Os dados da violência contra a mulher, no Distrito Federal, assustam. Crimes domésticos ou familiares, por exemplo, subiram 4,7% — passando de 8.428 para 8.820, na comparação de janeiro a junho de 2022 e 2023, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). O feminicídio e a importunação sexual tiveram o maior aumento percentual — 47% e 25,8%, respectivamente (confira o infográfico).
O último crime de feminicídio ocorreu na quinta-feira (24/8). Andreia Crispim de Lima Silva, 50 anos, foi morta pelo ex-companheiro Luis Carlos Ferreira de Vasconcelos, 35, na casa onde morava, na Estrutural. A vítima tinha medida protetiva contra o agressor e realizou diversas denúncias contra ele. Segundo as ocorrências, Luis xingava Andreia constantemente e chegou a ameaçá-la de morte, além de ter quebrado a lanterna do carro e invadido a residência da vítima.
Presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Ordem dos Advogados do Brasil, no DF, Cristina Tubino cobra mais ações da sociedade e do poder público que visem à prevenção e evitem a violência contra a mulher. "Temos visto, principalmente ao longo desse último ano, um grande aumento da violência de gênero em todas as esferas, não apenas no feminicídio, mas em todo tipo de crime", lembra.
Por isso, de acordo com a advogada, só é possível resolver o problema da violência contra a mulher, com medidas preventivas e educando tanto adultos como jovens e crianças. "Se entidades sociais e religiosas podem chegar a uma população que, muitas das vezes, é mais difícil para o poder público chegar, elas devem, sim, ser instrumentos para propagação da ideia da igualdade de gênero", destaca. "Essa mudança da cultura de violência perpassa pela prevenção", complementa Cristina.
Professora de direito penal do Ceub e advogada especialista em violência contra a mulher, Carolina Ferreira também ressalta a importância de iniciativas que atingem a sociedade civil. "Especialmente para a promoção da cultura de paz. É fundamental que todos os programas sociais sejam voluntários e contemplem diversas classes e raças, tanto em sua formulação quanto em sua execução", avalia. "A sociedade, como um todo, também precisa se envolver em políticas públicas que promovam a igualdade de gênero", aponta.
Mesmo assim, a professora diz que os projetos precisam ser avaliados e seus resultados devem ser considerados a longo prazo. "O Executivo local deve pensar em medidas de prevenção aos feminicídios, que passam por ações no campo da educação em direitos humanos, nas políticas de saúde, sociais e econômicas. O fenômeno da violência contra as mulheres é estrutural e assim deve ser enfrentado", esclarece Carolina.
Nova filosofia
No esforço de combater essas tragédias, a SSP criou programas que tentam conscientizar. Aliança Protetiva e Empresa Responsável, Sociedade Segura (leia Para saber mais) estão entre as ações. Esses projetos fortalecem os mecanismos para colaboração e integração com diversos setores da sociedade, envolvendo a todos na elaboração de políticas públicas e nas decisões de segurança pública, de acordo com o secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar.
"Isso torna os processos de governança cada vez mais efetivos e válidos. Projetos como esses atendem a nossa nova filosofia de trabalho, que é a da integralidade nas ações", ressalta. "Assim, nos permite enfrentar, conjuntamente, os complexos desafios que impactam na segurança e qualidade de vida da sociedade do DF, como violência doméstica e nas escolas, entre outros crimes", acrescenta Avelar.
A subsecretária de Prevenção à Criminalidade, Regilene Rozal, coordena os projetos e lembra que o órgão tem o propósito de coibir os crimes de feminicídio. "A partir da compreensão de que essa modalidade criminosa tem origem na violência de gênero, historicamente fomentada por uma cultura machista e hierarquizada, em que as liberdades individuais femininas são diuturnamente violadas, o trabalho de prevenção desenvolvido pela SSP passa, necessariamente, pela reeducação de homens e mulheres de diversas faixas etárias e condição social", assinala.
Com isso, de acordo com Regilene, a SSP busca uma verdadeira mudança cultural. "Especialmente porque, apesar de tão presente nas manchetes de jornal, o assunto ainda é tabu em vários ambientes. Dentro dessa perspectiva, a secretaria tem buscado atuar em conjunto com outros órgãos do poder público e, acima de tudo, com a sociedade civil, convocando todos os atores sociais a participar das ações de enfrentamento à violência e à criminalidade", avalia.
Comprometimento
Ela aponta que não há fórmula mágica para a solução da violência de gênero e, por isso, a SSP precisa encontrar espaço nos diversos locais. "Isto para, literalmente, entrar nos lares das pessoas, levando conscientização acerca das questões de gênero e seus reflexos na sociedade, com o propósito de, num futuro próximo, não ter mais que lutar contra esse inimigo", ressalta a subsecretária de Prevenção à Criminalidade.
Presidente da Agenciauto — primeira organização a participar do Empresa Responsável, Sociedade Segura, na última quarta-feira — José Rodrigues Neto, 47, afirma que o programa transformou a perspectiva de todos os funcionários do setor. "Anteriormente, a segurança pública parecia distante para nossos associados, mas agora, compreendemos sua ligação com o desenvolvimento local", comenta. "Estamos comprometidos em envolver nossos funcionários em programas de prevenção à violência, colaborando ativamente com a comunidade", garante o empresário.
De acordo com Neto, a abordagem da SSP fortaleceu não apenas a conexão com a comunidade, mas aprimorou a imagem da empresa como entidade. "Aprendemos que, ao investir na segurança pública, estamos investindo em nosso próprio sucesso e no bem-estar de todos ao nosso redor", destaca.
José da Costa, 54, é o segundo pastor da Igreja Pentecostal, da quadra 25 do Paranoá, instituição que fez parte do programa Aliança Protetiva, no início de agosto. Segundo ele, o projeto ajudou a mudar a visão dos outros frequentadores da igreja sobre a violência doméstica. "Aprendemos bastante. Muitos tinham um olhar sobre a violência contra a mulher e, depois de participarem do encontro, essa visão mudou", afirma.
Ele comenta que programas como esse, ajudam as pessoas a mudar o pensamento, principalmente dos homens, que insistem em acreditar erroneamente que as mulheres não têm direito a liberdade e as tratam como posse. "O homem não tem o direito de tirar a vida e a liberdade das mulheres", reforça José da Costa.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail: sredat.df@dabr.com.br