Uma análise técnica do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) aponta que o tempo de vida útil do Aterro Sanitário de Brasília (ASB) reduziu em cerca de dois anos. Segundo o órgão, os estudos foram realizados nos projetos das etapas 3 e 4 do aterro, em comparação com o Projeto Executivo Inicial, que previa um tempo de vida útil até 2030. A previsão era que essas primeiras etapas durariam cerca de 13 anos, de acordo com o SLU. No entanto, devido ao descarte inadequado dos resíduos, especialmente pela baixa adesão da população à separação adequada do lixo, a operação na área atual está prevista para até 2027, ainda segundo a pasta.
"O tempo de vida do aterro está ligado às atitudes da população. Quanto mais os cidadãos se engajarem na separação adequada e na destinação correta do lixo para a coleta seletiva, mais bem utilizado será o aterro, ao receber uma quantidade menor de resíduos que podem ser reciclados, gerando renda para milhares de famílias de catadores no DF", destacou o SLU, por meio de nota.
Professor de ciências biológicas do Ceub, Fabrício Escarlate destacou que a coleta seletiva é o melhor caminho a ser seguido, quando o assunto é gestão de lixo. "Caso tenhamos 100% de adesão ao modelo, os ganhos são enormes. A partir do momento em que reciclamos os materiais, a gente passa a retirar menos matéria-prima 'virgem' da natureza", ressaltou. "Isso é um aspecto extremamente importante, porque à medida que eu consigo diminuir essa extração, destruo uma área menor", complementou.
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Preocupação
Quem entende bem a importância do engajamento social na coleta seletiva é Ana Caroline Lima, 31 anos, coordenadora da Comissão de Meio Ambiente do Movimento Comunitário do Jardim Botânico, com 62 condomínios associados. Ela contou que essa preocupação começou há sete anos, quando a presidente da comissão da época fez um empréstimo, por conta própria, e comprou um caminhão para que uma cooperativa pudesse fazer a coleta no condomínio onde ela morava.
"Esse foi o início de tudo. A partir daí, começamos a estruturar duas empresas de coleta seletiva. Cuidávamos da parte administrativa e da gestão de contratos. Também articulamos com os condomínios parceiros, para que eles contratassem as cooperativas para a coleta seletiva", detalhou. "No início, teve um pouco de receio. Mas, com o tempo, os moradores viram que os catadores eram tão profissionais quanto qualquer empresa", complementou a coordenadora.
Ela explicou que o progresso das cooperativas foi surpreendente. "A primeira empresa foi a que se estruturou mais rápido. Hoje, ela tem por volta de oito caminhões próprios e atende 15 condomínios, só aqui na região. Isso fez com que, há cerca de quatro anos, a cooperativa criasse autonomia", disse. "A segunda cooperativa, atualmente, tem dois caminhões próprios e três contratos com condomínios parceiros nossos. Desde o início de 2022, ela também está atuando de forma autônoma", ressaltou. Ana Caroline contou que essa era a ideia do projeto desde o começo. "Queríamos ensinar as cooperativas como se faz todo o processo, para que pudessem criar uma independência", disse.
Para quem ainda tem qualquer tipo de receio, ela comentou sobre a importância de aderir à coleta seletiva. "Às vezes as pessoas podem até se perguntar o que ganham fazendo a separação correta. Se elas soubessem que o seu lixo pode colocar comida na mesa das pessoas, fariam isso", afirmou. "É algo que não tem valor nenhum para você, mas que, para quem trabalha com esse tipo de material, significa dignidade, emprego, renda, moradia e educação. Tem todos esses valores agregados", completou.
Parceria de sucesso
Uma das cooperativas beneficiadas é a do João Santana, 60, fundador e presidente da Ecolimpo. "Encontramos o Movimento Comunitário do Jardim Botânico em 2017, que tinha esse propósito de buscar melhorias para a região. A partir daí, a gente teve um suporte de assessoria de gestão da cooperativa, pois éramos muito leigos nesse sentido. Eles nos deram assessoria até a gente conseguir caminhar com as próprias pernas", comentou.
De acordo com Santana, antes da assessoria, os rateios mensais entre os catadores, eram cerca de R$ 70 por mês. "Isso era muito entristecedor. A gente não tinha sequer uma sede administrativa. Ficávamos debaixo de um galpão, que tinha um buraco na telha. As pessoas não posuíam qualquer formação", detalhou.
"Depois de entrarem na cooperativa, elas até concluíram os estudos e se engajaram no ensino superior. Em dois anos de parceria com o movimento, a gente conseguiu planejar, comprar um caminhão e estruturar a sede. Atualmente, todo mundo trabalha com equipamento de proteção individual e uniformizado. O rateio saiu de R$ 70 e, hoje, atinge um teto de R$ 1.300, por cooperado", comemorou o presidente da Ecolimpo.
Novo aterro
Apesar da preocupação com a área atual do aterro, o SLU destacou que, após 2027, as operações devem ser transferidas para um terreno de 67 hectares, adjacente ao ASB, cedido pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). "Com essa nova área, a previsão de vida útil do aterro sanitário chegará a 30 anos", calculou a pasta. Em relação à coleta seletiva, o órgão disse que busca conscientizar a população com campanhas educativas, mobilização social de casa em casa e pelo aplicativo de celular "SLU Coleta DF".
