Foi, sobretudo, afetivo o caminho seguido pelo jornalista Sérgio de Sá para escrever Bernardo Sayão — Caminhos, Afetos, Cidades, que tem lançamento marcado para amanhã no Gentil Café. Longe de ser uma biografia, o livro funciona como uma série de crônicas sobre a vida do engenheiro que ficou conhecido pela construção da estrada Belém-Brasília e pela morte trágica, mas foi também um pioneiro da interiorização do Brasil e uma figura chave na construção de Brasília.
Sérgio de Sá é neto de Bernardo Sayão. Filho de Lia, uma dos seis filhos do engenheiro, e sobrinho de Léa, autora de Meu pai, Bernardo Sayão, ele não chegou a conhecer o avô, mas cresceu com o ouvido grudado nas histórias míticas contadas por tios e pela avó, Hilda, com quem chegou a morar por um tempo. Tirar o avô do lugar mitológico e colocá-lo na realidade do cotidiano foi um dos desafios na escrita do livro.
Bernardo Sayão — Caminhos, Afetos, Cidades não é uma biografia nem se apega a contar sequências cronológicas da vida do desbravador, mas transforma em pequenas crônicas momentos emblemáticos, alguns mais conhecidos que outros, da trajetória do personagem. "A ideia desse formato é que fosse uma coisa leve, que as pessoas lessem como pequenas crônicas da vida dele que pudessem, juntas, dar uma dimensão biográfica que me parece que pode fazer algum sentido", explica o autor.
Abre o livro o acidente que levou à morte do engenheiro, à beira da Belém-Brasília em construção, na divisa entre o Pará e o Maranhão. Um galho de jatobá teria despencado de 40 metros sobre o corpo de Sayão, que ainda foi socorrido por um helicóptero, mas morreu durante o voo, em uma tarde de janeiro de 1959. Há várias versões para esse momento e Sérgio de Sá se debruçou sobre todas elas, em um exercício de checagem de fatos e investigação de tudo já escrito sobre o avô, postura que conduz o neto por todo o livro. Sayão foi perfilado por grandes escritores, como John dos Passos, para a revista Life, Virginia Prewett, para a Seleções do Reader's Digest, e Antonio Callado, para a Visão. Este último também faria do pioneiro um dos personagens do romance Quarup. Na ficção, aparece ainda em Cidade livre, de João Almino. E em crônicas, é personagem frequente de autores como Conceição Freitas e Clemente Luz.
Fotografias —muitas inéditas e guardadas no acervo familiar, outras pouco vistas e pertencentes a arquivos públicos — abrem os capítulos numa reconstituição iconográfica do homem, mas também da família. Elas estão associadas às histórias narradas, mas não são necessariamente descritivas dos episódios. Nessa pesquisa de imagens, o autor se deparou com um registro histórico do momento que selou para sempre a entrada de Bernardo Sayão para a história do Brasil. Em 1941, ele recebeu de Getúlio Vargas o convite para integrar a Marcha para o Oeste e "levar o Brasil para dentro de si mesmo", como escreve Sá.
Foi o início de uma saga que terminaria na Belém-Brasília, passaria pela fundação da cidade de Ceres, antes Colônia Nacional de Goiás, por uma breve passagem pela política goiana, pela Novacap, da qual Sayão foi diretor, e pela construção de Brasília, como espécie de emissário de Juscelino Kubitschek nos canteiros de obras. "É um livro que organiza coisas esparsas", avisa o autor, que também precisou dissociar afeto e história, mito e avô, para dar conta do personagem. "A pesquisa e a leitura me fizeram ver um homem mais real", conta. "Ele era muito mítico, mesmo para mim, meu avô, esse cara cujo sobrenome chama tanto a atenção. Para mim, também era uma narrativa um pouco etérea, como se ele, de alguma maneira, não tivesse existido, porque as pessoas, ao falar dele, falam sempre de uma maneira, saudosa, reverencial. Mas ele existiu na dimensão concreta, do dia a dia de um pai afetuoso ou de um cara que precisa lidar com questões financeiras", acrescenta.
Aventureiro corajoso
As histórias da construção da Belém-Brasília e da própria capital são mais conhecidas, mas é nos episódios menos espetaculares descritos no livro que estão os indicativos mais reveladores da construção do aventureiro corajoso que ajudou a desbravar e povoar a região central do país. A viagem empreendida por Bernardo Sayão em 1939, de carro, do Rio de Janeiro até o Araguaia, com a irmã e as duas filhas do primeiro casamento, Laís e Léa, em férias de inverno, destinadas a conhecer o interior do país é reveladora e anuncia a saga que seria a aceitação do convite de Getúlio Vargas. "Eu acho que ficou mais claro para mim que ele era meio maluquinho", brinca Sá. "Sair do Rio de Janeiro, fazer uma viagem de carro até o Araguaia em 1939, depois aceitar vir para o interior de Goiás, nos anos 1940, um lugar bastante inóspito, e estar no chão de fábrica, na estrada, acho que isso causava encanto nos trabalhadores. Ele era motivo de inspiração. Mas, por ser um homem de ação e ter morrido na batalha, ficou um pouco esquecido", acredita.
Outro aspecto ressaltado em todo o livro é a ligação de Sayão com a natureza e o trabalho em campo. Homem avesso a escritórios e procedimentos burocráticos, era no encontro com as pessoas e com o próprio meio que ele exercia o talento para a construção. Os inúmeros episódios no Rio das Almas, a relação com os colonos e com os trabalhadores que comandava, a liderança natural e o empenho em facilitar a ligação dos filhos com a natureza permeiam todos os capítulos. É um pouco também o que faz o neto contestar a definição de bandeirante que tantas vezes foi utilizada para descrever Sayão: "Ele não era um bandeirante, não era o cara que ia lá, saqueava e ia embora. Ele tinha essa coisa do pioneiro colonizador, chegava primeiro, estabelecia contato, já com essa coisa da natureza, da educação. Ele tinha uma certa vocação socializante".