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Fundo Constitucional do Distrito Federal: 262 deputados devem votar a favor

O número representa a maioria absoluta da Câmara. Cinco partidos — PL, PSD, PSDB, PT e Republicanos — orientaram os parlamentares a manter o texto do arcabouço fiscal, porém há risco de mudança até a decisão

Enquanto a reforma tributária e a votação do projeto que altera o funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) atrasam a votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/2023 — que institui o arcabouço fiscal —, parlamentares e representantes do Governo do Distrito Federal (GDF) seguem articulando nos bastidores para garantir a preservação do Fundo Constitucional do DF (FCDF). O trabalho tem surtido efeito com as bancadas e, até o momento, cinco partidos fecharam questão ou proferiram orientação aos deputados para votarem favoravelmente ao fundo: PL, PSD, PSDB, PT e Republicanos.

Somadas, as bancadas totalizam 262 dos 513 deputados. Porém, até que a votação aconteça de fato, nada está garantido, uma vez que as orientações das bancadas não configuram, de fato, obrigatoriedade e nem todos os parlamentares podem seguir, na prática, os direcionamentos das lideranças.

Mesmo sem definição de que o arcabouço fiscal seria colocado em pauta no plenário da Câmara dos Deputados, a vice-governadora do DF, Celina Leão (PP), esteve novamente na Casa construindo diálogos com os parlamentares e articulando votos a favor da manutenção do Fundo Constitucional.

"A política é construída em cima de diálogo e respeito e é isso que estamos fazendo. Eu estive com todos os líderes, com o presidente Arthur (Lira) e com o relator (Cláudio Cajado) e, com certeza, vamos construir uma saída para que a gente retire o Fundo Constitucional do arcabouço fiscal. A expectativa é bem positiva, os líderes estão se empenhando nisso, fechando questão sobre esse tema", declarou Celina.

O secretário de Planejamento, Orçamento e Administração do DF, Ney Ferraz, também esteve na Câmara ontem e, novamente, percorreu todas as lideranças para lembrar os líderes da importância do FCDF.

O Partido Progressistas, legenda da vice-governadora, está dividido quanto ao Fundo Constitucional. O relator do arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), insiste em manter o FCDF dentro do teto de gastos. "Alguns itens aprovados pelo Senado foram decisões políticas, não têm amparo técnico. Eu penso que a Câmara também vai se posicionar politicamente. Para o governo, haverá um impacto se for retirado da base (teto de gastos) a ciência e tecnologia, o Fundo Constitucional do DF e o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Isso pode gerar impacto de R$ 5 a 8 bilhões que o governo deixará de ter", disse Cajado.

Quanto ao posicionamento do colega de legenda, Celina apaziguou os ânimos. "Cajado é um querido amigo, ele está tendo uma visão técnica sobre o assunto, mas nós também temos contrapontos técnicos que demonstram outra situação. Isso aqui é o Poder Legislativo, há pluralidade de ideias, debate, democracia. Eu tenho certeza que, no final, o Cajado será convencido de deixar o FCDF fora do arcabouço fiscal", destacou a vice-governadora.

Atuação intensificada

O deputado Gilvan Máximo (Republicanos-DF) confirmou ao Correio que a liderança do partido fechou questão, ou seja, definiu que todos os 40 parlamentares que representam a legenda devem votar a favor do FCDF. "Tivemos 160 votos, quando ainda estávamos desmobilizados. Agora, com todo o trabalho que está sendo feito pelos atores do DF, creio que está tudo bastante encaminhado. A nossa ideia é unir todo o bloco (MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC)", destacou.

De acordo com o deputado, o único que está resistente quanto ao FCDF é Cláudio Cajado. "O presidente Lira já foi tocado e sentiu que, realmente, tem de manter o Fundo Constitucional fora do teto fiscal. Tenho 90% de certeza que vamos conseguir manter como está. Acho que não vamos precisar do veto do presidente (Luiz Inácio Lula da Silva)", observou.

Correligionário de Gilvan Máximo, o deputado Professor Paulo Fernando destacou que a bancada do DF, inicialmente, tem argumentado com os deputados de Goiás sobre a importância do fundo para a região, pelo fato de o assunto, de acordo com o parlamentar, atingir o Entorno. "Estamos pontuando com os parlamentares, ainda, sobre os números divulgados recentemente pelo IBGE, os quais mostram que a nossa população cresceu 9,5%. Isso, obviamente, demandará mais investimento e gastos com Brasília", pontuou. 

