A generosidade e a destreza características dos maiores mestres acompanharam cada passo da carreira da escritora, professora de português e jornalista Dad Squarisi. De origem libanesa, Dad adotou o Brasil e Brasília como lar, e ensinou gerações a escrever e a se comunicarem melhor. A editora de Opinião do Correio morreu, ontem, aos 77 anos, na capital que amava e celebrava. O velório será nesta sexta-feira (11/8), das 15h às 17h, na capela 5 do Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul.
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Dad Abi Chahine Squarisi nasceu em Chekka, no Líbano, em 1946. A família se mudou para o Brasil depois de o pai perder a luta pela independência libanesa. Antes disso, Dad morou em países como França, Espanha e Argentina, o que lhe permitiu aprender diversas línguas. Além do português e do árabe, ela dominava o francês, o inglês e o espanhol. "Eu saÍ do Líbano com 6 anos, meus pais foram exilados, saíram na expectativa de voltar logo", contou Dad ao Podcast do Correio na ocasião dos 63 anos de Brasília.
"Tanto que minha mãe tinha sete malas e só abria uma para as nossas urgências de roupas. Fui aprendendo línguas, era pequena, mas me comunicava com relativa facilidade no francês e no espanhol. Ao chegar ao Brasil, eu tinha 8 anos e meus colegas tinham 7. Embora não soubesse muito do português, era alfabetizada em francês. Fiquei como a professora dos meninos. Nunca fizeram bullying comigo, porque respeitaram a minha competência."
O primeiro estado em que viveu no país foi o Rio Grande do Sul. Como tinha problema de asma grave, o médico recomendou a mudança para um local seco, e os pais escolheram Brasília, em 1968. Na capital, ela cursou letras na Universidade de Brasília (UnB) e atuou como professora no Instituto Rio Branco (IRBr) por mais de uma década, antes de passar no concurso para consultora legislativa do Senado Federal.
Há 30 anos, foi convidada pelo então diretor de Redação do Correio Braziliense, Ricardo Noblat, para revisar a primeira página do jornal. "Noblat falava que se o leitor visse um erro na capa do jornal, desistiria de comprá-lo", lembrou Dad. Poucos anos depois, tornou-se editora de Opinião.
Sua qualificação era tamanha que a então revisora tinha carta-branca para mudar as chamadas da capa de forma a garantir o entendimento. "Se o leitor não entende o que noticiamos, não é porque lhe falta conhecimento. O erro é nosso. Precisamos saber como escrever, para que todos entendam", disse, reforçando um ensinamento que semeou durante toda a vida.
Em 1994, ela passou a assinar a coluna Dicas de Português, com data marcada para terminar. Serviria apenas para orientar os mais de 30 mil candidatos inscritos naquele ano no concurso do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Passado o concurso, a coluna teria decretado o seu fim. Mas os leitores não deixaram. A coluna fez tanto sucesso que passou a ser publicada sem interrupção.
Dad constituiu um caso raro de celebridade construída apenas pelo jornal impresso. Era reconhecida em filas de banco, restaurantes, supermercados, hospitais e até em barreiras de trânsito. Ela se divertia ao narrar o episódio de, ao passar por uma blitz, ser identificada pelo agente de trânsito e interpelada para sanar dúvidas gramaticais. "Ficou uma fila imensa, tive de pedir ao agente para interromper os esclarecimentos, pois estava se instalando o caos no trânsito", lembrava Dad.
Foi ainda comentarista da TV Brasília e concluiu especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura na UnB. Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa estavam entre seus autores favoritos. Dad escreveu para adultos e para crianças; para técnicos e para leigos; brasileiros e estrangeiros; jornalistas, professores, concurseiros… A relação de públicos e de livros publicados é imensa, ultrapassa as dezenas. O senso de humor era uma de suas marcas registradas: "O humor é importante para acabar com a cara feia e rancorosa que deram à língua portuguesa", dizia ela.
Em sua sala, por e-mail, mensagem, carta ou ligação, deixava as portas abertas para esclarecer dúvidas sobre o idioma que aprendeu a amar. Com o talento de escritora, por meio de crônicas bem-humoradas, ela fazia o português parecer fácil: "A língua portuguesa não é difícil. É rica", costumava dizer Dad.
Ela é autora dos dois manuais de Redação do Correio. O primeiro Manual de Redação e Estilo, de 2005, virou item de colecionador. Ainda é possível ver exemplares circulando pelas mãos de jornalistas e de revisores, como referência para o exercício diário da profissão. Conectada às mudanças impostas pela tecnologia, Dad lançou, seis anos mais tarde, em 2011, o Manual de Redação e Estilo para Mídias Convergentes, incluindo orientações de escrita para plataformas digitais.
O mais recente Manual de Redação foi o motivo do emblemático encontro com Jô Soares, no Programa do Jô. A participação de Dad no talk-show, transmitido pela Globo, ocorreu em maio de 2012. "A internet já tem um estilo especial. Funciona como aquelas bonecas russas: dentro delas vão todas as mídias, e é possível encontrar jornal, revista, rádio, tevê, blogs, sites, entre outros. Então, há uma convergência de mídia para a plataforma", disse a escritora.
Pioneira, a jornalista também reunia histórias marcantes com a cidade, como a época em que lotes em regiões como Lago Sul e Lago Norte eram sorteados pelos jornais. "Quando eu cheguei a Brasília, só havia a Asa Sul e a W3 Sul. À época, os lotes do Lago Sul eram sorteados pelos jornais e ninguém ia tomar posse", lembrou. Até mesmo a equipe campeã da Seleção Brasileira de 1958 recusou o regalo. "A Seleção Brasileira de 58, campeã na Suécia, visitou Brasília nesse período e cada jogador recebeu um lote de presente, e nenhum tomou posse. Cinquenta anos depois, eles voltaram a Brasília e perguntaram quanto custava um lote no Lago Sul. R$ 6 milhões, R$ 7 milhões. Zagallo disse: 'Eu quero o meu, eu quero o meu'. Mas já era tarde", contou Dad ao Podcast do Correio, aos risos.
Na passagem dos 63 anos de Brasília, cidade que ela amava, Dad falou sobre a relação do Correio com a cidade: "Já disse para a Ana Dubeux, diretora de Redação. O Correio Braziliense deveria ser tombado, porque ele é memória da cidade. Nascemos com a cidade e trilhamos toda a caminhada." Dad era otimista sobre o futuro de Brasília: "Espero que nós continuemos mostrando a memória, o presente e o desenvolvimento da cidade. Vivemos a violência, mas acredito que será superado por uma era de paz. Quando vim, em 1968, para Brasília não se via as pessoas nas ruas. Hoje, a gente vê as cidades cheias de gente, carros, gatos e cachorros. Nós nos olhamos nos olhos. O melhor que nós temos é o brasiliense."
Ao lado do médico hematologista e hemo-oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein Nelson Hamerschlak, Dad lançou, no ano passado, o segundo volume do livro Desafios, que reúne depoimentos de 35 pacientes que fizeram transplante de medula óssea em decorrência de leucemia. A escritora, que se submeteu duas vezes ao transplante de medula e seguia o tratamento contra o câncer, coordenou e editou as publicações.
Em árabe, Dad é um advérbio, quer dizer "graciosamente", e só pode ser usado com o verbo andar. Um significado poético para quem tanto ensinou. Dad Squarisi deixa o filho, Marcelo; a nora, Katilen; e os netos, João Marcelo e Rafael. Ainda não há informações sobre velório e enterro. Nos últimos momentos, Dad pediu que ninguém ficasse triste, pois viveu a sua vida com intensidade, luta, coragem e afeto.
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