ENTREVISTA

'As cotas raciais têm resultados fantásticos', afirma reitora da UnB

Ao CB. Poder, a reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, fez um balanço sobre os 20 anos de aplicação das reservas de cotas no ensino superior. Ela também defendeu a adoçãopara os concursos de professores no magistério superior

A Lei de Cotas foi tema do CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília. À jornalista Ana Maria Campos, desta segunda-feira (10/7), a reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, relembrou o histórico de lutas para implementação do modelo de ingresso na instituição.

"Não há diferença entre a capacidade de um estudante que ingressa por cotas ou não", garante ela, que também falou sobre a aplicação do sistema para seleção de professores. A dirigente da UnB comentou, ainda, os benefícios voltados para as mulheres da universidade, com a construção de uma creche no campus Darcy Ribeiro.

Estamos comemorando 20 anos da Lei das Cotas. Podemos fazer um balanço positivo desse período de ações afirmativas?

A UnB tem o protagonismo de ter iniciado as cotas raciais no país. Em 2003, nós aprovamos; em 2004, nós iniciamos. Em junho completaram 20 anos. O balanço é muito positivo, mas foi muito difícil chegar aqui. Nossas cotas foram questionadas na Justiça e tivemos que nos defender. Em 2012, o Governo Federal sancionou a Lei das Cotas, e a UnB manteve as cotas raciais. Hoje, a UnB cumpre a lei, mas mantém seu protagonismo, ao manter 5% de cotas exclusivamente raciais.

E o desempenho dos alunos que entram por cotas? Eles foram bem-sucedidos após o ingresso?

Na época em que as nossas cotas foram questionadas na Justiça, foi exatamente esse o ponto: indagaram sobre a qualidade dos estudantes. Nós mostramos que não há diferença entre a capacidade de um estudante que ingressa por cotas ou não. Às vezes, o estudante não tem uma nota muito alta no ingresso, mas ele recupera isso ao longo do curso e, muitas vezes, com nota acima dos demais. Uma coisa importante também é que os estudantes que ingressam por cotas, como precisam persistir mais, valorizam, e a evasão não é tão alta. Agora, é importante frisar que é fundamental que o governo tenha políticas de permanência, porque, além das cotas raciais, nós temos a questão social. O empobrecimento da população é uma realidade. Então, precisamos dos programas de assistência estudantil para manutenção desses estudantes. Mas os resultados são fantásticos.

É possível imaginar que chegaremos num momento do país em que não precisaremos das cotas e que essas pessoas vão ter oportunidade de ingressar sem nenhum benefício extra? Como a senhora enxerga esse cenário?

Acho que sim, algum dia isso vai chegar, mas ainda estamos muito longe disso. É só vermos a situação da empregabilidade dos negros, dos indígenas, das mulheres. No Brasil, não temos cotas para mulheres no mercado de trabalho. Nós ainda temos um longo caminho pela frente. Precisamos melhorar a educação básica. O governo agora está com o programa mais forte de educação em tempo integral. Vejo que isso aí ainda vai levar algumas décadas para chegarmos ao ponto de não precisar de cotas para ingresso no ensino superior público brasileiro.

A senhora também defende que haja cotas para o ingresso de professores no magistério superior. Como é essa posição? Isso vai ser possível?

Nós já aplicamos as cotas para docentes e técnicos nos concursos públicos. O que acontece na UnB e na maior parte das universidades? Muitos concursos são para uma vaga e são muito específicos. Com isso, a aplicação da Lei de Cotas para concursos acaba ficando prejudicada, e o próprio Ministério Público tem questionado isso em todas as universidades. Nós agora estamos discutindo um novo normativo para juntar vagas periodicamente, de modo que, para concursos que tenham só uma vaga ou duas, possamos ter cotas também aplicadas nesses casos. Tem universidades que fazem por sorteio, tem universidade que faz contando quantos docentes naquela faculdade são negros. São formas de utilizar a legislação para docentes. Não é uma discussão fácil, nós apenas a iniciamos na UnB. Esperamos aprovar, em breve, uma nova resolução nesse sentido.

A universidade também oferece benefícios para mães funcionárias e professoras?

Temos trabalhado nisso, mas não é simples. Estamos construindo uma creche, com emenda parlamentar indicada pela deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania-DF). Será uma creche pública do Distrito Federal, em parceria com a UnB. Além disso, será uma creche-escola, como é o nosso Hospital Universitário, com ingresso de acordo com os critérios do GDF: de renda, distância de onde trabalha, etc. A creche já está em construção no campus Darcy Ribeiro, aqui no Plano Piloto. Infelizmente, a obra atrasou, mas até o final do ano esperamos inaugurar essa creche, que está ficando belíssima.

Há uma ideia de quantas vagas ela terá?

São em torno de 90 vagas, para o horário integral. Vai ser uma creche modelo e, ali, teremos estágio para estudante de pedagogia, licenciaturas, nutrição e várias outras áreas. Nós também estamos fechando um acordo de cooperação com a Secretaria de Educação do Distrito Federal, que vai administrar o local, de acordo com os critérios de vagas definidos pela rede pública de ensino.

*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti

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