A criminalidade em algumas regiões do Distrito Federal tem tirado o sossego de pais e professores, principalmente por causa do retorno das aulas dia 28. Taguatinga, por exemplo, tem enfrentado um sério problema com o tráfico de drogas nas proximidades de escolas. Segundo dados da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), a região administrativa concentra 48% das ocorrências desse tipo. Outra região com alto índice é Ceilândia, com 23,6% das notificações sobre o mesmo crime.
De acordo com o relatório da PCDF, entre janeiro de 2022 e abril deste ano — dados mais recentes — Taguatinga registrou 61 ocorrências de tráfico de drogas próxima à unidades de ensino. Quando comparamos o primeiro quadrimestre de cada ano, nota-se que os registros mais que dobraram, saindo de 10, no ano passado, para 22 neste ano. O cenário é semelhante em Ceilândia, onde os registros foram de cinco, em 2022, para oito em 2023.
Situação que preocupa toda a comunidade escolar, que luta por soluções efetivas para combater esse tipo de crime. Pouco antes das férias escolares, a equipe de reportagem do Correio percorreu algumas escolas das regiões mais problemáticas para ver como estão lidando com essa situação. Para preservar a segurança dos que participaram dessa reportagem, as instituições e seus profissionais não serão identificados.
Em uma das escolas de Taguatinga, a presença frequente de criminosos tem impactado o ambiente escolar, aumentando a sensação de insegurança e até mesmo prejudicando o desempenho acadêmico dos alunos. "Esse tipo de caso perto da escola desperta medo em pais, alunos e funcionários. Além disso, causam estigma equivocado à própria instituição", explica uma diretora da unidade de ensino.
A criminalidade nos arredores do colégio não gera somente sensação de insegurança, mas verdadeiras tragédias, que alertam sobre a gravidade desse panorama. "No ano passado, houve um homicídio de um ex-aluno, morador da comunidade, e que havia sido cooptado pelo tráfico, tornando-se usuário e traficante", lamentou a profissional de ensino.
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Ciclo da violência
Em Ceilândia, por mais que a recorrência dessa situação seja menor do que em Taguatinga, ainda provoca transtornos às unidades de ensino que sofrem com esse problema. Em uma das unidades visitadas pelo Correio, um representante da escola relatou que não é só o tráfico que gera incômodo, mas toda uma cadeia de violência gerada por ele. "Um crime, na maioria das vezes, está ligado a outro. Na comunidade ao nosso redor vemos muitos assaltos, roubo de celular, etc. A violência em geral atrapalha a rotina de qualquer escola. Aqui, é um ciclo que se auto-alimenta", explicou um dos servidores da instituição.
Com isso, a escola se vê num panorama que requer atenção em dobro com a rotina dos jovens que, por vezes, encontram meios e locais para fazer uso de substâncias ilícitas. "Vez ou outra, pegamos alunos usando drogas, principalmente maconha, nos banheiros. Às vezes, acontece de termos que parar alguns estudantes e conferir a garrafinha, na qual achamos que tem água, mas tem álcool. Ou mesmo em passeios que fazemos, temos que verificar as bolsas para ver o que estão carregando. Também não é incomum sabermos que alguns são usuários de drogas e muitas vezes, comparecem sob efeito delas", comentou.
Prejuízos
Engana-se quem pensa que a presença dos criminosos perto das escolas é uma escolha aleatória. Os traficantes escolhem a dedo onde vão atuar, e aproveitam de diversos fatores, sendo o principal a grande circulação de pessoas vulneráveis às abordagens, o que pode servir para iniciar ou dar continuidade aos negócios ilícitos, explica Antônio Suxberger, especialista em segurança pública e professor de direito do Centro Universitário de Brasília (Ceub).
"Locais com grande movimento de pessoas e públicos suscetíveis a abordagens de convencimento (crianças e adolescentes, espaços de lazer coletivo, shows, festas fechadas) acabam sendo eleitos para a prática do tráfico pela possibilidade de circulação de pessoas e da própria droga", afirma.
Também é importante lembrar que as unidades de ensino que enfrentam esse problema passam a lidar com crimes adjacentes a esse cenário. "Além da difusão indesejada de droga a grupos vulneráveis, a circulação de entorpecentes comumente vem associada com práticas violentas — ameaças, achaques e constrangimentos em geral, que tomam como pano de fundo disputas territoriais ou dívidas de drogas", descreve Suxberger.
No entanto, o especialista destaca que esse não é um quebra-cabeça sem solução. Nesse sentido, uma peça se faz fundamental: integração. "É preciso otimizar as possibilidades de interação da vizinhança e a percepção dos alunos e da comunidade sobre o que seja o uso desses espaços. Os estudos teóricos sobre a chamada "eficácia coletiva" se ocupam justamente da possibilidade de que os grupos comunitários se engajem para evitar a ação criminosa em áreas de grupos mais vulneráveis (crianças, adolescentes e jovens adultos, no caso de drogas)", recomenda.