Quanto às áreas atendidas pelo modelo, o SLU ressaltou que 33 das 35 regiões administrativas do Distrito Federal contam com o serviço de coleta seletiva porta a porta, ficando de fora somente as regiões do Pôr do Sol/Sol Nascente e Água Quente. "A ampliação do serviço para essas regiões está em fase de estudos pelo SLU. A previsão é de que até o próximo ano, todas as áreas urbanas do Distrito Federal tenham o serviço de coleta seletiva", previu.
O SLU destacou que, além da coleta porta a porta, disponibiliza 242 unidades dos papa-recicláveis, que são pontos da coleta seletiva instalados em locais estratégicos e de grande circulação, distribuídos por todo o DF, onde a população pode descartar qualquer tipo de resíduo seco, além de 23 unidades do papa-entulho, que também recebem materiais recicláveis.
Três perguntas para
Fabrício Escarlate, professor de ciências biológicas do Ceub
Quais soluções, fora os aterros sanitários, podem ser desenvolvidas no DF para a questão do descarte de lixo?
Antes de pensar nas soluções, é preciso falar da geração desse resíduo. Ela tem uma ligação direta com o consumo — quanto maior, mais lixo é gerado. Então, uma forma de reduzir esse resíduo é o consumo consciente. O usuário tem que saber o que está comprando, se a embalagem que está levando é realmente necessário e tentar utilizar, sempre que viável, aquelas embalagens que forem reutilizáveis. Isso vai diminuir, consideravelmente, a geração de resíduos. Dentro da lógica de consumo que vivemos atualmente, não temos olhos para isso. A gente só consome, independente daquilo que está sendo gerado ao final da cadeia produtiva. Por isso, é importante a criação de campanhas relacionadas ao consumo consciente e ao uso de embalagens e sacolas reutilizáveis. Isso é uma estratégia muito interessante, mas que é pouco utilizada, não só no Brasil, mas em todo o mundo.
Caso 100% do DF adote a coleta seletiva, em quais aspectos a capital federal melhoraria?
Há muito descarte inadequado. Existe uma lacuna nesse processo (coleta seletiva) que é a própria participação da sociedade, que simplesmente descarta de forma incorreta. Isto faz com que alguns produtos recicláveis acabem indo para o aterro sanitário, pelo simples fato de que, a partir do descarte incorreto, ele se contamina e pode contaminar outros resíduos sanitários, que vão parar no aterro — comprometendo sua vida útil. Precisamos de um maior investimento, por parte da sociedade. Saber como separar e descartar melhor seus resíduos. Caso tenhamos 100% de adesão ao modelo, os ganhos são enormes. A partir do momento em que reciclamos os materiais, a gente passa a retirar menos matéria-prima ‘virgem’ da natureza. Isso é um aspecto extremamente importante, porque à medida que eu consigo diminuir essa extração, eu degrado menos áreas. Ao mesmo tempo, a quantidade de materiais plásticos nos corpos d’água é gigantesca. Isso circula em todos os organismos e chega até nós. No momento em que comemos um peixe, seja de rio ou de mar, a gente consome plástico sem que percebamos. Existem estudos que apontam para isso. E a adesão à coleta seletiva também vai impactar positivamente nessa questão.
Como a gestão correta do lixo pode impactar em setores como saúde, economia, questões sociais etc.?
Isso seria muito positivo, sobretudo na questão social e econômica, pois teríamos geração de emprego e renda para a população, além da criação de novas áreas de atuação. Temos melhorado muito na questão do ambiente ao qual os catadores de recicláveis são submetidos. Com a gestão correta do lixo, a tendência é que isso melhore ainda mais.
Você sabia?
A coleta seletiva é o recolhimento de materiais recicláveis (papel, papelão, plástico, isopor, metal) que não devem ser misturados ao lixo comum das residências ou local de trabalho. Trata-se de um cuidado dado ao resíduo que começa com a separação dos resíduos em duas lixeiras, uma para os orgânicos e rejeitos, e outra para os recicláveis. Para concluir, os sacos de recicláveis devem ser entregues para a coleta seletiva do SLU nos dias e horários corretos (https://www.slu.df.gov.br/mapa-coleta-seletiva/). A implantação da Coleta Seletiva tem inúmeros benefícios.
Ambientais:
- Aumento da vida útil dos aterros sanitário, a partir da diminuição de resíduos que deixarão de ir para estes locais;
- Aumento do ciclo de vida das matérias-primas de cada resíduo coletado e reaproveitado.
Sociais:
- Geração de trabalho e renda aos catadores de materiais recicláveis;
- Resgate da cidadania dos catadores por meio de sua organização em cooperativas e associações.
Educacionais:
- Estímulo à mudança de hábitos e valores no que diz respeito à proteção ambiental, conservação da vida e desenvolvimento sustentável.
Culturais:
- Criação de novas práticas de separação dos resíduos, considerando que os materiais recicláveis permeiam por todas as atividades sociais.
Econômicos:
- Redução de gastos com aterramento dos resíduos;
- Diminuição de gastos com a limpeza pública.
Fonte: SLU