Senador pelo PSDB-DF, Izalci Lucas disse ao Correio que está observando, com confiança, a tramitação do arcabouço fiscal na Câmara. De acordo com o tucano, o desafio proposto por Arthur Lira e Cláudio Cajado foi vencido no Senado. "Pediram que a gente demonstrasse se, realmente, haveria prejuízo para o DF. Solicitei um parecer técnico e mostrei que, caso aplicasse a regra do arcabouço, perderíamos a metade do FCDF", comentou.

Izalci Lucas também falou sobre a posição de seu partido na Câmara. O senador revelou que conversou com o líder partidário do PSDB, deputado Adolfo Viana (BA), que confirmou a orientação favorável ao Fundo Constitucional. "Tenho conversado com os deputados do PSDB desde o início e o partido vai nos apoiar. Liguei pessoalmente para o Adolfo (Viana) e ele confirmou que deu a orientação para que a bancada mantenha o texto do Senado", informou.

Saiba Mais

Cinco perguntas para...

José Marilson Dantas, professor de governança e gestão de custos da Universidade de Brasília (UnB)

Desde que foi instituído, a correção anual do fundo é feita pela variação da receita corrente líquida (RCL) da União. Se o fundo for incluído no arcabouço fiscal, a partir de 2025, o repasse será corrigido de acordo com a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e ganho real da despesa primária do Poder Executivo, limitado a 2,5%. O argumento do GDF é que a correção seria ruim a longo prazo, o que geraria prejuízos bilionários a longo prazo. Por que a alteração no cálculo seria ruim para o DF?

A justificativa do GDF está baseada na constatação de que o valor que o Fundo Constitucional do Distrito Federal irá receber, após 2024, será muito inferior ao que deveria receber pelas regras anteriores à proposta do arcabouço fiscal proposto atualmente. O FCDF representa um percentual substancial na receita total que o governo distrital dispõe para custear a estrutura de serviços públicos de segurança, saúde e educação. Essa perda será significativa e irá afetar a qualidade de vida dos moradores de Brasília.

De que forma a possível alteração no cálculo do Fundo Constitucional do DF pode interferir na vida do cidadão comum, que utiliza os serviços da rede pública de saúde e educação no DF?

A alteração do cálculo de correção do FCDF irá impactar o financiamento dos serviços de saúde e educação, além da segurança que será um dos setores mais afetados. O cidadão comum poderá ser afetado pela falta de financiamento adequado nessas áreas e a consequente piora dos serviços públicos.

Falando da segurança pública, setor que recebe a maior fatia do FCDF, como uma possível redução do repasse pode afetar a área, desde os servidores até a segurança da população local?

A segurança pública poderá ser muito afetada por essa forma de correção do FCDF, pois atrela a correção do fundo ao crescimento da despesa do governo federal, descolando a correção do crescimento da receita. Imaginando um cenário de controle forte das despesas, a remuneração das forças de segurança do Distrito Federal poderia ser reduzida ao longo do tempo, com relação a outras categorias de servidores do governo distrital, que têm como fonte de financiamento as receitas distritais advindas dos tributos.

Quais as peculiaridades orçamentárias que fazem a capital da República necessitar de um fundo proveniente da União? Alguns ainda acreditam que, pelo DF ter um alto PIB e o bairro mais rico do Brasil, por exemplo, não necessita do Fundo Constitucional.

A cidade de Brasília tem uma característica especial que a difere de todas as outras cidades brasileiras, pois é a capital federal e tem sob a sua guarda a representação dos poderes da República, as sedes ministeriais, as embaixadas, só essa obrigação constitucional justifica um Fundo Constitucional para a manutenção da segurança. Os atos ocorridos em janeiro de 2023, com a invasão das sedes dos Três Poderes da República mostram a necessidade e a responsabilidade que o governo distrital tem com o país, no sentido de manter uma força de segurança que esteja preparada e seja do mais alto nível de capacitação. A redução do FCDF pode afetar a remuneração dos membros das forças de segurança e a consequente qualidade dos serviços prestados para garantir à capital da República a segurança necessária à sua estabilidade política e democrática.

Existe alguma verdade nos argumentos utilizados pelo relator da Câmara dos Deputados (Cláudio Cajado), de que a inserção do Fundo Constitucional no teto fiscal não traria tantos prejuízos ao DF?

A avaliação de cada ator no processo de justificativa das suas ações, não altera a realidade do FCDF que o governo distrital irá receber ao longo do tempo, pois será inferior ao valor que estava pactuado anteriormente ao arcabouço fiscal. Essa é uma verdade incontestável, pois um índice de correção menor, ao longo do tempo, quando aplicado em substituição a outro índice superior, sempre acarretará um valor menor e consequentemente perdas.