O 8 de janeiro foi um ponto fora da curva, de ocorrências que dificilmente deverão se repetir na capital do Brasil. É o que especialistas em segurança pública ouvidos pelo Correio atestam, mas reforçam que medidas têm de ser adotadas para coibir todo e qualquer tipo de atos criminosos no centro do poder da República, sendo uma das saídas o investimento maior nos serviços de inteligência e de monitoramento da segurança pública do Distrito Federal.
STF na reta final das denúncias contra vândalos de 8 de janeiro
Quando Londres sofreu os ataques coordenados ao metrô, em 7 de julho de 2005, o governo local adotou medidas, que não ficaram restritas somente aos locais onde os ataques ocorreram, mas se expandiram para outras regiões da capital. Para inibir atos como aqueles, foi implementada uma integração maior entre as inteligências das seções regionais do entorno londrino.
Ao âmbito da capital federal, o especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna sugere que haja medidas para inteligenciar as forças locais, com um monitoramento mais ostensivo sobre a real situação da Esplanada dos Ministérios. Isso não quer dizer tropas de policiais circulando na área. Para ele, o que é adotado na área central de Brasília, por exemplo, ainda é bem incipiente. "Não é só o quantitativo de profissionais, mas precisamos transformar essa porção da cidade como um primeiro passo para termos uma capital inteligente", aponta.
"O passo inicial seria o inteligenciamento da segurança pública, seja eles por câmeras, comportamento de pessoas, reconhecimento facial. São medidas que podem ser facilmente feitas, e não se sabe porque isso ainda não é feito na capital da República, de forma clara a que todos tenham conhecimento que podem ser identificados. Não se trata só de efetivo, mas também de tecnologia. Tudo isso deve fazer parte desse novo pensamento de aplicação de segurança pública para esse espaço, para depois ser distribuído a outras cidades do DF. Isso deve ser um conjunto, para que situações como o 8 de janeiro, ou algo semelhante, não aconteça novamente", ressalta.
De acordo com o advogado criminalista Berlinque Cantelmo, a área da Esplanada dos Ministérios não pode ser tratada como qualquer outra. O especialista aponta que, por ser uma região sensível, que engloba os ministérios e os prédios dos Três Poderes, um plano diferente de outras regiões do DF deveria ser adotado. "A PMDF deve, de fato, acionar um plano de chamada previamente, deixando a tropa em condições de pronto-emprego, utilizando-se de portfólio especializado nas figuras da tropa de choque e de recobrimento", diz. "Além da implementação de ações de inteligência, voltadas ao monitoramento prévio, e busca pela identificação dos reais interesses de indivíduos envolvidos nesses ambientes".
"Ainda que haja déficit de efetivo nos quadros de praças e oficiais das forças de segurança pública, incluindo a PMDF, os atos de 8 de janeiro não estão atrelados a essa deficiência de contingente. De toda sorte, é óbvio que as policiais militares, incluindo a do DF, carecem de efetivo, padecendo de fragilidade na alocação de recursos humanos em determinadas unidades estratégicas, como o batalhão da PM da Esplanada. Porém, essa realidade não é privilégio somente dessa unidade militar, responsável pela Esplanada, em específico, mas sim de todas as outras unidades que compõem a corporação", diz o especialista.
O Batalhão da Esplanada foi alvo de intervenções no início do ano, após os atos, com a reforma da estrutura e o aumento do efetivo para 500 policiais. Em paralelo, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) informou em nota que há uma integração entre 29 órgãos no Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob), com o monitoramento das câmeras de vídeo espalhadas por todo o DF. A pasta também informou que esses órgãos monitoram presencialmente a área, respeitando os limites constitucionais — não havendo uma equipe especializada apenas para a Esplanada para chamados.
No Protocolo Tático Integrado (PrTI) de Manifestações de 2017, todo o policiamento da Esplanada, como o cumprimento dos perímetros de segurança e de fases operacionais, são de alçada da PMDF. A inteligência, responsável pelo processamento de dados e elaboração de conhecimento que subsidiem as forças de segurança também estão a cargo da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Legislativa.
Temor
O advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas acredita que atos criminosos, sejam eles ou não semelhantes aos do 8 de janeiro, dificilmente deverão ocorrer novamente, já que as forças de segurança do DF estão mais atentas e atuantes na defesa da Esplanada.
"Como houve uma resposta rápida contra os invasores, por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público, inclusive com a prisão de vários deles, provavelmente outras pessoas que poderiam ter intenção de agir de modo semelhante, ficarão com receio de sofrerem as mesmas consequências que os invasores estão sofrendo no momento, com prisão e processos", aponta.
"Não me parece que seja necessário um incremento no batalhão da Polícia Militar, mas sim que ele seja usado de forma correta, já que eles possuem um contingente de equipamentos que são suficientes para fazer a defesa da Esplanada. Tanto que Brasília recebeu várias manifestações, algumas com alto nível de tensão, mas em nenhuma ocasião tivemos algum resultado catastrófico, e nem possibilidades de qualquer outro atentado", completa.
Para todos os tipos de manifestações, que não foram elaboradas dentro de um plano operacional para cada situação — organizado pelo Departamento de Operações (DOP) — acabam se encaixam dentro de um plano "geral" de operações da corporação, de 2020. O documento foi desenvolvido para evitar o que ocorria a mais de 4 mil quilômetros da Esplanada, onde uma onda de vandalismo, violência e hostilidade tomou as ruas do Chile, com manifestações de pessoas contrárias à corrupção e abusos de autoridades do país.
Como os atos do final de semana do 8 de janeiro eram esperados, mas considerados de baixa adesão — conforme depoimentos de coronéis à CPI dos Atos Antidemocráticos —, o planejamento para a situação não foi realizado, tendo a Polícia Federal apontando a omissão de um oficial da PMDF. Apesar da falha do 8 de janeiro, Leonardo crê que não é necessário a revisão nos protocolos internos, porque eles apresentaram resultados anteriormente. "O planejamento de 2020, da PMDF, serviu para outras manifestações. Eles foram utilizados em eventos muito maiores, do que ocorreu no dia 8. Um exemplo é o impeachment da então presidente Dilma. Naquele momento, haviam instrumentos desses, que não tiveram um resultado ruim", disse.
Previsibilidade
Especialista em segurança pública, o advogado Berlinque Cantelmo destaca que "qualquer plano operacional (das forças de segurança), esteja ele atualizado ou não, conta com critério de previsibilidade, ações de prevenção e alocação de portfólio especializado de maneira estratégica, de acordo com o volume do evento social. Como exemplo claro, podemos apontar toda a mobilização da PMDF nos dias de jogos de futebol de grande repercussão no Estádio Mané Garrincha ou grandes espetáculos artísticos", disse.
No âmbito do DF, as inteligências da PMDF e da SSP-DF trabalham apenas no assessoramento para tomadas de decisões do comandante-geral e do secretário de Segurança Pública, respectivamente, não repassando informações para a área operacional, nesse caso para policiais em campo na Esplanada. O Correio questionou as duas pastas sobre trocas de informes delas com as inteligências do governo federal, mas até o fechamento dessa reportagem não obtivemos resposta.