O recesso parlamentar está próximo do fim e a tramitação do arcabouço fiscal coloca a questão do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) de volta ao radar da bancada e do Governo do Distrito Federal (GDF). Políticos do DF e especialistas destacam que qualquer corte no fundo, por menor que seja, vai impactar o futuro da capital do país. A expectativa dos deputados da bancada brasiliense e dos líderes partidários é que o Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/2023 — que institui o arcabouço fiscal e define o destino do FCDF — seja um dos primeiros itens a serem apreciados no plenário da Casa, no retorno oficial dos trabalhos na Câmara, previsto para a próxima terça-feira.
De acordo com o secretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Distrito Federal, Ney Ferraz Júnior, qualquer alteração com a finalidade de limitar o teto do Fundo Constitucional traria prejuízo para a população do DF. "Estamos falando de recursos que hoje são mais de 40% do nosso orçamento. A gente tem conversado com parlamentares e com o próprio governo federal para garantir que o Congresso Nacional siga sensível a essa causa. Estamos otimistas que, em agosto, a Câmara dos Deputados aprove a mesma proposta do Senado. Brasília não pode ser penalizada com esse corte", declara Ney.
O secretário explica que a população mais carente seria a mais prejudicada caso as perdas no FCDF sejam concretizadas. "Ainda precisamos financiar o desenvolvimento da Região Centro-Oeste. Serão mais de R$ 87 bilhões de perdas nos próximos 10 anos. Quantos hospitais, quantas escolas não deixaremos de construir com esse corte? Somos a capital da República e precisamos crescer, se desenvolver para lá na frente, daqui algumas décadas, sermos autossuficientes. Mas não dá para secar o fundo constitucional", pondera Ney. "O governador Ibaneis e toda a equipe de governo está lutando tanto pela manutenção do Fundo Constitucional", ressalta o chefe da pasta.
O cientista político Rócio Barreto lembra que a criação do Fundo Constitucional faz parte do processo de independência do Distrito Federal, que começou com a Constituição de 1988. "Depois da criação da Câmara Legislativa do DF, das vagas de deputados e senadores, além da eleição direta para governador do Distrito Federal, a criação do FCDF foi mais um passo dado para que Brasília tivesse autonomia e não precisasse ficar pedindo dinheiro à União", analisa Barreto. "A capital do país é responsável pela segurança das embaixadas, dos Três Poderes, além de ofertar serviço de saúde. É impossível que o fundo permaneça dentro do arcabouço pois, com isso, o recurso perderia valor nos próximos anos", reforça o especialista.
Barreto acredita que, apesar do relator do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), defender a inclusão do Fundo Consitucional do DF no teto de gastos, o recurso será salvo. "O Senado já aprovou a retirada. Mesmo que a Câmara derrube, há a possibilidade de veto do presidente Lula. O governo federal garantiu que vai manter como está. A importância do FCDF foi mostrada ao governo e ao Congresso, inclusive com a atuação de governadores e ex-governadores", pontua o cientista político.
Expectativa
O deputado federal Alberto Fraga (PL) acredita que, dessa vez, o DF conseguirá mais votos a favor do Fundo Constitucional do que da primeira vez que o arcabouço foi votado na Câmara. "O PSD e o Republicanos se comprometeram a nos ajudar. São bancadas grandes. Se isso realmente acontecer, é provável que a gente vença no plenário. Da última vez, conseguimos 160 votos. Dessa vez, acredito que conseguiremos mais", observa.
A expectativa da deputada Erika Kokay (PT) é que os deputados federais venham a referendar o texto aprovado no Senado, que mantém o FCDF fora do teto de gastos. "Temos trabalhado incessantemente, inclusive durante o recesso, com o governo e com a Liderança do Governo na Câmara, que, aliás, já expressaram sua posição. Tanto o governo, por intermédio do ministro Padilha (Relações Institucionais), quanto o líder do Governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), expressaram que apoiam o texto do Senado, que se aproxima da proposta que foi encaminhada inicialmente pelo governo federal", ressalta a parlamentar.
