A violência contra a mulher foi tema do CB.Poder — parceria entre Correio Braziliense e TV Brasília — desta terça-feira (4/7). Cristina Tubino, presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), ressaltou a necessidade de políticas públicas mais abrangentes e multidisciplinares para lidar com esse trágico fenômeno que já fez 20 vítimas neste ano.
À jornalista Mariana Niederauer, a especialista também falou sobre os tipos de violência que preconizam o feminicídio e as evoluções na legislação para dar maior proteção às mulheres que passam pela situação. "Precisamos, antes, explicar para essa mulher o que é violência", frisa a advogada.
Como começa esse ciclo e a quais sinais nós podemos atentar para ajudar a cessar essa violência contra a mulher?
Acho muito importante essa abordagem um pouquinho diferente de não falar só sobre os feminicídios que estão acontecendo. Sabemos que esses são atos de violência mais graves e severos, que têm uma consequência irreversível. Porém, precisamos lembrar que a violência não começa com alguém tirando a vida dessa mulher. É muito comum que essas violências se iniciem de uma forma mais branda, mas não necessariamente menos danosa, porém por outros meios. Temos vários tipos de violência, que vemos acontecendo muito, como a moral, que se dá por ofensas e xingamentos que acontecem muito e diminuem a mulher, e a psicológica, que, às vezes, acontece todos os dias na vida de uma mulher. Além disso, temos a violência patrimonial e a sexual. Se tivermos uma atitude mais proativa, muito provavelmente conseguiremos evitar que essa violência escale e chegue aos extremos que temos presenciado.
Quais políticas públicas podem ser voltadas para esse combate e como nós podemos participar?
Sempre digo que, por vezes, todos nós parecemos enxugadores de gelo profissionais. Porque vamos lá para punir e tentar tomar alguma providência quando o mal já aconteceu. Temos que atuar antes para evitar essa violência. Isso pode acontecer de diversas formas. A própria lei Maria da Penha tem uma série de medidas de prevenção. Ela fala de medidas de prevenção e educação. Mas isso tem que ser aplicado. Existe uma previsão legal que fala até de colocação de uma disciplina dentro das escolas para falar da violência contra a mulher, para prevenir, cientificar e conscientizar. Sempre digo que o conhecimento é poder. É importante que a mulher e toda a sociedade saibam o que são os atos de violência contra a mulher. Para que isso seja combatido é importante que a mulher saiba quais são os direitos dela e a necessidade de tratá-las como iguais. A forma de ver a mulher tem que ser mudada para que não sejamos enxugadores de gelo.
Que modificações foram feitas na Lei Maria da Penha e como estão sendo aplicadas?
Nós tivemos uma alteração este ano para agilizar a concessão dessas medidas protetivas. Uma delas foi dizer que essas medidas protetivas de urgência serão concedidas dentro de uma cognição sumária. Significa que o depoimento da mulher, chegando perante a autoridade policial e trazendo as informações da violência, vai ser suficiente para que o juiz possa conceder essas medidas. Mais que isso, essas medidas durarão enquanto forem necessárias. Até então, a lei não fazia previsão de prazo e variava muito dependendo do juiz. Outra alteração é que, hoje, as medidas protetivas podem ser concedidas independentemente de que no momento inicial haja um crime estabelecido. Porque, às vezes, há violência, mas não há identificação de um crime naquele momento.
"Precisamos, antes, explicar para essa mulher o que é violência. Temos que trazer para a sociedade a explicação de que todos são iguais, que a mulher tem direitos iguais".
Como as políticas públicas entram nesse cenário?
As políticas públicas precisam ser abrangentes e de atuação multidisciplinar. Em casos extremos, em uma situação de violência que choca a sociedade, como temos tido, precisamos de uma resposta mais severa do Estado. Mas, precisamos de medidas protetivas sendo aplicadas com eficácia e mais dureza. Essas políticas públicas também têm que ser voltadas, antes de tudo, à prevenção e à conscientização. Temos que repensar, por exemplo, a forma como nós divulgamos a Lei Maria da Penha, a violência e os direitos que a mulher tem. Precisamos, antes, explicar para essa mulher o que é violência. Temos que trazer para a sociedade a explicação de que todos são iguais, que a mulher tem direitos iguais. Por exemplo, políticas públicas para dar a essas mulheres meios de sobreviver ao saírem dessas relações violentas. Se percebemos que são mulheres que, na maioria das vezes, têm dependência econômica, o Estado tem que dar a essa mulher meios para ela se capacitar. Se essa mulher tem uma dependência emocional, precisamos de uma política pública voltada para a saúde mental dessa mulher e um acompanhamento psicológico para que ela possa se libertar, ser independente, uma pessoa produtiva e para que ela possa ter a sua vida. Maria da Penha diz uma coisa muito importante: "A vida começa quando a violência termina".
*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti
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