Mesmo diante de campanhas recorrentes, no Distrito Federal a adesão ao uso de materiais recicláveis ainda é baixa. Muitas pessoas ainda não compreendem a importância dessa prática e não se sentem motivadas a adotá-la. O cenário se torna preocupante, ao ponto de empresas públicas e privadas sentirem a necessidade de realizar ações de conscientização para incentivar o uso e o descarte correto, como, por exemplo, os governos federais, estaduais e distrital possuem leis e decretos com o objetivo de fomentar tal economia ou marcas que vêm promovendo ações em prol da reciclagem.
O brasileiro produz, em média, 1,043kg de resíduos por dia de acordo com dados do Panorama dos Resíduos Sólidos 2022, pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Conforme o levantamento feito por técnicos da entidade, em 2022, do total de 81,8 milhões de toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) gerados no Brasil, os materiais recicláveis secos representavam apenas 33,6%, correspondendo a quase 28 milhões de toneladas no período. Na avaliação do governo, esse número significa uma perda econômica anual de R$ 14 bilhões.
Tradição familiar
Débora Da Col Tavares, 56, começou a separar lixo há cerca de 30 anos, e herdou o costume de reutilizar materiais recicláveis de seus antepassados. A empreendedora vem de família de imigrantes italianos do século XIX que, por necessidade, utilizavam o que tinham para transformar em algo útil para a sua sobrevivência. Além da sua avó, que usava tecido para fazer chinelos para os filhos, Débora cresceu com a sua mãe utilizando sobras de fios de lã ou tricô para fazer mantos, cobertas e roupas para presentes ou vendas.
Atualmente, Débora segue os ensinamentos de sua família e percebe formas de ser sustentável em diversos aspectos, participando de grupos como o "Sobras de Obras", que tem como objetivo a reutilização de materiais de construção como cimento, brita, tintas, piso. Não coincidentemente, decidiu ter a sua moradia em um condomínio socioambiental, o Condomínio Verde, no Jardim Botânico, que oferece coleta seletiva.
Ela, ainda, é dona do "Cara Nova", seu brechó sustentável. "É um dos comércios mais inteligentes do mundo. Beneficia o fornecedor, que não usa mais a sua peça, a proprietária, a cliente que comprou uma peça por preços abaixo do mercado, e a própria indústria, porque estimula a logística reversa. Fazendo isso, beneficia o planeta", conta. "A gente não pode tornar as coisas tão descartáveis assim. É o tempo, o trabalho e a dedicação de uma pessoa que se materializa. A gente é muito mais ligado aos outros do que a gente pensa", desabafa.
Débora acredita que a mudança tem que vir pela educação e lamenta a visão de muitas pessoas que ainda se percebem como algo à parte da natureza. "Se é bom pro planeta, é bom pra nós. Não tem essa separatividade: o planeta somos nós. O planeta é você."
Desmotivação
Nos últimos anos, a população se desestimulou em realizar a coleta seletiva para a reciclagem, é o que avalia a professora e doutora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) Izabel Zaneti. Isso ocorrem segundo ela, por conta da visão equivocada que a sociedade tem em relação ao lixo e ao meio ambiente nos últimos anos. "Até hoje tem gente que descarta, coloca em frente de casa e ele desaparece", enfatiza.
Esse pensamento, para a especialista, é fruto de uma cultura que só vê valor no lixo quando ele vira resíduo. "Depois que o material passa pelos catadores, por uma triagem, e chega no mercado, aí, sim, passa ser visto e a ter valor. É nesse momento que as pessoas se dão conta", esclarece. "Eu preciso saber que por trás disso tem um catador, ou em um corporativa ou que trabalha sozinho na rua", diz.
A especialista defende a importância da educação ambiental, formal e informal, para que a população de um modo geral se conscientize de que é possível ter um consumo responsável. O ideal, contudo, não é procurar os "culpados". Izabel entende que a responsabilidade é da sociedade como um todo, desde a indústria, as empresas, até o indivíduo.
Incentivo às empresas
Desde a criação Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida pela Lei nº 12.305/2010, a logística reversa é um dos instrumentos utilizados para a implementação do princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. No Brasil, a adesão de mais programas de logística reversa resultou em um aumento considerável da recuperação de materiais recicláveis secos, de modo que até o mês de novembro, foram responsáveis por 306 mil toneladas de resíduos reciclados. A maior parte foi composta por papel e papelão (40,1%), seguido do metal (23,9%), plásticos (23,2%), vidro (11,2%), e outros (1,6%).
O Decreto Federal nº 11.413/2023, em vigor desde abril deste ano, prevê a certificação das empresas que aderirem à logística reversa. No DF, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema-DF) é responsável por entregar o Certificado de Crédito de Reciclagem "Recicla-DF". O título possibilita que importadores, distribuidores e comerciantes de produtos investir em projetos de recuperação e remunerar os catadores e as cooperativas responsáveis pela reciclagem dos materiais.
Iniciativas
No mercado do Distrito Federal, há empresas que incentivam a reciclagem, com o recolhimento de embalagens, em troca de descontos na aquisição de novos produtos ou mesmo com uma premiação, como presenteando o público que participa com batons.
Por sua vez, a Neoenergia possui um programa de recolhimento de material eletrônico. Por meio de parcerias, eles promovem eventos de coleta em diversas localidades, onde os consumidores podem levar seus aparelhos antigos ou quebrados para descarte adequado. Em troca, o programa beneficia os clientes com descontos na conta de luz.
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Caminho sem volta
Maria Letícia Moraes, 50, conta que começou a se interessar pela reciclagem há cerca de 10 anos, quando o supermercado onde costumava ir passou a aceitar plástico e papel dos clientes. Assim, passou a separar o lixo em casa para levá-lo ao mercado. Com o tempo, a oncologista diz que percebeu que grande parte das pessoas não têm interesse ou cuidado com a coleta seletiva. "Por exemplo, se tiver sangue de carne em alguma embalagem de isopor e botar num lixo seco, aquela embalagem vai contaminar todo o lixo do contêiner", explica.
Hoje em dia, junto com seu marido, Lucas Dantas, 39, preferem entregar os lixos diretamente a um catador de recicláveis. "Eu entrego diretamente para ele, porque eu tenho certeza que, em boas condições que eu produzo o meu lixo, ele vai ganhar dinheiro com isso. Então eu acho que todo mundo ganha. Isso é fantástico", compartilha. "Eu acho que a reciclagem é um caminho sem volta."
Gravimetria dos resíduos
A fração orgânica é a principal componente dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), com 45,3%. Os resíduos recicláveis secos são compostos principalmente pelos plásticos (16,8%), papel e papelão (10,4%), além dos vidros (2,7%), metais (2,3%) e embalagens multicamadas (1,4%). Os rejeitos correspondem a 14,1% do total e contemplam, principalmente, os materiais sanitários. Quanto às demais frações, temos os resíduos têxteis, couros e borrachas, com 5,6%, e outros resíduos com 1,4%.
A Abrelpe estima que o índice médio de reciclagem no país seja de 3% para a fração seca e de 1% para o resíduo orgânico. Esses dados refletem a sobrecarga do sistema de destinação final e na extração de recursos naturais, muitos já próximos do esgotamento.
*Estagiária sob a supervisão de Suzano Almeida