Saúde

Entidades do DF lutam pela dignidade das pessoas que menstruam

Lei de 2021 prevê distribuição gratuita de absorventes em escolas e UBSs, mas determinação não foi colocada em prática e muita gente continua sem acesso a esta proteção

A falta de itens básicos de higiene íntima pode impactar profundamente a rotina de mulheres que menstruam, gerando consequências que vão desde evasão escolar até problemas de saúde física e mental. No Distrito Federal, apesar de haver uma lei, sancionada desde 2021, determinando a distribuição gratuita de absorventes em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e escolas públicas, a orientação nunca foi colocada em prática. O item de higiene faz parte da cesta básica, mas muita gente ainda tem dificuldade de acesso a absorventes. Movimentos independentes da sociedade civil assumem papel protagonista na luta pela dignidade menstrual das mulheres brasilienses.

Em 31 de julho, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) deu um prazo de 120 dias para que a Secretaria de Saúde (SES/DF) informe sobre as medidas adotadas para a disponibilização gratuita de absorventes higiênicos e coletores menstruais a mulheres em situação de vulnerabilidade econômica e social. A decisão foi tomada após o TCDF analisar representação questionando o suposto descumprimento de outra lei — nº 6.569/20, que institui a Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Essa norma prevê, entre outras medidas, a distribuição gratuita, no Distrito Federal, de produtos que possibilitem condições adequadas de higiene íntima para adolescentes da rede pública de ensino e mulheres em situação de pobreza.

A ex-deputada distrital Arlete Sampaio (PT) é a autora do Projeto de Lei que originou a Lei 6.779/2021, que determina a distribuição gratuita de absorventes em escolas e Unidades Básicas de Saúde (UBS´S) do Distrito Federal. "Eu fui procurada por um grupo de meninas chamado Girl up. A conversa com elas me inspirou a fazer o projeto, aprovado rapidamente e sancionado. A batalha foi para conversar com as secretarias que tinham a ver com o projeto. Há uma constatação feita a partir de pesquisas de que grande parte das meninas pobres deixam de ir às aulas quando estão menstruadas", relata Arlete. "As ativistas me passaram informações preocupantes. São muitas as mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. Entre comprar absorvente e comprar comida, as famílias optam por comprar comida", acrescenta.

Sem aplicação

Quando ainda estava no exercício do mandato, Arlete chegou a colocar recursos na Lei Orçamentária Anual (LOA) para aquisição de absorventes, mas a lei em si nunca foi implementada. "Pedi às secretarias de Saúde e de Educação, ambas conduzidas por mulheres, para colocarem a lei em prática, mas nunca aconteceu", conta.

A presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Carolina Regina dos Santos explica que o Judiciário pode agir para que a lei seja colocada em prática. "O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ou a Defensoria Pública pode acionar de forma individual ou coletiva para que a lei saia do papel para as pessoas que assim necessitam", esclarece. "É papel do Estado garantir à população a dignidade da pessoa humana. O bem comum está descrito nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal. Se não tirar (a lei) do papel, instrumentos jurídicos poderão ser utilizados para que isso se torne concreto na vida das pessoas, isto é, que os absorventes sejam distribuídos na acepção legal do termo", conclui a jurista.

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal informou ao Correio que os absorventes serão distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Saúde, por meio do programa Farmácia Popular. A Secretaria de Desenvolvimento Social declarou, em nota, que "o Governo do Distrito Federal (GDF) cumpre devidamente o estipulado pela legislação desde o ano passado, quando a pasta incluiu os absorventes femininos na cesta básica de alimentos".

De acordo com um levantamento feito pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), as estatísticas sobre o tema no Brasil são alarmantes: 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, como banheiros e sabonetes. Não há um levantamento por unidade federativa. 

Beatriz Amin, representante do movimento denominado "MenstruoSim", conta que o movimento atua há quatro anos com distribuição de absorventes, palestras e pesquisa. "A pesquisa e mapeamento de dados são importantes para que sejam criados políticas públicas eficazes e não apenas gerais para o problema", reflete. "O tabu e a falta de diálogo sobre os corpos femininos podem ser tão graves para a saúde menstrual quanto a falta de itens de higiene. Não adianta distribuir itens de higiene sem a conscientização corporal ou acesso a informações", completa.

Juliana Caribé - Movimentos independentes de mulheres atuam de forma intensa para combater a pobreza menstrual no DF

Outra organização independente que atua no combate à pobreza menstrual no DF é a "Rede Solidária Entre Nós". Por meio de uma ação mensal, a organização distribui absorventes a cerca de 1,4 mil pessoas de baixa renda. "Nosso público prioritário são meninas cumprindo medidas socioeducativas no meio aberto e suas familiares, iniciativa na qual atuamos em parceria com a Secretaria de Justiça do DF, além de mulheres e meninas em ocupações, em situação de rua, ciganas e moradoras das periferias", explica a coordenadora do projeto, Lara Montenegro. "Uma em cada quatro pessoas deixa de ir à escola quando está menstruada. Muitas pessoas afetadas pela pobreza menstrual usam produtos não indicados durante a menstruação, como sacos plásticos, roupas velhas, algodão, lenço umedecido descartável, filtro de café, jornal e até mesmo miolo de pão. Além de moralmente degradantes, essas 'soluções' oferecem risco à saúde", ressalta.

Sistema penitenciário

Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), o Estado fornece por mês a cada uma das 555 mulheres custodiadas pacotes com 8 unidades de absorvente higiênico cada e dois rolos de papel higiênico, ambos com reposição mensal. Além desses produtos, é permitida mensalmente, junto aos itens de higiene da sacola entregue pela visita, a entrada de mais dois rolos de papel higiênico. A Seape também aceita doações de absorventes por entidades filantrópicas, igrejas e integrantes da sociedade civil. Com isso, a PFDF consegue fornecer a cada custodiada 32 unidades de absorventes mensalmente e, havendo indicação médica, a administração tem capacidade de aumentar estas quantidades para internas com fluxo menstrual intenso.

A Seape está em tratativas para a implementação de oficinas produtivas para fabricação de absorventes, bioabsorventes, fraldas e peças íntimas nas dependências da Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF) através do Projeto de Capacitação Profissional e Implantação de Oficinas Permanentes (PROCAP Mulheres) da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

 

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