Erika recorda ainda que as restrições no FCDF não partiram do governo federal. "Foi uma decisão do relator da matéria. O DF trabalhou de forma muito unitária, com as bancadas na Câmara, no Senado, com o movimento sindical, empresarial, e com toda a população, que acompanhou todo esse processo com muita atenção. Brasília não pode ser encarada como cidade dormitório. É a capital da República e deve ser tratada como tal. Pode se ter divergências acerca do montante do déficit a ser estabelecido, mas não há nenhuma dúvida que o DF perderia com a mudança de regra no Fundo Constitucional", finaliza.
Para o deputado Fred Linhares (Republicanos), perdas ou redução no FCDF podem ter um efeito "devastador em cascata" para Brasília. "Espero, sinceramente, que o FCDF seja mantido fora do arcabouço fiscal. Brasília precisa desses recursos orçamentários", afirma o parlamentar.
O deputado federal Júlio César (Republicanos) lembra que a população do DF cresceu 9%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, por isso, é mais imprescindível ainda que se mantenha o recurso responsável pela manutenção de serviços essenciais. "Serviços como educação, saúde e segurança são inegociáveis, precisamos manter a qualidade, vamos seguir defendendo esses investimentos para o DF. A bancada federal está unida, estamos trabalhando todos juntos pelo povo do DF. As articulações continuam, para que na Câmara já possamos sair com a vitória", diz.
O deputado Paulo Fernando (Republicanos) também acredita que o recente levantamento divulgado pelo IBGE reforça a necessidade de manutenção do FCDF sem cortes. "Apesar das controvérsias dos números dados pelo relator (Cláudio) Cajado e pelas autoridades do Governo do Distrito Federal e da assessoria da Câmara, acreditamos que os novos números do Censo do IBGE mostram a realidade da nova população do DF. Esses recursos são fundamentais para a manutenção da vida do DF principalmente na área de saúde, educação e segurança", enfatiza.
A articulação com deputados de outros estados é uma mobilização importante também para o deputado Gilvan Máximo (Republicanos). "Independentemente dos cálculos apresentados, o ideal é que não se mexa no Fundo Constitucional do DF. Precisamos ficar atentos e usarmos a influência de cada parlamentar para convencer nossos amigos deputados. Estamos atentos e vigilantes. Vai ser uma catástrofe se perdermos parte do FCDF", analisa.
O senador Izalci Lucas (PSDB) explica que, tecnicamente, a mudança do cálculo no FCDF seria um grande prejuízo para o DF. "Se fosse aplicada uma nova forma de cálculo desde o início do Fundo Constitucional, a perda seria de mais de 50%, estaríamos recebendo hoje menos da metade do que recebemos", esclarece.
"É importante manter o FCDF, porque a vocação de Brasília é ser a capital da República e o fundo é para isso. Qualquer mexida hoje, acaba-se abrindo um precedente. Vão querer mexer todo dia e toda hora. Eu creio que vão aprovar o texto do Senado (onde ficou definido que o fundo ficaria de fora do arcabouço fiscal)", pondera o tucano.
Tramitação
Antes do recesso parlamentar, os deputados federais votaram o projeto de lei que dá ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tramitava em regime de urgência e estava trancando a pauta da Casa. Portanto, não há nenhum impedimento regimental para que o arcabouço fiscal seja colocado em pauta assim que o plenário retome os trabalhos oficialmente, na próxima terça-feira.
Após votação na Câmara dos Deputados, o projeto segue para sanção do presidente Lula, que terá até 15 dias úteis para sancionar e/ou vetar a medida. A expectativa é que o presidente se posicione a favor do FCDF, uma vez que, no projeto original enviado pelo governo federal ao Congresso, não havia qualquer alteração no fundo.