Volta por cima
Em Taguatinga, algumas instituições se atentaram à aproximação desses criminosos e não exitaram em encontrar uma resposta. Uma das escolas localizadas no centro da cidade investiu no fomento ao desenvolvimento dos estudantes, com quadras, salas, laboratórios. A instituição criou equipes de futsal, vôlei, handebol, basquete, tênis de mesa, xadrez, e-Sports, uma comissão discente para as Olimpíadas do Conhecimento ,e assessorias estudantis, que participam ativamente da gestão.
"O ensino vai além da sala de aula e pode abarcar todos os espaços do ambiente escolar. Se o tráfico tem um projeto de vida que os levará à morte, a escola precisa continuar investindo num projeto de vida que os faça enxergar que o futuro deles começa hoje!", afirmou um dos funcionários da unidade de ensino.
Assim como essa instituição de ensino, outra unidade de Ceilândia também encontrou meios de afastar o tráfico de seus muros. Por lá, o que funcionou foi investir em espaços que fizessem os alunos se sentirem calmos e acolhidos dentro do ambiente escolar, com projetos como a troca de mensagens positivas e ambientes antiestresse. A unidade priorizou mostrar aos seus estudantes formas de sair do crime ou evitá-lo como maneira de ganho financeiro e social.
"A referência de crescimento dessa comunidade, que tem uma alta taxa de gravidez na adolescência, vulnerabilidade familiar, etc. é o narcotráfico, que era tido não só como uma forma de ganho financeiro rápido, mas de ascensão social. Quando você busca novos referenciais, seja com professores, colaboradores, representações sociais e políticas, entre outros, você dá a esse estudante outras leituras de mundo que podem ser mais eficientes que o tráfico", reitera uma das profissionais que participa da gestão da escola.
Papel do governo
Diante dessa situação, as autoridades locais têm intensificado as ações de combate ao tráfico e ao consumo de drogas próximo a escolas da região. Além da realização de operações policiais que visam desarticular as redes de tráfico e prender os responsáveis, as forças de segurança estão apostando em medidas preventivas. "Estas incluem o policiamento comunitário, o incremento de investigações em zonas com alta taxa de criminalidade, operações direcionadas contra grupos de crime organizado e melhorias nos sistemas de inteligência criminal", afirmou, em nota, o Governo do Distrito Federal.
De acordo com o GDF, a diminuição dos crimes em um determinado local ao longo do tempo é interpretada como um sinal de que as medidas aplicadas estão funcionando. Quantos às regiões em que a criminalidade persiste, a Polícia Civil do DF informou que não é possível, nesse momento, fazer a divulgação de investigações em andamento no local, mas que "há todo um planejamento estratégico específico para o combate à criminalidade na região".
Saiba Mais
Batalhão Escolar
Outro ponto ressaltado pelas instituições de ensino procuradas pelo Correio foi a importância do diálogo constante com o Batalhão Escolar da Polícia Militar (PMDF). Em Ceilândia, as notificações realizadas foram um dos fatores que fizeram com que as ocorrências se tornassem menos frequentes. "A partir de 2017, com várias denúncias da escola, as ocorrências foram caindo gradativamente. A parceria com a força de segurança foi essencial para ações conjuntas na prevenção do crime organizado do tráfico nas imediações", relatou uma das funcionárias.
Em Taguatinga, um dos colégios que conseguiu reduzir esse tipo de crime nas imediações também destacou a relação com as forças de segurança como essencial para lidar com esse tipo de questão. "Temos uma relação próxima, e sempre fomos atendidos prontamente quando alguma ocorrência deste tipo é percebida. A presença da polícia é um fator importantíssimo que inibe o tráfico de drogas dentro da escola", pontuou um dos colaboradores.
Comunidade
Neste cenário, a participação da comunidade também desempenha um papel fundamental. Caso presenciem atividade suspeita em sua região, os moradores podem denunciar e contribuir para tornar mais seguro o local onde residem. "A participação comunitária nos espaços públicos (escolas) destinados a crianças e adolescentes é a melhor medida de prevenção no enfrentamento do tráfico de drogas e da criminalidade violenta em geral que atinge jovens adultos e adolescentes", explica Antônio Suxberger.
Assim, para que Taguatinga e Ceilândia possam se livrar desse problema e proporcionar um ambiente seguro para seus moradores e estudantes, a colaboração de todos é fundamental. "Essa é uma questão influenciada por muitos fatores, mas com certeza a presença dos pais, professores e de toda a comunidade faz a diferença. Acredito que o investimento em solidariedade e no convívio também é relevante. Um aluno que tiramos do tráfico é uma família que construímos lá na frente", concluiu uma das funcionária de uma das escolas de Ceilândia.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira