Atos Antidemocráticos

Alto-comando da Polícia Militar do DF vai para a prisão

Em um trabalho minucioso, PGR apresenta denúncia contra integrantes do alto comando da PMDF no 8 de janeiro. Evidencias levam mais cinco policiais para a cadeia

Comandantes da Polícia Militar foram informados sobre possibilidade de atos violentos na capital, mas ignoraram relatórios da inteligência -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Comandantes da Polícia Militar foram informados sobre possibilidade de atos violentos na capital, mas ignoraram relatórios da inteligência - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Darcianne Diogo
Pablo Giovanni
postado em 19/08/2023 06:00

Integrantes do alto comando da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) nos eventos que antecederam os atos de 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes, foram presos ontem em uma operação conjunta da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que também denunciou os sete oficiais da operação no âmbito do inquérito 4.923, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao oferecer a denúncia contra sete policiais na quarta-feira, a PGR também solicitou a prisão de todos os envolvidos, além da busca e apreensão; bloqueio de bens; e a suspensão pública dos envolvidos — todos deferidos anteontem pelo ministro Alexandre de Moraes, que também suspendeu a atividade policial dos oficiais. Na denúncia assinada pelo coordenador do Grupo Estratégico dos Atos Antidemocráticos da PGR, Carlos Frederico Santos, o procurador revela que existia uma rede de desinformação entre os membros do alto comando, com o repasse de mensagens falsas que colocavam em xeque a lisura do processo eleitoral brasileiro.

Em uma delas, a dois dias do segundo turno das eleições de 2022, Klepter Rosa enviou uma mensagem, sem nenhum contexto, para o então comandante-geral, coronel Fábio Augusto Vieira. Nela, há um áudio editado atribuído ao ex-candidato à presidência Ciro Gomes (PDT), onde deixa explícito que o pleito eleitoral já estaria "armado", além de que a ordem será "restabelecida", afastando o ministro Alexandre de Moraes. Nas mensagens analisadas pela PF e PGR, ao receber esse "informe", Fábio repassou ao coronel Marcelo Casimiro, ex-comandante do 1° Comando de Policiamento Regional (1° CPR), criando uma rede de desinformação e de mentiras falsas dentro do comando da corporação. No relatório da PGR, as mensagens conspiratórias prosseguiram entre Casimiro e Fábio após as eleições, que elegeram democraticamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Um dos exemplos de que as mensagens circularam entre os integrantes da força foi em em 1° de novembro. Nesse dia, nas mensagens obtidas pela PF e anexadas na denúncia da PGR, Casimiro enviou um quadro explicativo que, segundo ele, seria para a "regular sucessão presidencial". Nela, há três hipóteses: uma suposta aplicação do art. 142 da Constituição Federal; "intervenção militar"; e "intervenção federal" por iniciativa militar. Mesmo duvidando da procedência das mensagens, Casimiro diz: ""Não (sei) se procede esse entendimento, mais (mas) é interessante a explic ação".

As mensagens entre os dois não cessaram e, mais para o fim do dia, Casimiro enviou mais uma "corrente de desinformação" onde dizia que existia um relatório das Forças Armadas, dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria vencido as eleições. Ao ler a mensagem, Fábio, mesmo sabendo que o conteúdo não era verídico, não retrucou o coronel, que comandava a área responsável pelo batalhão da Esplanada dos Ministérios. "A cobra vai fumar CMT (comandante). Mesmo q (que) não seja verdade", escreveu.

No trabalho da PGR de 196 páginas, a denúncia é destrinchada em uma espécie de linha do tempo, com cada acontecimento apurado pelo grupo de procuradores. No recorte feito pela reportagem, a tentativa de invasão à sede da PF, em 12 de dezembro, e o cenário de terror, na capital do país, foi criticada pela PGR. Na denúncia, Carlos Frederico cita que, embora presente no local, a PMDF não prendeu ninguém. A justificativa dada pelos oficiais, inclusive à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa, era de que a corporação optou por colocar "ordem na casa", principalmente porque parte da equipe estava alocada na diplomação de Lula — o caso ocorreu quando o indígena José Acácio Serere Xavante, conhecido como cacique Tsereré, foi preso pela própria PF.

Apesar das justificativas, a PGR não entendeu dessa maneira. Para sustentar de que os coronéis foram omissos, apresentou mensagens enviadas por Casimiro e pelo ex-comandante do Departamento de Operações (DOP), coronel Jorge Eduardo Naime, ao então comandante-geral Fábio Augusto, que indicavam que a corporação teve claras oportunidades de efetuar a prisão dos manifestantes. "Em momento preliminar, concomitantemente aos ataques, Marcelo Casimiro revelou que a Polícia Militar havia produzido informações de que os ônibus com os insurgentes partiram do acampamento em frente ao QG do Exército, em direção à sede da PF."

