Por todos os cantos Vicente Pires é possível encontrar construções de casas, condomínios e edificações verticais irregulares. A 20km de Brasília, a região ainda não está inteiramente regularizada. Com aproximadamente 78,5 mil habitantes, segundo a última Pesquisa Distrital de Amostra Domiciliar (Pdad 2021), é uma das regiões administrativas com maior crescimento, fruto do processo de expansão urbana e do déficit habitacional do Distrito Federal. Situação agravada pela especulação imobiliária e a venda de facilidades, que nem sempre condizem com a legalidade.
Para o urbanista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, a questão das construções em Brasília e especulação imobiliária é muito séria e delicada. "O Planalto Central, antes de mais nada, tem uma imensa fragilidade estrutural e inerente à sua geomorfologia (estrutura das formas de relevo), e a fundação das edificações deveria ser cuidadosamente estudada antes que se construa e não cabe verticalizar em todas as direções de qualquer maneira", explicou.
O especialista se impressiona com crescimento acelerado de Vicente Pires. "A trajetória da cidade, desde uma área de colonização agrícola, de chácaras, de produção rural até a situação atual de total congestionamento urbano e especulação enlouquecida é impressionante", conta o professor.
Segundo o Administrador de Vicente Pires, Gilvando Galdino, a questão do crescimento vertical e habitacional da cidade pertence ao mercado e não ao governo. "O seu papel o governo já está cumprindo: a regularização, a fiscalização e combate a construções clandestinas, que muitas vezes colocam a vida e o patrimônio das pessoas em risco."
Força-tarefa
A Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) tem feito uma força-tarefa contra obras irregulares em Vicente Pires. A portaria foi publicada em 4 de maio, no Diário Oficial do DF (DODF), com o objetivo de monitorar, geoprocessar e fiscalizar prédios, garantindo assim que as áreas públicas sejam desobstruídas.
A Secretaria DF Legal informou ao Correio que as ações em Vicente Pires ainda estão na primeira fase de execução. "Todos os lotes da RA já foram visitados, e, agora, a pasta está trabalhando os dados colhidos em campo para montar o relatório final. Este relatório tem prazo para conclusão até o dia 10 de julho, quando será encaminhado à Subsecretaria de Fiscalização de Obras para a continuidade das ações fiscais", afirmou em nota.
Desde 2019 até o fim de maio deste ano, a DF Legal efetuou mais de 5,5 mil ações fiscais em obras de Vicente Pires. Foram 355 embargos, 277 intimações demolitórias, 262 autos de infração, 159 notificações, 114 apreensões de materiais e 55 interdições, entre outras diversas atuações da pasta na cidade.
Com relação às operações, ocorreram 175 desde 2021 até o fim de maio deste ano. O total de área pública desobstruída, neste período, chega a 890.260m². Nos primeiros cinco meses de 2023, são 509 ações fiscais e 19 operações na cidade. A reportagem rodou por Vicente Pires e pôde constatar as diversas construções de edifícios na região, um condomínio que teve todas as casas derrubadas na rua 6, há cerca de três semanas, segundo um comerciante local que preferiu não ter a identidade revelada.
Regularização
Segundo a secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Vicente Pires foi dividida em quatro trechos. Existem algumas áreas que já tiveram projetos de regularização aprovados, como o Trecho 1 e o Trecho 3, recentemente registrados. O Trecho 2 e Trecho 4 foram aprovados no Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan), mas ainda estão com o processo de regularização em andamento.
Saiba Mais
Riscos
Para o DF Legal, existem riscos para quem compra ou constrói na cidade, uma vez que não é expedida a Carta de Habite-se e a falta de escritura, especialmente se a edificação for erguida em área de proteção ambiental. O responsável pela construção poderá sofrer sanções com multas e a demolição da unidade.
A arquiteta e urbanista Angelina Nardelli Quaglia ressalta que a recuperação ambiental, após a grilagem de terras, é difícil. "O meio ambiente não se recupera no mesmo tempo em que é destruído. Esse crescimento desordenado está ligado diretamente ao impacto ambiental, porque Brasília esta no Cerrado, em uma região com muitas nascentes e áreas como Vicente Pires não deveriam ter a configuração habitacional que tem hoje, porque afeta o meio ambiente."
Segundo o Brasília Ambiental (Ibram), a ocupação do território por bairros é uma atividade que envolve muitas etapas e gera muitos impactos ambientais que devem ser mitigados. E quando uma área é ocupada sem o devido planejamento e licenciamento, esses impactos são elevados. "Os riscos ambientais envolvidos na ocupação das áreas irregulares são os mais diversos: perda de nascentes; processos erosivos intensificados; perda dos habitats da fauna nativa; perda de áreas verdes e vegetação nativa, que diminuem inclusive a qualidade de vida da população", descreveu em nota.
Ainda segundo a pasta, Vicente Pires possui uma característica peculiar, pois o solo da região é majoritariamente encharcado.Além de impactos ambientais, as construções podem apresentar riscos de colapsarem, caso não sejam empregadas técnicas e recursos adequados nas obras de fundações.
Cronograma
No ultimo dia 28 de junho, a Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal determinou que o Governo do DF apresente um cronograma de derrubadas de lotes com mais de três pavimentos, em Vicente Pires. A decisão prevê multas por atraso de até R$ 50 milhões e pela não remoção das edificações em até R$ 200, conforme revelado ontem pelo Correio Braziliense.