo for iniciado, atenua as complicações e proporciona uma sobrevida maior e mais próxima do normal.
"A doença não tem cura. Na maioria das vezes, os primeiros sintomas aparecem logo no primeiro ano de vida. É importante tratar as consequências e prevenir as complicações relacionadas com remédios que umidificam o muco, fazer fisioterapia para reduzir os processos inflamatórios e fazer uso de enzimas durante todas as refeições para adaptar a ação no pâncreas", explica Luciana Monte.
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Arquivo pessoal - A pneumologista pediátrica Luciana Monte informa que, no Brasil, há 1,6 mil pessoas elegíveis a fazer uso do Trikafta
Vitória
Laura Sofia Mendes faz uso do Trikafta e garante que deve sua vida ao medicamento. Porém, sem ter como pagar pela droga, que, segundo ela, custa a partir de R$ 75 mil (caixa com 84 comprimidos, o suficiente para 28 dias), a mãe dela recorreu à Justiça, em 2020. Laura recebeu o diagnóstico da doença com quase dois anos de idade. Com dificuldade de atendimento no Tocantins, onde morava, a mãe de Laura procurou o HCB, em Brasília. Em 2016, aos 11 anos, a menina iniciou o tratamento na unidade. Desde 2021, a família vive em Brasília. Agora, aos 18 anos, a jovem está na fase de transição para deixar o HCB e dar continuidade ao tratamento no Hospital de Base.
De acordo com Francisca Neide de Sousa, o tratamento recebido na unidade em Brasília, possibilitou à filha mais qualidade de vida. Porém, em 2020, com o atendimento presencial suspenso, Laura piorou e contraiu covid 19. "Laura passou um mês entubada, com a situação pulmonar muito debilitada. Quase perdi a esperança. A melhora chegou com o Trikafta. Esse medicamento salvou a vida da minha filha eu precisei judicializar, mas ela está viva porque recebeu a tempo", recorda Francisca.
Laura consegue se alimentar e dormir melhor com a nova medicação. "Antes, estava sempre muito cansada. Agora, faço atividade física, não preciso usar o oxigênio, estou viva e feliz. Além da medicação, o tratamento no HCB mudou minha vida. Por isso, estou aqui contando um pouco da minha história. Espero que outros pacientes consigam alcançar o mesmo êxito e tenham uma vida mais confortável como eu", destaca.
Benefícios sociais
"Nos últimos anos, um avanço no tratamento para a reposição de enzimas pancreáticas tem diminuído a mortalidade precoce. É feito com o modulador da proteína condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR), que ajuda a proteína defeituosa a trabalhar de maneira mais efetiva", explica o médico pneumologista do Instituto do Coração (Incor/USP) Rodrigo Athanazio, referindo-se ao Trikafta. "Muitos pacientes poderão ter uma expectativa de vida maior e com mais qualidade. É um momento histórico, poder oferecer ao paciente uma chance maior de vida e sem tanto sofrimento, já que o uso poderá ser feito a partir dos seis anos de idade. Isso nos tranquiliza bastante, pois essa pessoa chegará à fase adulta com menos complicações devido à doença", ressalta.
Para a superintendente executiva do Hospital da Criança, Valdenize Tiziani, a notícia sobre a disponibilidade dessa medicação é uma grande conquista. "A medida do SUS em disponibilizar uma droga desse tipo é uma evolução que mostra toda a beleza da ciência. Pode custar caro para o sistema de saúde, mas é uma ação que diminui os custos e as complicações de uma doença, fora os benefícios sociais que são importantíssimos", frisa. Valdenize assinala que todos os pacientes que não têm acesso ao Trikafta recebem tratamento adequado com equipe multidisciplinar no HCB.
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