Ainda com base na denúncia, Fábio Augusto, Naime e Casimiro tinham conhecimento de que o acampamento no Setor Militar Urbano (SMU) concentrava extremistas e que ali era um ponto de organização para a prática de atos antidemocráticos voltados a garantir a permanência do ex-presidente no poder. 

Apagão na inteligência

Os militares monitoravam a chegada de caravanas em ônibus na capital federal. O coronel Paulo José teria recebido em 7 de janeiro, pelo WhatsApp, a informação de que os extremistas estariam preparados para uma "guerra" para "tudo ou nada", dispostos, inclusive, a confrontos fatais, sem intenção de retroceder. A mensagem era a seguinte: "Agora eu vou te falar Paulo, eles vieram preparados para a guerra mesmo, pelo o que vi não vão ceder de forma alguma, vão partir para tudo ou nada. Ouvi muitas conversas referindo até mesmo morte, mas não vão se render, as coisas estão mais sérias do que muitos brasileiros estão imaginando".

A informação foi repassada a outros dois oficiais alvos da operação. O coronel Paulo teria difundido a informação a Marcelo Casimiro. Para a PRG, a mensagem foi tratada como deboche e risos, dizendo: "Vai dar certo". Com as provas, a PGR concluiu que não houve "apagão de inteligência". "Os denunciados receberam abundantes informações em diversos grupos de comunicação, inclusive com agentes infiltrados nos acampamentos, para monitorar a proporção dos atos e a organização dos seus integrantes", destaca a denúncia.

Ainda com base no documento, a "falha" operacional não decorreu nos serviços de inteligência da PMDF, mas, sim, houve "omissão dolosa por parte dos denunciados". "Os agentes de segurança pública denunciados poderiam ter atuado para impedir os resultados lesivos verificados em 8 de janeiro de 2023, pois obtiveram informações sobre os riscos inerentes aos atos", pontua a PGR.

  • facsímile Valdo Virgo

Saiba Mais

Crimes

A PGR apresentou denúncia, na quarta-feira, contra os coronéis Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da PMDF; o coronel Klepter Rosa Gonçalves, subcomandante da PMDF em 8 de janeiro; o coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-comandante do Departamento de Operações; o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, ex-comandante do Departamento de Operações; o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF; o major Flávio Silvestre de Alencar; e o tenente Rafael Pereira Martins. Eles estão detidos na 19° Batalhão da Polícia Militar, dentro do Complexo Penitenciário da Papuda.

Todos são acusados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e por infringir a Lei Orgânica e o Regimento Interno da PM. Além dessas acusações, a PGR pede que seja decretada a perda dos cargos dos denunciados. O ministro Alexandre de Moraes avaliará se aceita ou não a denúncia.

Em nota, a defesa de Naime afirmou que recebeu com estranheza a denúncia da PGR imputados a ele crimes muito graves. "Policial militar há três décadas e gozando de dispensa-recompensa no dia 8 de janeiro, Naime compareceu ao local dos fatos para ajudar seus companheiros de farda. Agiu de acordo com a Lei e efetuou dezenas de prisões, sendo inclusive ferido por um rojão. Temos certeza da inocência do coronel Naime", escreveram. 

Os representantes do ex-comandante Fábio Augusto declarou que não recebeu a denúncia, sabendo apenas pela imprensa. "Considerando os fatos e provas disponíveis, não há outra decisão racionalmente motivada diferente da rejeição da denúncia. O coronel Fábio e sua defesa técnica reiteram a confiança na Justiça e no inarredável compromisso de fortalecimento da Democracia", disseram. 

Alvos da operação

Coronel Fábio Augusto Vieira: comandante-geral da PMDF em 8 de janeiro de 2023;

Coronel Klepter Rosa: subcomandante da PMDF no 8/1, e assumiu cargo após exoneração do antecessor, Fábio Augusto;

Coronel Jorge Eduardo Naime: comandante do Departamento de Operações (DOP) em 8 de janeiro, mas havia entrado de licença-recompensa em 3 de janeiro;

Coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra: sub-chefe do DOP da corporação, mas era titular do departamento;

Coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues: chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF em 8 de janeiro de 2023, mas havia designado verbalmente outro para atuar;

Major Flávio Silvestre de Alencar: chefe do batalhão da Esplanada em 8 de janeiro de 2023;

Tenente Rafael Pereira Martins: atuou no 8/1

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